Daniel Buarque: Expansão do Brics é uma ‘formação de peões’ no xadrez geopolítico
Analogia com jogo de tabuleiro permite ver a importância da atuação conjunta de nações que são percebidas como menos influentes no mundo. Ao contrário de grupos de status elevado como o Conselho de Segurança da ONU, aumentar o número de países no bloco que representa o Sul Global tem o potencial de ampliar a voz do grupo na política internacional
Analogia com jogo de tabuleiro permite ver a importância da atuação conjunta de nações que são percebidas como menos influentes no mundo. Ao contrário de grupos de status elevado como o Conselho de Segurança da ONU, aumentar o número de países no bloco que representa o Sul Global tem o potencial de ampliar a voz do grupo na política internacional
Por Daniel Buarque*
O debate sobre a ampliação do grupo de países que fazem parte do Brics esteve no topo da agenda da cúpula desses Estados emergentes, em Joanesburgo, nesta semana. E os presidentes de China, Rússia, África do Sul, Índia e Brasil chegaram a um acordo para incluir seis novos países no grupo: Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia.
Apesar de passar a agregar nações com pouca relevância no cenário global (incluindo ditaduras com pouco prestígio e Estados à beira da falência), o objetivo desse plano é dar ao Sul Global mais peso e influência nos assuntos mundiais. Ao ampliar o bloco, aumenta-se a sua voz. Isso é algo que interessa a países como China e Rússia, por exemplo, pelo potencial de tornar o bloco um contrapeso viável ao Ocidente, especialmente aos Estados Unidos.
Aumentar o número de vozes no Brics pode aumentar sua força. Ao contrário do que acontece quando se pensa em um grupo de países poderosos como o P5, os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, aumentar o número de membros não dissolve o poder dos que já fazem parte do conjunto. No caso das grandes potências, se EUA, Rússia, Reino Unido, França e China reconhecessem algum outro país como um “par” no Conselho de Segurança, isso naturalmente diminuiria a percepção de poder que os cinco têm no mundo, diluindo a importância de cada um deles.
No caso do Brics, a situação é diferente. Como o grupo ainda não tem status tão elevado na política internacional, a soma (mesmo com muitos países pouco representativos de forma isolada) tem a perspectiva de melhorar a situação dos países-membros na perspectiva global.
E isso interessa especialmente ao Brasil desde a volta de Luiz Inácio Lula da Silva ao governo, quando a velha ambição de aumentar o prestígio do Brasil no mundo — deixada de lado durante os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro — voltou a ser prioridade na chamada “Doutrina Lula”.
Este tipo de movimentação brasileira para criar um grupo de nações menos poderosas nas relações globais, a fim de ampliar a voz coletiva, é uma estratégia viável para aumentar o status de uma nação. E pode ser analisado sob a perspectiva de um jogo de xadrez geopolítico.
Isso porque o Brasil é visto pelas grandes potências como um “peão” nesse grande jogo global. Por mais que essas nações com mais força tenham interesse em ter o país como aliado, elas acham que ele não tem força e relevância suficientes para ter infuência internacional por si só.
A analogia com o jogo também pode ser usada para formular uma estratégia como a da ampliação do BRICS. Isso porque peças menos importantes neste jogo têm a possibilidade de agir de forma coletiva para ampliar a sua importância no tabuleiro. É o que se chama de “formação de peões”.
A formação de peões no xadrez refere-se à disposição e estrutura dos peões de um jogador no tabuleiro. Por mais que não sejam valorizados, os peões são as peças mais numerosas no xadrez e têm características únicas de movimento e captura. A maneira como os peões são organizados no tabuleiro pode ter um impacto significativo na natureza e direção do jogo.
Essas formações podem proporcionar uma defesa sólida contra o avanço do opositor, permitem criar contragolpes dinâmicos, ampliar o equilíbrio da disputa, permitindo o desenvolvimento de outras peças, entre outras vantagens na ação coletiva.
Entender as características das diferentes formações de peões é essencial para jogar bem o xadrez, pois elas influenciam diretamente o curso do jogo e as decisões táticas e estratégicas que se tomará ao longo da partida.
Não chega a ser uma aposta livre de riscos, uma vez que está associada a uma crença na consolidação de um mundo cada vez mais multipolar, o que é apontado como uma ilusão por especialistas. E tem ainda o fato de os EUA verem a atitude como hostil e antiamericana, o que pode ser problemático por conta da importância da parceria brasileira com a maior potência do planeta.
Mesmo assim, é uma estratégia consistente com a agenda da política externa do governo atual. E a partir dessa analogia e sob o ponto de vista do xadrez, incluir mais países no grupo não dissolve o poder dos membros atuais, e pode ajudar o grupo a atuar de forma concertada para poder aumentar a sua influência em disputas geopolíticas.
*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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