‘O cara’ voltou? A simbiose entre a imagem de Lula e o prestígio global do país
Enquanto promovia no mundo a ideia de que o Brasil voltava a marcar presença na política internacional, Lula também projetou sua própria reputação no mundo. Artigo resume capítulo do livro ‘O Brasil voltou?’
Enquanto promovia no mundo a ideia de que o Brasil voltava a marcar presença na política internacional, Lula também projetou sua própria reputação no mundo. Artigo resume capítulo do livro ‘O Brasil voltou?’
Por Daniel Buarque*
O primeiro ano do governo Lula teve um grande foco na tão repetida ideia do retorno do país à cena global. O presidente foi aplaudido como herói em eventos internacionais e também participou ativamente de dezenas de encontros com líderes estrangeiros e cúpulas globais. Enquanto promovia no mundo a ideia de que o Brasil voltava a marcar presença na política internacional, Lula acabava também projetando sua própria imagem como personagem fundamentalmente ligada ao país.
A diplomacia presidencial é um tema tradicional na análise de relações exteriores de líderes populares, e esteve muito presente nos estudos sobre a política externa brasileira desde a redemocratização. Além disso, a simbiose entre as imagens de um país e do seu líder é tradicionalmente reconhecida como um dos processos históricos de busca por reputação internacional.
E não é algo totalmente novo no caso de Lula e do Brasil. O presidente foi várias vezes apontado como sendo um dos principais responsáveis pela percepção global de “ascensão” brasileira na primeira década do século XXI. O presidente promovia o país como um “líder de torcidas”, e acabava se destacando junto com o Brasil.
Mas essa fusão também teve um lado negativo para ele. Assim como a imagem do Brasil perdeu força e se afundou enquanto o país passava por sucessivas crises econômicas e políticas, a reputação de Lula também naufragava em meio a acusações de corrupção que levaram à sua prisão.
Essa associação entre a recuperação da imagem internacional do país e a reabilitação da reputação do próprio presidente parece indicar que, para Lula, a “volta” do Brasil ao mundo a partir de 2023 não é uma mera questão de política externa e diplomacia. É também uma questão pessoal.
Trata-se não apenas de levar o país de volta a uma posição de destaque, mas de recuperar a própria imagem do ex-presidente que conseguiu dar a volta por cima e se consagrar ao alcançar um terceiro mandato. Uma “fênix” renascida das cinzas, como alguns aliados tentariam argumentar. Por trás dessa “volta” do Brasil, há a volta do líder que um dia foi chamado de “o cara”, “o político mais popular do mundo”.
Uma das principais evidências de que a campanha para recuperar o prestígio do Brasil estava associada a uma tentativa de promover a imagem do presidente era o que críticos viam como um sonho de Lula de ganhar o prêmio Nobel da Paz. Para muitos, a insistência na agenda de melhorar a imagem do país sugeriria uma “campanha”, uma “obsessão” pelo prêmio e uma vontade de se tornar um “novo Mandela”.
A atuação de Lula ao longo desse primeiro ano evidencia a vontade de promover o país e a si mesmo no exterior, mas também os desafios desse processo. O mundo está em uma situação de crise, e por mais que haja barreiras, há espaço para atores interessados em buscar soluções para esses problemas.
Apesar de promover o país e o próprio presidente no resto do mundo, o governo identificou em pesquisas internas um desgaste junto à opinião pública em relação ao número de viagens internacionais de Lula. Em seu primeiro ano no poder, Lula fez 15 viagens internacionais, visitou 24 países e passou 62 dias fora do Brasil. Um lado positivo era que essas sondagens apontavam que a maioria dos brasileiros considerava que os giros diplomáticos de Lula traziam benefícios para o Brasil e melhoraram a imagem do país no exterior. A avaliação também tinha um viés negativo, pois uma parcela considerável dos entrevistados opinou que Lula deveria viajar menos para fora do país.
Outro aspecto problemático desse trabalho de reconstrução de percepções internacionais é que o Brasil encontrou desafios reais na sua tentativa de voltar a ter um papel relevante no mundo. Com a transformação geopolítica ocorrida desde 2010, quando Lula deixou o poder, e as sérias crises sistemáticas com guerras na Europa e no Oriente Médio, faltava espaço para o Brasil e Lula se destacarem. Isso ficou especialmente evidente na tentativa do Brasil de participar de esforços internacionais de mediação nas questões da Ucrânia e da Faixa de Gaza.
Lula assumiu o governo sob uma enorme boa vontade dos estrangeiros, mas gerou mal-estar por sua posição em relação à Ucrânia, e que poderia gerar danos diplomáticos. Por mais que o Brasil queira “voltar”, o ambiente internacional permissivo que permitiu a sua formidável expansão da política externa na década de 2000 não existe mais. Além disso, para Lula pode ser mais difícil promover uma política externa proativa depois dos escândalos de corrupção internacionais revelados pela Lava Jato.
Apesar das muitas evidências da motivação autocentrada para o trabalho internacional do presidente neste primeiro ano do seu terceiro mandato, a experiência passada mostra que o Brasil pode se beneficiar da tentativa de projeção internacional do país associada à imagem de Lula. No passado, quando era chamado de “cheerleader”, o presidente de fato conseguiu uma visibilidade e uma reputação inéditas para o país, ajudando a impulsionar a ideia de que o Brasil poderia ter uma voz importante no mundo.
O mais importante para essa retomada de uma agenda que promova essas imagens internacionais é que haja um lastro em resultados. Lula pode até estar pensando somente no Nobel da Paz, mas se conseguir colocar o Brasil como um interlocutor importante para grandes questões globais, isso pode beneficiar o país como um todo.
O presidente pode estar focando seu próprio reconhecimento internacional, mas se conseguir avançar na proteção ambiental, pode fazer do Brasil uma potência nessa área e ajudar a reduzir os impactos globais do aquecimento global. Portanto, o país e os brasileiros podem se beneficiar muito dessa construção de um novo lugar de destaque para o Brasil no mundo, mesmo que a motivação do presidente seja promover também a sua própria imagem.
*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador no pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP), doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de livros como Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial) e O Brazil é um país sério? (Pioneira). É um dos organizadores do livro O Brasil voltou? O interesse nacional e o lugar do país no mundo (Pioneira, 2024).
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Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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