24 outubro 2022

EUA precisam reconstruir alianças latino-americanas à medida que a Rússia cresce base de poder global pró-guerra

Governo americano enfrenta um desafio duplo na tentativa de contrabalancear a força russa na Europa e chinesa na América Latina. Em artigo, os pesquisadores Jose Caballero e Arturo Bris alegam que o país precisa se aliar a vizinhos próximos e reforçar suas relações com nações-chave como México, Brasil e Argentina a fim de fortalecer as instituições democráticas e fornecer estímulo econômico para a região

Governo americano enfrenta um desafio duplo na tentativa de contrabalancear a força russa na Europa e chinesa na América Latina. Em artigo, os pesquisadores Jose Caballero e Arturo Bris alegam que o país precisa se aliar a vizinhos próximos e reforçar suas relações com nações-chave como México, Brasil e Argentina a fim de fortalecer as instituições democráticas e fornecer estímulo econômico para a região

Foto Oficial da IX Cúpula das Américas, sediada pelos EUA (Foto: Alan Santos/PR)

Por Jose Caballero e Arturo Bris

À medida que a Rússia constrói uma aliança mais próxima com a China, o Irã e a Coreia do Norte, uma nova aliança no hemisfério ocidental parece atrasada. Os EUA, no entanto, enfrentam um desafio duplo: como equilibrar primeiro a Rússia na Europa e, segundo, a China na América Latina e no Caribe.

Os EUA deveriam buscar alianças com seus vizinhos próximos na América Latina, região com a qual mantém um relacionamento longo e conturbado.

Reforçar suas relações com nações-chave como México, Brasil e Argentina também proporcionaria uma competição saudável para a China e investimentos regionais adicionais, mas por causa de sua história, os EUA precisam agir com cuidado. O presidente dos EUA, Joe Biden, indicou que quer buscar uma nova estratégia regional, mas até agora pouca ação foi tomada.

‘O presidente dos EUA, Joe Biden, indicou que quer buscar uma nova estratégia regional, mas até agora pouca ação foi tomada’

Ao longo do século XX, as crescentes interações entre os EUA e a América Latina levaram a uma complexa interdependência, que exacerbou a lacuna de poder e desenvolvimento que os dividia. Por exemplo, houve casos de envolvimento dos EUA em mudanças de regime na América Latina, como o golpe de 1973 contra o presidente socialista chileno Salvador Allende.

Houve também envolvimento econômico que culminou com o “consenso de Washington” no final dos anos 1980. Esta foi uma série de reformas econômicas prescritas por Washington, como a liberalização financeira e comercial, que foram adotadas por muitos países além da América Latina.

Um grau de complacência se estabeleceu em Washington DC após o movimento da América Latina em direção à democratização nas décadas de 1980 e 1990, o que levou a um menor foco na região como parceira. Mais recentemente, os EUA têm se preocupado com a expansão da Otan e com o objetivo paralelo de conter a Rússia.

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Relação em declínio

Observadores acreditam que a América Latina, considerada uma aliada natural do Ocidente em geral, corre sério risco de decadência democrática e que há uma forte probabilidade de retornar a regimes dominados por ditaduras, acabando por sair da órbita do Ocidente.

‘Os EUA têm progressivamente negligenciado seu próprio quintal’

Nesse contexto, os EUA têm progressivamente negligenciado seu próprio quintal. De fato, alguns comentaristas sugerem que o país entregou a América Latina “à China em uma bandeja de prata”.

Os resultados da votação da Assembleia Geral da ONU apoiada pelos EUA sobre a suspensão da Rússia do conselho de direitos humanos no início deste ano destaca um declínio de seu peso diplomático em sua tradicional esfera de influência. Dos 33 países da América Latina e do Caribe presentes, 13 se abstiveram ou votaram contra a resolução.

Em seguida, a Nicarágua ampliou seu relacionamento com a Rússia ao autorizar tropas, aviões e navios russos a se deslocarem em seu território. O decreto permite que as tropas russas realizem atividades relacionadas à aplicação da lei, ajuda humanitária e respostas de emergência. Este é um sutil desafio à doutrina Monroe que se opunha à expansão europeia na América Latina.

Historicamente, quando outra potência desafiou os EUA, a América Latina mitigou o domínio dos EUA ao se envolver com seu desafiante. O caso da China não é diferente. Aumentou sua presença na região tornando-se o principal parceiro comercial de grande parte da América Latina.

‘Historicamente, quando outra potência desafiou os EUA, a América Latina mitigou o domínio dos EUA ao se envolver com seu desafiante’

Entre 2000-2016, o comércio da região com a China aumentou 20 vezes, representando 9% e 16% das exportações e importações da região, respectivamente. Estudos concluem que quanto maior o volume e a importância do comércio dos países latino-americanos com a China, maior a probabilidade de suas políticas externas convergirem com as chinesas.

Um bom exemplo da força diplomática da China na região é sua campanha para interromper as relações diplomáticas com Taiwan. Países regionais, incluindo a Costa Rica, estavam entre os poucos que estabeleceram tais relações com a ilha, sobre a qual a China reivindica a propriedade. Ao aumentar o investimento – principalmente através do financiamento de projetos de infraestrutura – a China gradualmente persuadiu vários países a romper relações diplomáticas com Taiwan.

Em 2007, a Costa Rica cortou relações com Taiwan e em 2017 o Panamá fez o mesmo. El Salvador seguiu em 2018, deixando apenas 17 países (globalmente) mantendo laços diplomáticos com Taiwan. Em 2021, após a retirada da Nicarágua, restavam apenas 14 países.

O Ranking de Competitividade Mundial do IMD, que mede quão bem os governos incentivam e apoiam a prosperidade de seu povo, mostra a grande divisão atual entre os EUA e a América Latina e o Caribe. Em 2022, os EUA ficaram em 10º lugar entre 63 países, enquanto o Chile – o país regional mais próximo da amostra – ocupa o 45º lugar. Brasil (59º) e Argentina (62º) estão na parte inferior do ranking.

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A oscilação XY

Nas últimas décadas, as tentativas de resolver seus problemas socioeconômicos e políticos endêmicos fizeram com que os países latino-americanos se voltassem para administrações de direita, depois para a esquerda e novamente para a direita. Nesse ciclo, alguns países recorreram a partidos políticos que defendem o que chamamos de “populismo XY”: aquele que oscila entre a inclusão (governo do povo) e a exclusão (protege ou exclui os interesses de determinados grupos), pretendendo ser anti-establishment.

Os regimes XY empreendem um ato de equilíbrio para manter os ricos e, pelo menos retoricamente, os pobres felizes. Eles também criam condições perigosas para a democracia. Os líderes XY são eleitos democraticamente, mas, uma vez no poder, corroem progressivamente o poder das instituições democráticas. Eles mostram propensão ao autoritarismo com indícios de ditadura em potencial.

‘Central para a criação da nova aliança hemisférica necessária é a intensificação dos esforços já em andamento para resolver a causa raiz dos problemas na América Latina’

Central para a criação da nova aliança hemisférica necessária é a intensificação dos esforços já em andamento para resolver a causa raiz dos problemas na América Latina (e no Caribe) que preocupam significativamente os EUA. Por exemplo, a pobreza fazendo com que cerca de 3,5 milhões de crianças sejam afetadas pela migração em 2023.

Uma nova aliança proporcionaria uma oportunidade vital para fortalecer as instituições democráticas em toda a América Latina, fornecer estímulo econômico para a região e aumentar a segurança global, ao mesmo tempo em que fortalece os laços diplomáticos dos EUA e da América Latina.


*Jose Caballero é economista sênior no Centro de Competitividade Global IMD, International Institute for Management Development (IMD)

Arturo Bris é professor de finanças no International Institute for Management Development (IMD)


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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