Apresentação
Este é um ano eleitoral. Nas eleições presidenciais de outubro, pela quinta vez consecutiva desde 1994, pt e psdb deverão polarizar a disputa. Apesar de origens bem distintas, e divergências talvez irreconciliáveis, muitos veem mais semelhanças do que diferenças entre as plataformas dos dois partidos. Não é o que pensa o autor do artigo que abre este número da revista: José Dirceu.
Dirceu rebate opiniões favoráveis a maior aproximação entre os dois partidos, quer numa aliança à moda dos partidos social-democrata e democrata-cristão na Alemanha, como defendeu Renato Janine Ribeiro, em número anterior desta revista, quer numa convergência de interesses que se materializaria em uma agenda bem definida a ser votada nos primeiros cem dias do próximo governo, por meio de acordo parlamentar, como sustentou Rubens Barbosa em artigo publicado n’O Estado de S. Paulo.
Os editores agradecem a colaboração do ex- ministro, que procurou a revista para dizer o que pensa a respeito do tema levantado por Janine e Barbosa. Tomara o debate não pare por aí. Se depender de nós, ele continuará. Não será necessário sequer esperar os próximos números.
Já os artigos de Paulo Sotero e Riordan Roett, sobre as razões da imagem positiva de que o Brasil hoje desfruta no exterior, dialogam, digamos, criticamente com o artigo do líder petista. Tanto um como o outro argumentam que a principal causa do sucesso do País no exterior é a continuidade entre os governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E advertem: o excesso de ideologia e triunfalismo da política externa atual, louvada por Dirceu, poderia pôr a perder parte do capital político acumulado pelo Brasil nos últimos quinze anos. Em tempo: Sotero foi correspondente de vários dos principais jornais e revistas brasileiros em Washington por mais de vinte anos, e hoje é diretor do Brazil Institute, do Woodrow Wilson Center; Roett é professor da Johns Hopkins School of Inter- national Studies e autor de diversas publicações sobre o Brasil e a América Latina.
Junto com a projeção global vem a responsabilidade nas decisões relativas aos temas que interessam ao mundo. Nenhum deles é hoje tão importante quanto à mudança climática, como mitigá-la e adaptar-se a ela. O Brasil é o quarto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta e ocupa um lugar de destaque nas negociações sobre o clima. Temo-nos conduzido bem nessa área, de acordo com nossos melhores interesses, entre eles o de facilitar um novo acordo efetivo e equilibrado que modifique ou substitua o protocolo de Quioto? Ou, por outra, atrela- dos ao grupo dos 77 países em desenvolvimento (G-77), mais China, estaríamos desperdiçando, contra os nossos próprios interesses, uma oportunidade de ouro para nos firmar na liderança da transição para uma economia global de baixo carbono, transição que nos trará mais vantagens do que custos? Assunto controvertido, aqui tratado por dois dos brasileiros mais qualificados
para opinar sobre ele. Um é o Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, diretor do departamento de meio ambiente e temas especiais do Itamaraty e negociadorchefe do Brasil para a mudança climática. O outro é o físico José Goldemberg, nome internacionalmente respeitado por seus trabalhos na área de energia, autor de diversos estudos, entre eles um sobre o uso sustentável de energia em cooperação com Steven Chu, Nobel de Física e atual ministro de Energia dos Estados Unidos. No artigo de Figueiredo Machado, o leitor encontrará uma defesa sólida do princípio das responsabilidades com- partilhadas, mas diferenciadas, que tem pautado as posições do governo brasileiro nas negociações sobre o clima. O artigo de Goldemberg, que foi secretário de meio ambiente do Governo de São Paulo, põe em xeque tal princípio e desfere uma crítica contundente à política externa brasileira nessa área.
Cedo ou tarde, nossa agenda para o clima terá de incorporar a questão do pré-sal. Ninguém duvida de que dispor de tamanhas reservas de combustível fóssil seja (hoje e possivelmente por um bom tempo) um grande trunfo. Com muita pressa e pouco debate, nos meses finais de 2009, o governo conseguiu pratica- mente aprovar quatro projetos de lei que criam um novo regime de exploração para o pré-sal, uma nova estatal e um novo fundo social, além de autorizar uma megacapitalização da Petrobras. O fato de que os projetos tenham sido transformados em lei não deve encerrar a discussão: teremos dado um passo certo na direção certa? Com postos de vista radicalmente distintos, Adriano Pires e Ildo Sauer respondem à questão. Seus textos foram escritos quando os projetos de lei ainda tramitavam em fase incial no Congresso. Pires critica a proposta do governo por desnecessária e excessivamente esta- tizante. Sauer considera a proposta oportuna, mas insuficientemente estatizante. O primeiro é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura e requisitado consultor na área de energia; o segundo, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da usp, é ex-diretor de energia e gás da Petrobras, posto que ocupou de 2003 a 2007.
Além de aprofundar o debate de temas em evidência, a revista tem o dever de chamar aten ção para assuntos que passam quase despercebi- dos aos olhos da maioria das pessoas, mesmo as mais bem informadas. Você sabia, por exemplo, que no Congresso tramita uma lei geral das religiões? A iniciativa surgiu na esteira da renovação do acordo entre o Brasil e o Vaticano, em outubro. Renovação que mereceu críticas, em especial por ensejar, conforme algumas interpretações, o ensino religioso nas escolas públicas. Articulada principalmente pela bancada evangélica, em busca de suposta equiparação com os “privilégios” oferecidos à Igreja Católica, a lei geral das religiões prevê isenções tributárias e trabalhistas para todas as Igrejas. Segundo alguns tributaristas, tais isenções poderiam beneficiar “não só templos, mas todos os negócios das Igrejas, que, em geral, são donas de editoras, emissoras de rádio e tv, escolas e lojas de produtos diversos”. O alerta é de Chico Alen car, ex-parlamentar do pt, hoje no psol, que, em artigo para a revista, escrutina os principais dispositivos da lei, alerta para o seu caráter in- constitucional e para as suas consequências deletérias. A seu ver, se aprovada, ela consagrará os “negócios da fé”. Pior: com o apoio estatal, em frontal conflito com o princípio da separação entre o Estado e a Igreja, vigente desde a primeira Constituição republicana.
Fecha este número um artigo sobre o futuro da internet de autoria de José Paulo Cavalcanti, advogado especialista em Direito e Mídia, que presidiu o Conselho de Comunicação Social de 2002 até recentemente.
Este ano, como dissemos no início, é ano eleitoral. Ano para ficar de olhos e ouvidos abertos não apenas às pesquisas de intenção de votos, mas também ao debate dos temas da agenda de desenvolvimento que, nenhum presidente, seja ele ou ela quem for, poderá ignorar.