Defesa e segurança pautam as discussões às vésperas da eleição para o Parlamento Europeu
A eleição europeia chama a atenção do mundo, ao lado da eleição dos EUA, em razão da importância crescente da União Europeia no campo político, econômico, ambiental e diplomático dos assuntos internacionais
Por Filipe Prado Macedo da Silva*
Nos próximos dias, milhões de europeus vão às urnas eleger os novos 720 eurodeputados para o Parlamento Europeu. A eleição europeia chama a atenção do mundo, ao lado da eleição dos EUA, em razão da importância crescente da União Europeia no campo político, econômico, ambiental e diplomático dos assuntos internacionais.
Na Europa, a eleição do novo Parlamento Europeu impactará a vida e os negócios de 450 milhões de cidadãos e as políticas públicas dos 27 países-membros da União Europeia. É importante destacar que o legislativo europeu tem o papel e a autoridade de debater e aprovar regulamentos e decisões – que são diretamente aplicáveis em todos os países-membros – e diretivas – que devem ser adicionadas à legislação nacional dos países-membros.
Por exemplo, mais recentemente, o Parlamento Europeu aprovou uma reforma histórica dos regulamentos em matéria de migração e asilo, obrigando muito em breve todos os 27 países-membros a aplicarem os novos procedimentos de partilha da União Europeia. Isto terá um impacto real na dinâmica social e no mercado de trabalho de vários países-membros.
No regime parlamentarista europeu, o grupo político supranacional que conquista – tanto a maioria absoluta quanto a maioria relativa (formando uma coalização) – o maior número de assentos no Parlamento Europeu, tem a prerrogativa de indicar o Presidente da Comissão Europeia pelos próximos cinco anos.
Assim, ficou definido em 2023, que cada grupo político europeu designa o seu “candidato cabeça de lista”, permitindo que os eleitores conheçam ao longo da campanha eleitoral os candidatos ao cargo de chefe do executivo da União Europeia. Antes destas eleições, era o Conselho Europeu que indicava o candidato ao Parlamento Europeu.
Neste sentido, os sete grupos políticos do Parlamento Europeu realizaram convenções e anunciaram (ou não) seus principais candidatos de 2024:
As últimas projeções da Euronews Superpoll apontam um favoritismo do PPE e uma possibilidade de reeleição, com maioria relativa, de von der Leyen. O problema é que sua reeleição representa, ao mesmo tempo, uma continuidade dos democratas europeístas e um risco de aliança com os eurocéticos de extrema-direita.
Na mesma pesquisa, a primeira gestão de von der Leyen, de 2019-2024, é considerada razoável, com 37% de positivo, 31% de negativo e 32% de não sabem/não opinaram (resultados de março de 2024).
Vale recordar que a gestão dela enfrentou a pandemia da covid-19, a crise energética do gás russo e, ainda enfrenta, os efeitos negativos da guerra na Ucrânia e uma onda generalizada de inflação nas economias europeias.
O debate Eurovision
No dia 23 de maio, aconteceu no hemiciclo do Parlamento Europeu, em Bruxelas, o último debate entre os principais candidatos à Comissão Europeia.
Com organização da União Europeia de Radiodifusão, em colaboração com o Parlamento Europeu e os partidos políticos, o Eurovision Debate 2024 reuniu cinco candidatos, dos grupos políticos que anunciaram seus candidatos principais, a saber: von der Leyen (PPE), Schmidt (S&D), Gozi (Renew), Reintke (Verdes) e Baier (Esquerda).
O debate, que teve forte interação com eleitores jovens, foi dividido em seis temáticas: economia e trabalho, defesa e segurança, clima e meio ambiente, democracia e liderança, migração e fronteiras, e inovação e tecnologia. E as intervenções dos candidatos foram mais intensas no tópico sobre defesa e segurança, seguida de preocupações na democracia e liderança. Isto surpreendeu, já que temas considerados urgentes nas agendas internacionais, como as mudanças climáticas ou a regulação da Inteligência Artificial, passaram à margem de discussões mais propositivas.
Em termos concretos, estes sinais de fortes preocupações com defesa e segurança ocorrem porque os cidadãos e as instituições europeias convivem, nos últimos dois anos, com as angústias e os medos da invasão russa na Ucrânia.
Apesar da guerra ainda estar nas bordas da União Europeia, eleitores de 13 países-membros apontam a guerra como sua principal preocupação, já que a escalada bélica põe em perigo a paz e as instituições na Europa.
Foi neste contexto que os candidatos debateram sobre um cenário de incertezas geopolíticas que não acontecia desde o pós-Segunda Guerra Mundial.
Com exceção de Baier, todos os demais candidatos defenderam, com poucas diferenças, que a União Europeia tome para si o protagonismo de organizar, financiar e integrar os mais diferentes projetos de defesa e segurança dos países-membros. Logo, o debate não foi apenas na direção do diálogo e da negociação com Putin, mas de uma preparação para a guerra.
Neste sentido, um ponto-chave foi o financiamento militar na União Europeia. No ano passado, os gastos militares na Europa foram os mais elevados desde o final da Guerra Fria, no início dos anos 1990. E, tudo indica, que a disputa eleitoral por mais financiamento em projetos de defesa e segurança é uma prioridade para políticos e eleitores. Um fundo comum europeu para defesa e segurança parece inevitável na próxima legislatura.
Além disso, o debate revelou que pode existir, nos próximos anos, uma pressão para que o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu discutam avanços na integração das forças militares dos países-membros, resultado em um “exército europeu”. Por exemplo, von der Leyen defendeu no debate o avanço do projeto de um “escudo de defesa aérea” para toda a Europa.
Isto revela também a preocupação dos políticos europeístas com a autossuficiência da defesa e segurança do continente, reduzindo assim a enorme dependência militar das forças dos EUA no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Por fim, continuar ajudando a Ucrânia é outro ponto-chave na atual manutenção da paz e segurança na Europa. A preocupação dos candidatos é que Putin vença na Ucrânia e, em seguida, avance sobre outros países do Leste Europeu que fazem parte da União Europeia e da Otan.
A extrema-direita em nível europeu: riscos à segurança interna
No debate sobre democracia e liderança, todos os candidatos mostraram apreensões em relação aos recentes ataques ao Estado Democrático de Direito e ao avanço da extrema-direita em nível europeu.
As últimas pesquisas mostram um avanço do ECR e ID e um encolhimento histórico dos assentos da esquerda e dos verdes. As mesmas projeções revelam que a extrema-direita pode, pela primeira vez, ser a terceira força política do Parlamento Europeu, atrás apenas do PPE (democratas-cristãos) e do S&D (sociais-democratas).
Em nível europeu, o que está em jogo com o avanço da extrema-direita é o próprio projeto da União Europeia, já que o euroceticismo é a marca destes movimentos nacionalistas.
Além disso, crescem os ataques aos direitos nacionais e europeus naqueles países-membros governados pela extrema-direita. O caso mais emblemático é da Hungria de Viktor Orbán. Porém, os mesmos riscos democráticos começam a dar sinais na Itália de Giorgia Meloni.
Em suma, a eleição europeia será mais do que nunca determinante para manter o “sonho europeu de paz e solidariedade” presente na Declaração de Robert Schuman, que rege os princípios da União Europeia.
*Filipe Prado Macedo da Silva é professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais (IERI) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Europa e União Europeia. Líder do “Conexão Bruxelas | Grupo de Estudo sobre Europa e União Europeia”., Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
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Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br
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