Lula, Bolsonaro e a política externa na campanha presidencial de 2022
Candidatos apresentaram diretrizes coerentes e guiadas por concepções político-ideológicas, mas tema foi resguardado pela ‘ambiguidade estratégica’. Estudo revela que campanha midiática foi guiada por um marketing político-eleitoral manipulativo e imediatista focado na pequena política, deixando o debate de projeto global praticamente excluído
Candidatos apresentaram diretrizes coerentes e guiadas por concepções político-ideológicas, mas tema foi resguardado pela ‘ambiguidade estratégica’. Estudo revela que campanha midiática foi guiada por um marketing político-eleitoral manipulativo e imediatista focado na pequena política, deixando o debate de projeto global praticamente excluído
Como a questão da Política Externa foi explorada pelos dois principais candidatos a presidente do Brasil na campanha eleitoral de 2022 (Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro)?
O conteúdo dos programas de Política Externa (PE) dos candidatos foi coerente com seu programa geral, com a PE exercida por seus mandatos na Presidência e com o programa defendido em campanhas anteriores? Qual a importância dada à PE pelas candidaturas? O tema influenciou a decisão de voto do eleitorado?
Para responder a essas questões, realizamos uma ampla e abrangente pesquisa empírica primária. Analisamos o conteúdo dos programas oficiais registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelos candidatos e três espaços midiáticos amplos: o Horário Eleitoral Gratuito de TV (HEGTV), a agenda dos candidatos no Jornal Nacional (JN) da TV Globo e os debates na TV.
Foi feita também uma articulação teórica-histórica-empírica, trazendo subsídios bibliográficos de outras campanhas e da Política Externa Brasileira (PEB) nos mandatos anteriores dos candidatos, além do contexto nacional e internacional. O referencial teórico incluiu, além da PE, comportamento político e marketing político.
Nosso levantamento bibliográfico mostrou que existem polêmicas e análises contraditórias entre outros autores acerca das questões colocadas acima.
Identificamos que a questão apareceu de modo diferenciado nos programas oficiais registrados no TSE e nos três espaços midiáticos que pesquisamos: o HEGTV, a agenda dos candidatos no JN da TV Globo e os debates na TV.
Nos programas oficiais, ambos candidatos deram um espaço secundário, mas reservaram uma sessão onde é possível identificar uma linha geral de PE para o Brasil. Ou, ao menos, um esboço, apesar de pouco consistente e limitado, para a importância que a PE tem tido ou precisa ter no conjunto das ações de governo e Estado no Brasil.
A proposta de PEB oficialmente apresentada por Lula da Silva é coerente com a linha neodesenvolvimentista dependente mais geral do seu programa, assim como com os programas das candidaturas do PT à Presidência da República pelo menos desde 2006. Tem também razoável coerência com a PE aplicada nos quatro mandatos anteriores do PT na Presidência.
A PE apresentada por Bolsonaro também guarda coerência com a linha liberal conservadora de seu programa geral, mas tem contradições com o seu programa de 2018. Pois, agora, se apresentou prometendo aplicar parâmetros mais históricos da PEB, como multilateralismo, universalismo e respeito às instituições internacionais, questões que ele desconsiderava ou combatia. Como o seu governo teve uma PEB contraditória, seu programa eleitoral se aproxima mais de sua segunda fase, após as pressões do grande capital que levaram à queda do ministro Ernesto Araújo e à supressão do discurso anti-China.
Destacamos o silêncio de ambos sobre os EUA, a China e outros países. China e EUA, foram sujeitos ocultos, aparecendo rara e marginalmente, num momento em que há uma bipolarização mundial e onde o Brasil é um dos importantes espaços de disputa entre estas duas potências.
No debate das relações internacionais existe o conceito de “ambiguidade estratégica”. No marketing político-eleitoral também existe o discurso intencionalmente polissêmico. Teríamos então um caso de combinação de ambos.
Mas, os programas oficiais não expressam o que realmente aconteceu na campanha. Nos espaços midiáticos pesquisados, pouco pode ser considerado, a rigor, como “Política Externa”. As questões extranacionais apareceram ainda com menor incidência e de modo mais fragmentado e instrumental do que no programa oficial. Ou seja, quando apareceu teve o objetivo eleitoral de construir uma imagem de credibilidade para o candidato e desqualificar o adversário e não para apresentar um programa de ação governamental em PE.
O reduzido espaço-tempo dedicado pelos candidatos para o tema de PE, comparando com outros assuntos, e os importantes silenciamentos, são empiricamente muito fortes nos quatro meios investigados.
Com base nos conceitos de comportamento político e marketing político que utilizamos, nossa hipótese é de que isso aconteceu por uma escolha baseada numa estratégia de marketing informada pelo uso intensivo de pesquisas internas, quantitativas e qualitativas, de ambas candidaturas. Pesquisas que, certamente, indicavam quais temas eram as principais preocupações e demandas do eleitorado, assim como quais seriam os pontos fortes e fracos de cada candidato sobre os temas. Provavelmente, elas orientaram tanto o pequeno espaço dedicado à PE, como a melhor maneira de instrumentalizá-la para a autopromoção de credibilidade do candidato e desqualificação do adversário.
O uso do tema PE teria alguma influência no voto? É difícil dar uma resposta conclusiva sobre isso sem pesquisas eleitorais e de recepção midiática específicas. Ficamos, entretanto, com a hipótese de que alguma importância deve ter tido na decisão de voto do eleitorado – para votar ou deixar de votar em determinado candidato. Se não para ganhar votos, ao menos para tirar. Por isso, o tema não ficou totalmente fora da pauta dos candidatos e, em grande parte, ocorreu na forma de peças de ataque, indicando um potencial efeito de “tirar votos”. E essa possível influência, mesmo pequena, deve ter ganhado importância na disputadíssima reta final de campanha.
Em resumo, os candidatos apresentaram diretrizes de PE, ao menos em suas linhas gerais, que são coerentes e guiadas pelo seu programa geral de governo e suas concepções político-ideológicas. PE que, em parte, ficou expressa no seu programa oficial e em parte foi resguardada pela “ambiguidade estratégica”.
Por outro lado, a maneira como a questão foi tratada na campanha midiática foi guiada por um marketing político-eleitoral manipulativo e imediatista, no qual cada candidatura buscou a captação do voto racional-pragmático e do voto por valores. Um marketing focado na pequena política, deixando o debate de projeto global praticamente excluído.
Finalmente, é difícil saber até que ponto a PE ocupou um maior espaço em 2022 do que em campanhas anteriores e qual a tendência. A dificuldade ocorre porque as pesquisas anteriores que estudamos utilizaram metodologias diferentes e fontes empíricas limitadas, tornando arriscado fazer comparações seguras.
Se o que ocorreu em 2022 será uma tendência para o futuro, somente o desenvolvimento das contradições sociais e políticas, nacionais e internacionais, até as próximas campanhas, poderá dizer.
*Jorge Almeida é professor do Departamento de Ciência Política e do PPG em Ciência Política da FFCH-UFBA. Pesquisador em relações internacionais, hegemonia, comportamento político e marketing político. Autor de “Marketing Político, Hegemonia e Contra-hegemonia” e “Turbulências e Desafios: o Brasil e o mundo na crise do capitalismo” (coautoria com Eliziário Andrade).
Os resultados completos da pesquisa estão em: Almeida, J. (2023). A QUESTÃO DA POLÍTICA EXTERNA DO BRASIL NA CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 2022. Caderno CRH, 36, e023030. Dossiê 3. Download do PDF em https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/issue/view/2401
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
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