Novas alianças e dinâmicas de poder no Oriente Médio
Mudanças geopolíticas na região exigem otimismo cauteloso, pois podem carregar o potencial para mudanças significativas positivas, mas dependerá da sinceridade e eficácia dos esforços diplomáticos e da capacidade dos líderes regionais de priorizar a paz de longo prazo em detrimento de ganhos táticos de curto prazo
As complexidades da geopolítica do Oriente Médio têm sido claramente demonstradas após eventos recentes, marcados pelo ataque do Irã a Israel e pelas evoluções nas relações entre os Estados árabes sunitas, Israel e os Estados Unidos. Estes eventos destacam uma mudança significativa nas alianças e percepções regionais, notavelmente através da lente da divisão sunita-xiita que tem raízes históricas, mas principalmente implicações geopolíticas contemporâneas.
O cisma sunita-xiita, há muito uma fonte de divisão profunda dentro do islã, não é apenas uma ruptura religiosa ou cultural, mas evoluiu para um campo de guerra por procuração pela supremacia regional, com a Arábia Saudita e o Irã como líderes sunita e xiita, respectivamente. Essa rivalidade viu a infusão de vastas quantidades de recursos na propagação de suas versões ideológicas do islã globalmente, influenciando a política local e a dinâmica comunitária muito além de suas fronteiras.
O alinhamento dos Estados árabes sunitas com Israel contra o Irã marca uma possível mudança sísmica nas alianças regionais. Isso não é apenas um alinhamento temporário, mas pode significar uma reorientação estratégica de longo prazo. A possível normalização das relações da Arábia Saudita com Israel, conforme sugerido por movimentos e declarações diplomáticas recentes, poderia remodelar as dinâmicas regionais, especialmente se isso levar a um consenso sunita mais amplo sobre a aceitação do papel de Israel na política regional.
Este realinhamento traz consigo a esperança e a promessa de uma nova abordagem para a questão palestina, um conflito central na região. O reconhecimento potencial de um Estado palestino por Israel, facilitado pelas manobras diplomáticas da Arábia Saudita, poderia abrir caminho para uma nova era de paz e estabilidade. No entanto, isso depende de compromissos e concessões sérias de todas as partes envolvidas, particularmente na abordagem das questões centrais que alimentaram décadas de conflito.
Em um contexto mais amplo, a presença de potências globais como Rússia e China no Oriente Médio adiciona uma camada adicional de complexidade às dinâmicas regionais. A Rússia tem sido um ator influente, especialmente na Síria, e mantém uma forte aliança com o Irã, buscando expandir sua influência e servir como um mediador alternativo na região. Por outro lado, a China, focada principalmente em interesses econômicos e energéticos, tem fortalecido sua presença através de investimentos significativos e uma política de não-interferência que lhe permite manter boas relações com uma variedade de Estados da região.
A decisão da Arábia Saudita de normalizar relações com Israel é impulsionada por motivos estratégicos, alinhando-se estreitamente com a reaproximação do reino com os Estados Unidos. No entanto, o momento dessa normalização está sendo debatido dentro do governo saudita. O reino está considerando se finaliza isso antes das eleições presidenciais dos EUA em novembro ou se espera até depois, avaliando os impactos políticos potenciais sobre as atuais e futuras administrações dos EUA.
Essa decisão é influenciada por preocupações sobre como tal movimento pode ser percebido em termos de apoio à campanha de reeleição do presidente Joe Biden, potencialmente impactando as relações com um futuro presidente, caso Biden não seja reeleito. Além disso, a decisão está entrelaçada com a política doméstica dos EUA, particularmente o equilíbrio de poder entre o presidente e o Congresso.
Em essência, embora os desenvolvimentos atuais possam carregar o potencial para mudanças significativas positivas, eles também exigem um otimismo cauteloso. A história da região está repleta de momentos de possíveis avanços que falharam. Se isso será uma verdadeira mudança de paradigma ou mais uma oportunidade perdida dependerá muito da sinceridade e eficácia dos esforços diplomáticos e da capacidade dos líderes regionais de priorizar a paz de longo prazo em detrimento de ganhos táticos de curto prazo.
Karina Stange Calandrin é colunista da Interesse Nacional, professora de relações internacionais no Ibmec-SP e na Uniso, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutora em relações internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional