03 novembro 2025

EUAxChina – O espetáculo se curva diante da estratégia

O sentimento predominante entre analistas é o fracasso de Trump em sua política de contenção da China como superpotência industrial O grande equívoco cognitivo da política de Trump é associar comércio a uma partida de pôquer. Esse último é sempre um jogo de soma zero, enquanto o comércio, por natureza, tende a ser uma relação cooperativa

Foto: Casa Branca

O espetáculo dos EUA se curva diante da estratégia da China. 

Esse parece ser o saldo da cúpula desta semana entre Trump e Xi Jinping. Após insistentes e frustradas tentativas do presidente norte-americano, o líder chinês finalmente aceitou o encontro. Mas o resultado pode ser descrito metaforicamente como a montanha que pariu o rato, ou como a crônica de uma derrota anunciada. 

A trégua de um ano acordada implica redução tarifária sobre importação de produtos chineses para o nível de 47%, fim das restrições sobre exportações de terras raras para os EUA e retomada da compra de soja norte-americana. 

‘Apesar do desfecho minimalista, Trump fez propaganda da relação “fantástica” com a China, e anunciou sua visita a Pequim, mesmo sem reciprocidade por parte de Xi Jinping’

Apesar desse desfecho minimalista, Trump fez propaganda da relação “fantástica” com a China, e anunciou sua visita a Pequim, mesmo sem reciprocidade por parte de Xi Jinping. 

Trump e seus assessores imaginavam deter “dominância na escalada” (escalation dominance) com a fábrica do mundo e usaram a arma tarifária como forma de dobrar a superioridade competitiva da China. As tarifas sobre produtos chineses atingiram o astronômico patamar de 145% e sobre bens norte-americanos alcançaram 125%. Washington acreditava que Pequim correria em direção a um grandioso acordo desenhado por Trump. 

Ocorreu o oposto. 

A escalada tarifária de Trump gerou retaliação e restrições chinesas à exportação de terras raras para os EUA, que rapidamente recuaram. Hoje o negociador transacional conseguiu a duras penas um acordo para salvar a face diante do estrategista. 

‘Fracassou a guerra tarifária dos EUA. Mas, ao mesmo tempo, a economia da China exibe preocupantes vulnerabilidades’

Fracassou a guerra tarifária dos EUA. Mas, ao mesmo tempo, a economia da China exibe preocupantes vulnerabilidades. Qual o futuro da relação entre os Donos do Poder? 

O grande equívoco cognitivo da política de Trump é associar comércio a uma partida de pôquer. Esse último é sempre um jogo de soma zero, enquanto o comércio, por natureza, tende a ser uma relação cooperativa. Mas o erro maior foi acreditar que os EUA têm “dominância na escalada”, ou seja, que o agravamento do conflito seria mais desvantajoso para o adversário – a China. 

‘É a China que detém a “dominância na escalada”’ 

Como Adam S. Posen, Presidente do Peterson Institute for International Economics, demonstrou em artigo da Foreign Affairs, de 29 de abril de 2025, (Trade war are easy to lose), é a China que detém a “dominância na escalada”. 

Primeiro, porque os EUA dependem da importação de produtos chineses essenciais, de difícil substituição, como terras raras, enquanto a China compra commodities norte-americanas, como soja, amplamente disponíveis no mercado. 

Segundo, porque, numa guerra comercial, o país deficitário (os EUA importam da China quatro vezes mais do que exportam) precisa fazer ajuste maior em quantidade, e mais difícil em qualidade – insumos industriais essenciais, como terras raras. 

Terceiro, uma elevação de tarifas aumenta a incerteza nas cadeias globais de suprimento, com redução na taxa de investimento.

Quarto, proteção tarifária aumenta preços domésticos e incerteza de insumos industriais contribui para reduzir investimento, o que tende a reproduzir o pesadelo da estagflação dos anos 1970. 

‘A política seguida pelo Partido Comunista Chinês (PCC) tem a vantagem de não ser contestada e de ter assegurado ampla preparação do país para eventual confrontação econômica’

Zongyuan Zoe-Liu, em artigo de 29 de abril de 2025 da Foreign Affairs ( How China armed itself for the trade war), reforça a argumentação de Adam S. Posen, ao demonstrar que a política seguida pelo Partido Comunista Chinês (PCC) tem a vantagem de não ser contestada e de ter assegurado ampla preparação do país para eventual confrontação econômica. Zoe-Liu reconhece que o crescimento econômico chinês é hoje o mais baixo das três últimas décadas – caiu da média de dois dígitos anuais para 4,5% em 2024. 

Em contraste, os EUA, com crescimento de 2,8% no ano passado, deverão exibir taxa negativa a partir de meados deste ano, segundo estimativa da JPMorgan. 

Vantagem adicional da China advém da incerteza generalizada entre os aliados dos EUA e dos consequentes benefícios colhidos pela China. Um indicador dessa tendência seria a mensagem do órgão oficial de mídia do PCC para potenciais investidores estrangeiros. “Use certainty in China to hedge against uncertainty in America”.  

‘O sentimento predominante entre analistas é o fracasso de Trump em sua política de contenção da China como superpotência industrial’

O sentimento predominante entre analistas é o fracasso de Trump em sua política de contenção da China como superpotência industrial. Essa visão está presente na edição de 26 de setembro de 2025 da revista The Economist.  O artigo A made-in-China plan for world domination lembra que a China, com superávit comercial superior a US$ 1 trilhão em 2024,  é responsável por mais de 30% da produção industrial do mundo, ou seja, mais do que EUA, Alemanha, Japão e Coreia do Sul juntos.  

Esses dados refletem a força da economia chinesa e explicam, em grande medida, a impotência do espetáculo transacional de Trump diante da estratégia coerente de Xi Jinping. 

Como lembra Fareed Zakaria, em artigo no Estadão de 18 de outubro corrente, “As bravatas de Trump não intimidam a China.” 

Mas nem tudo são flores. A economia chinesa enfrenta crise de superprodução, excedente de investimentos, capacidade ociosa crescente e declínio da relação capital-produto. Ao mesmo tempo, o mundo dá sinais de esgotamento da capacidade de absorver produtos chineses. A economia chinesa precisa afastar o risco de ser vítima de seu próprio sucesso. 

Sergio Abreu e Lima Florêncio é colunista da Interesse Nacional, economista, diplomata e professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco. Foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Tags:

China 🞌 Comércio Exterior 🞌 EUA 🞌 Geopolítica 🞌

Cadastre-se para receber nossa Newsletter