A ausência brasileira na 11ª Geneva Peace Week e as oportunidades perdidas
Apesar de haver grande boa vontade do mundo em relação ao Brasil e um contexto favorável a uma maior atuação dele em temas relacionados à paz mundial, o país ficou de fora de um dos mais importantes fóruns internacionais sobre o tema
Na política, a destreza em se aproveitar oportunidades em meio a conjunturas críticas é um tema recorrente. Nesse tema, nada mais comum do que as referências a Maquiavel sobre virtú e fortuna. Menos comum – mas igualmente reflexivo – é um poema particular de Shakespeare, nele, o poeta fala: “Existe uma maré nos assuntos dos homens. Que, tomadas com o dilúvio, leva à fortuna”, mas, quando “omitida, toda a viagem leva a ‘baixios e misérias’”.
Na conjuntura política internacional contemporânea, sem dúvida, paz e segurança internacionais são os temas da vez quanto ao dilema crises x oportunidades. Do atual momento crítico da segurança internacional, por exemplo, parecem renovar as discussões sobre a necessidade de reforma do Conselho de Segurança da ONU. São espaços particularmente úteis para gerar oportunidades os fóruns internacionais sobre temas de paz e segurança.
Um desses fóruns é o Geneva Peace Week (Semana da Paz de Genebra). Nesse mês de outubro, entre os dias 14 e 18 de outubro, foi realizada a sua 11ª edição. O prestigioso fórum é um dos principais voltados exclusivamente para discutir os desafios que envolvem a construção da paz. Trata-se de um espaço único, que procura facilitar o contato e a troca de experiências de membros das mais variadas entidades, incluindo representantes de corpos diplomáticos, funcionários da ONU, membros de influentes instituições governamentais e não-governamentais.
Ao longo de toda semana, diversos paineis, workshops e conferências serviram de fontes para reflexão acerca da atual conjuntura crítica que o mundo vivencia, bem como sobre cenários futuros. Como pontos altos, destacam-se a própria abertura do evento, no Palais des Nations (a principal sede da ONU fora de Nova York) e o já tradicional Kofi Annan Address: fala de destaque no evento, a qual esse foi realizada por Mary Robinson, primeira mulher a ocupar o cargo de Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU.
Durante o evento, foi possível notar a participação de membros de países ocidentais, como os já tradicionais campeões na agenda de paz, Suíça e Noruega, e grandes potências como Estados Unidos e o Reino Unido. Houve também a participação de representantes de Estados do Sul Global com expressivo engajamento em mediações internacionais, notadamente Qatar, Quênia e África do Sul. Da América Latina, o destaque se deu pela participação de representantes colombianos.
O que não se viu, em qualquer painel da programação, foi a participação de representantes brasileiros. Do meu ponto de vista de espectador, também me chamou a atenção a ausência de representantes brasileiros nos questionamentos feitos aos diversos palestrantes. Se houve algum acompanhamento por parte de representantes brasileiros, ele se deu, em regra, de forma silenciosa, não-participativa.
Evidente que a ausência de representantes do governo não é algo exclusivo do nosso país. Na verdade, apenas alguns países foram representados no evento com ativa participação. Nesse sentido, por si só, a ausência brasileira não pode ser tida como uma falta grave. Se se olha para a programação do evento, fica claro que há espaço limitado para os paineis e workshops, patrocinados por atores específicos.
Estou em Genebra justamente para pesquisar como o Brasil pode melhorar sua participação na resolução de conflitos internacionais. Nesse sentido, pude ter um contato mais aproximado com representantes governamentais e não governamentais, indagando acerca do papel do país em assuntos de paz. O que pude perceber foi um sincero desejo por um maior engajamento brasileiro. Nesse sentido, a ausência brasileira implica menos em custos negativos de uma não participação e mais nos ganhos não auferidos.
Ao longo do evento, pude perceber um sincero desejo por uma participação mais ativa do país, com críticas sobretudo construtivas, voltadas a indicar caminhos para o aperfeiçoamento da atuação brasileira em resoluções de conflitos.
No geral, nas interações que tive, foram frequentes os comentários sobre importantes qualidades do Brasil para se tornar um mediador internacional mais relevante, e os benefícios que uma maior atuação brasileira teria para a política internacional.
A conjuntura política atual, marcada, de um lado, pela renovação das credenciais brasileiras com a eleição de Lula; de outro, por uma crescente incerteza internacional, com acirramentos e disputas globais, tende a gerar importantes oportunidades para o país.
Essas oportunidades, contudo, precisam ser agarradas quando surgem, e ser aproveitadas com sabedoria. Isso implica tanto estar mais presente nas ativas discussões sobre assuntos de paz, como rever estratégias e aprimorar capacidades institucionais. A participação em eventos como a Geneva Peace Week serve tanto de um sinalizador da maior predisposição do país, como de uma rica fonte para entender como aprimorar a atuação do Brasil em iniciativas futuras – desde que, por óbvio, haja uma sincera disposição para aprender.
Diante da crônica instabilidade política internacional do momento, as oportunidades tenderão a ser mais escassas, isso reforça ainda mais a necessidade de aproveitá-las. Retomando o poema de Shakespeare, estamos diante de um grande mar de conflitos e incertezas, mas que igualmente nos apresenta grandes possibilidades. Nesse mar cheio, “devemos pegar a corrente quando ela atende, ou perder nossas aventuras”.
Miguel Mikelli Ribeiro é colunista do Interesse Nacional e professor de relações internacionais do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em RI pela Universidade Estadual da Paraíba e doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco. É autor do livro "Política internacional contemporânea: questões estruturantes e novos olhares".
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