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Sergio Abreu e Lima Florêncio: O resgate do Mercosul – virtudes políticas, vícios econômicos

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Visitas de Lula à Argentina e ao Uruguai impulsionam a reinserção do Brasil na América Latina e podem ser vistas como vitórias políticas incontestes e símbolo de retorno do país ao cenário global. Para embaixador, entretanto, entretanto, o avanço político não se fez acompanhar de pragmatismo econômico por causa de erros e tensões nas negociações com os dois vizinhos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião com o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, em Montevidéu (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Sergio Abreu e Lima Florêncio*

A recente visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Argentina e ao Uruguai foi ponto de inflexão no desastroso abandono do Mercosul e da integração regional durante o governo de Jair Bolsonaro. O gesto político de inaugurar o ciclo de visitas presidenciais pela Argentina foi exemplar. Mas o acerto na política não se fez acompanhar de lucidez na economia.

A vitória eleitoral de Lula trouxe promissor simbolismo político para a América Latina. A região atravessa forte instabilidade política, com cataclisma sócio-institucional no Peru e instabilidade crônica na Bolívia. Mas temos boas razões para acreditar no avanço da democracia em países como Chile e Colômbia, onde uma esquerda renovada, com responsabilidade social e fiscal, dá bons sinais de vida. Diante desse quadro, o resgate do Mercosul traz uma mensagem política de fortalecimento das democracias liberais do continente, diante de rebeliões e do perigo concreto de golpe no Brasil.

Como construção política, o Mercosul saiu fortalecido tanto pelo reatamento de laços com a Argentina, desfeitos por Bolsonaro, como pela aproximação com o Uruguai, onde o liberalismo de Luis Lacalle Pou contrasta com a visão mais estatizante de Lula. Nos dois casos, o movimento foi positivo, pela afirmação das semelhanças, e pelo respeito às diferenças.

Mas o Mercosul é também, e sobretudo, uma construção comercial e econômica. Nesse sentido, a lucidez cedeu lugar a equívocos com a Argentina e à retórica com o Uruguai.

Aceno à Argentina

No caso da Argentina, Lula anunciou que o Brasil poderá financiar o projeto do gasoduto Vaca Muerta, de exploração de óleo e gás de xisto. Trata-se de uma das maiores obras de infraestrutura, destinada a exportar gás, aumentar a entrada de divisas e compensar a penúria de reservas internacionais do país.

Os méritos econômicos contrastam com preocupantes efeitos ambientais. Sua exploração deverá provocar gases de efeito estufa, como o metano, que ameaça espécies e degrada o solo.

Assim, além de prejudicar nossa prestigiada política ambiental atual, o projeto vai na direção contrária à meta de responsabilidade fiscal do governo brasileiro e foi anunciado em momento politicamente inoportuno.  Ocorre após pesadas perdas do BNDES, nos governos Lula e Dilma, com projetos de infraestrutura na América Latina, sobretudo em Cuba e Venezuela. Maria Silvia Marques, ex-Presidente do banco, foi enfática. “O BNDES foi ressarcido com dinheiro do contribuinte porque fez empréstimos e não tinha garantia”. A resposta de Lula  soa como equivocada volta a um passado que não deu certo. “É necessário que o Brasil ajude a todos os seus parceiros. O BNDES é muito grande”.  

O segundo anúncio de Lula durante a viagem – avançar em moeda comum sul-americana (Sur) – beneficia muito a Argentina, com nível de reservas internacionais ínfimo e inflação de 94% em 2022. Entretanto,  poderá ser vantajoso também para o setor industrial brasileiro, com substancial perda de espaço para produtos chineses naquele mercado.

Tensão com Uruguai

Em contraste com o clima político amistoso com Alberto Fernández, o encontro Lula-Lacalle não pôde esconder a tensão e o inconformismo do Uruguai com a trajetória do Mercosul nos últimos anos.

O Uruguai sempre foi crítico e demandante de maiores vantagens do Mercosul. Isso é normal e histórico. A grande diferença é que, no passado, o Brasil sempre tinha um pacote de benefícios que contornavam as demandas e convenciam o Uruguai a seguir junto com seus vizinhos. Hoje a crítica é mais contundente (isolamento do bloco no comércio mundial), nossa capacidade de reação, mais frágil (forte recessão econômica seguida de crescimento medíocre e endividamento crescente) e o perigo, muito maior (Acordo de Livre Comércio Uruguai-China).

Esse quadro tão desfavorável não poderia ser desfeito apenas com retórica e promessas. Com reconhecido talento de negociador-conciliador, Lula fez o possível para aplainar arestas. Mas a realidade se impôs. Ali estava um Lacalle inconformado em importar produtos mais caros de parceiros pouco competitivos (Brasil e Argentina), sem condições de grandes investimentos no Uruguai.

No horizonte negociador estava uma China com produtos mais baratos e com maiores investimentos. O contraponto de Lula era indicar que o Acordo Mercosul-União Europeia deveria preceder qualquer outra iniciativa comercial. Após essa etapa, seria possível contemplar um Acordo Mercosul-China. O primeiro cenário é distante e o segundo, muito remoto.

O risco de um caminho solo para o Uruguai é sério e não deve ser minimizado. A imagem de um Lacalle objetivo, pragmático, cirúrgico nas demandas por pontes, estradas e portos, contrastava com um Lula compreensivo, conciliador, mas retórico e pouco convincente.

Em síntese, as visitas de Lula à Argentina, ao Uruguai e a reinserção do Brasil no seio da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) foram vitórias políticas incontestes. O Brasil está de volta no mundo. Começou com o resgate de nossa reconhecida política de meio ambiente e prosseguiu com o esforço político de fortalecer o Mercosul. Mas a virtù política não se fez acompanhar de pragmatismo econômico. Fica a esperança de amalgamar essas duas vertentes do Mercosul – uma construção política e econômica.   


* Sergio Abreu e Lima Florêncio é colunista da Interesse Nacional, professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco, economista e foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.  


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Uma resposta

  1. Precisas e realistas consideraçóes sobre o novo momento pelo qual passa a política externa do Brasil. Mas é cedo para tirarmos conclusóes a longo prazo: temos que aguardar um pouco mais pois esta empolgaçáo inicial pode ser passageira e fugaz.

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