A ‘águia de Haia’ e o prestígio do Brasil – A atuação de Rui Barbosa por status e igualdade
Um novo estudo desafia as narrativas predominantes sobre o apelo do Brasil por igualdade soberana para todos os países em Haia, entretanto. Lars Janssen alega que o foco do país não era uma defesa ideológica dos direitos das nações, mas uma luta por status internacional.
O político, advogado, jurista e diplomata Rui Barbosa retornou da sua participação representando o Brasil na Segunda Conferência de Paz de Haia, em 1907, como uma figura mítica. Conhecido então como “águia de Haia”, ele era aclamado por sua defesa da igualdade de soberania e dos direitos das pequenas potências, enfrentando os interesses das nações mais poderosas. Para muitos, sua atuação em nome do Brasil pode ser apontada até mesmo como um dos pilares do multilateralismo contemporâneo.
Um novo estudo desafia as narrativas predominantes sobre o apelo do Brasil por igualdade soberana para todos os países em Haia, entretanto. Em Law, Peace and Status: Brazil’s Call for Sovereign Equality During the Second Hague Peace Conference of 1907, artigo recém-publicado na revista acadêmica The International History Review, o pesquisador Lars Janssen, da Utrecht University, na Holanda, aponta para uma nova versão da atuação do país na conferência. Segundo ele, o foco do país não era uma defesa ideológica dos direitos das nações, mas uma luta por status internacional.
Janssen combina estudos teóricos sobre status internacional com um exame extensivo de fontes primárias como comunicações diplomáticas e anais de conferências. Ele mostra que o apelo do Brasil pela igualdade de soberania foi uma resposta estratégica às disputas por status. Segundo ele, essa postura permitiu que Barbosa ganhasse liderança sobre uma coligação multilateral latino-americana contra uma proposta das grandes potências de criar um tribunal internacional hierárquico.
A narrativa consolidada, diz “tende a ignorar as lutas políticas e diplomáticas que moldaram o apelo de Rui Barbosa pela igualdade soberana. Na verdade, a posição da política externa do Brasil na época estava longe de estar alinhada com as ideias jurídicas progressistas da América Latina”.
Parte dessa atuação brasileira se deu por conta da influência do então chanceler, o Barão do Rio Branco, que procurou aumentar o status internacional do Brasil através de várias estratégias. “Sob a sua liderança, três marcadores do status do Brasil tornaram-se importantes: a aliança com os EUA, a potência regional e a reivindicação do padrão europeu de ‘civilização’”. Diz.
Esse esforço encontrou um cenário desafiador de rivalidade regional, entretanto, enquanto os EUA e os países europeus tratavam a América Latina como inferior. “No contexto multilateral da Segunda Conferência de Paz de Haia, isso moldou a diplomacia do Brasil e levou ao apelo de Rui Barbosa à igualdade soberana”.
De acordo com Janssen, durante a conferência, Barbosa inicialmente até apoiou as cortes hierárquicas e tentou obter uma posição melhor para o Brasil. “Sem uma compreensão do contexto e das motivações, surge um quadro simplificado e romantizado das ações de Rui Barbosa. E, como tal, cria um mal-entendido sobre as contribuições latino-americanas do século XIX e do início do século XX para a ordem internacional”, avalia no estudo.
A pesquisa indica que o Brasil ocupou uma posição de potência média na conferência e utilizou diversas estratégias para perseguir sua própria agenda e seus objetivos. Estas estratégias incluíam a formação de uma aliança com os EUA, o estabelecimento de uma potência regional, a formação de uma coligação e a demonstração da capacidade intelectual do Brasil.
“Curiosamente, a oposição temporária do Brasil aos EUA durante a conferência levou os EUA a aumentar efetivamente os seus esforços para promover a sua aliança. Isto leva à implicação paradoxal de que a oposição pode, em alguns casos, ser uma estratégia viável para as potências menores fortalecerem uma aliança com uma grande potência”, diz. “A observação de que as relações do Brasil com os EUA melhoraram durante e após a conferência levanta a implicação de que a oposição a uma grande potência pode, paradoxalmente, fortalecer uma aliança com esse país mais poderoso”, conclui o artigo.
Essa avaliação é importante no contexto das estratégias que podem ser usadas por nações que têm ambição por um prestígio mais elevado para conseguir buscar reconhecimento internacional. Em minha pesquisa de doutorado, propus que o Brasil é visto como um “peão cobiçado”, e que as grandes potências tendem a favorecer o país quando ele se aproxima delas, ou para evitar que ele se alie a seus rivais.
Por mais que isso soe como o oposto do que é apresentado por Janssen, na verdade pode-se interpretar que, ao fazer oposição, o Brasil dá motivos a uma grande potência para evitar que ele se afaste e possa ficar alinhado a outras potências, o que justificaria uma tentativa de fortalecimento das relações. Nos dias de hoje, não é raro ver EUA e China conversarem sobre oferecimento de vantagens ao Brasil quando o país parece se aproximar do rival. Em vez de romper de vez, o risco de perder a aliança com o “peão cobiçado” pode levá-lo a ser cortejado.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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