Rubens Barbosa: Participação de Lula no G7 revela perda de espaço do Itamaraty
De volta à cúpula depois de 14 anos, Brasil reforçou sua postura de voltar a buscar protagonismo internacional. Para embaixador, entretanto, ataques do presidente ao grupo e seus interesses podem ter sido um erro e teriam outra abordagem, se o discurso tivesse sido feito na Casa de Rio Branco.
De volta à cúpula depois de 14 anos, Brasil reforçou sua postura de voltar a buscar protagonismo internacional. Para embaixador, entretanto, ataques do presidente ao grupo e seus interesses podem ter sido um erro e teriam outra abordagem, se o discurso tivesse sido feito na Casa de Rio Branco
Por Rubens Barbosa*
O G7, grupo criado em 1977, para servir de fórum de discussão e coordenação entre os países mais industrializados e poderosos do mundo, reuniu-se nos dias 20 e 21, em Hiroshima, no Japão. Integram o grupo EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália e Canada. Foram convidados a participar Índia, Indonésia, Brasil, Austrália, Coreia do Sul, Vietnã, Ilhas Cook e Comores. O presidente da Ucrânia, em campanha de relações públicas, depois de participar de encontro com os países da Liga Árabe na Arábia Saudita, voou em um avião do governo francês para Hiroshima e participou do encontro com o G7.
Os principais temas tratados foram a contenção da China, a Guerra na Ucrânia, armas nucleares, meio ambiente e inteligência artificial, incluídos em comunicado ao final do encontro com forte viés antiChina e antiRússia.
A China manifestou forte descontentamento e oposição às referências feitas no comunicado final e ironicamente aproveitou para divulgar documento em que mostra que quem iniciou e quem aplica medidas restritivas para fins políticos e diplomáticos são os EUA, desde Cuba e mais recentemente Venezuela e agora a Rússia e a própria China. Enquanto o G7 se reunia em Hiroshima, Xi Jinping participava de reunião de cúpula com presidentes de ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão.
Depois de 14 anos o Brasil voltou a ser convidado a participar das reuniões do G7. Isso mostra, de um lado, como o Brasil ficou isolado durante os governos de Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro, e, de outro, a importância da decisão do atual governo de colocar o Brasil de novo no cenário internacional como um ator relevante. Além de apresentar a visão brasileira sobre os tópicos mais importantes do encontro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve encontros bilaterais com os chefes de governo de seis países (Japão, Austrália, Indonésia, França, Alemanha, Vietnã) e com o secretário-geral da ONU, António Guterres.
A presença de Lula teve um perfil mais baixo do que em outras ocasiões em reuniões multilaterais. A ida de Zelensky a Hiroshima, de certa forma, ofuscou a presença dos demais convidados, inclusive o presidente da Índia e o do Brasil. Por outro lado, os termos do discurso de Lula não contribuíram para que suas ideias pudessem ser absorvidas com mais atenção tendo em vista que ele fez duras críticas às políticas que estavam sendo defendidas pelos membros do G7. Essa atitude afastou Lula das lideranças ocidentais — tanto dos EUA, como da Europa.
O fato de Lula não ter se encontrado com Zelensky nem com Biden foi um grave erro político e comprometeu ainda mais a proposta de formação de um grupo para a paz. Apesar da explicação dada por Lula, se houvesse um efetivo interesse do lado brasileiro, teria havido um horário para uma reunião ao longo de três dias de encontros. Na realidade, houve decisão do governo brasileiro de talvez preservar sua ideia de equidistância, já que foi Celso Amorim, e não Lula, quem visitou Putin. O encontro com Zelensky, a quem Amorim também já havia visitado, poderia dar a ideia de uma preferência de Lula pelo presidente da Ucrânia. O efeito, porém, foi contrário.
Em seu pronunciamento, Lula decidiu partir para o ataque e começou por criticar a legitimidade do G7 e a contrapor sua atuação com a do G20, de maior representatividade, para permitir maior participação dos países emergentes, Defendeu a necessidade de reformas das instituições globais e atacou o fracasso das potências em lidar com as crises internacionais; acrescentou que a solução não estava na formação de blocos antagônicos ou que contemplem apenas um pequeno numero de países. As decisões só terão legitimidade se tomadas e implementadas democraticamente, continuou Lula, ao defender a reforma das Nações Unidas e em especial do Conselho de Segurança, sem o que a ONU não vai recuperar sua eficácia e a atacar os retrocessos na OMC, hoje paralisada.
Fazendo um gesto para o auditório, Lula reiterou suas posições, de princípio condenando a Rússia pelo ataque e a ocupação territorial da Ucrânia. A percepção dos que estiveram presentes na reunião de Hiroshima, em relação à posição do Brasil deve ter sido de perplexidade, de dúvida quanto à neutralidade do Brasil e mostraram o isolamento de Lula. Aguarda-se com interesse a posição do governo brasileiro quanto à venda de ambulâncias blindadas a Ucrânia.
Diante dessas posições ideológicas, distante do que o Itamaraty normalmente recomendaria, torna-se difícil imaginar que a proposta de Lula para a formação de um grupo de paz na tentativa de suspender as hostilidades na Ucrânia possa prosperar entre as potências do G7. Até porque, na mesma reunião, elas apoiaram o aumento da capacidade militar de Kiev para enfrentar a Rússia, e os EUA impuseram novas sanções contra Moscou.
A participação de Lula no G7 mostrou mais uma vez a perda de espaço do Itamaraty. Os ataques a tudo o que os países membros do G7 representam ou defendem certamente poderiam ter sido apresentadas de maneira diferente, se o discurso tivesse sido feito na Casa de Rio Branco.
*Rubens Barbosa é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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