O que a diplomacia pode fazer para encerrar a guerra na Ucrânia?
Mais de um ano desde o início da guerra, negociações tiveram um alcance limitado por conta da recusa ucraniana em perder território e do impasse imposto por Putin. Para diplomata, mesmo que a paz pareça distante, é preciso se preparar para discutir o fim do conflito
Mais de um ano desde o início da guerra, negociações tiveram um alcance limitado por conta da recusa ucraniana em perder território e do impasse imposto por Putin. Para diplomata, mesmo que a paz pareça distante, é preciso se preparar para discutir o fim do conflito
Por Maxime Lefebvre*
Quando um conflito não termina com a capitulação do adversário, como foi o caso da Alemanha e do Japão em 1945, termina com negociações. Este é, aliás, o desfecho mais frequente: entre outros exemplos, foram estas as negociações que conduziram ao fim da Guerra da Coreia em 1953, ao fim da Guerra Irã-Iraque em 1988 e também, mais perto de nós, ao fim do a guerra russo-georgiana de 2008.
Já se passou mais de um ano desde que a guerra na Ucrânia começou. Desde o início do conflito, após o fracasso da invasão russa, iniciaram-se conversações entre ucranianos e russos, mas estas tiveram um alcance limitado e resultaram apenas em algumas trocas de prisioneiros.
Houve também, com bastante rapidez, negociações sob a égide da ONU e da Turquia para a conclusão de um acordo sobre a exportação de cereais e fertilizantes russos, regularmente renovado desde então.
Finalmente, houve tentativas de intercessão francesas, israelenses e turcas e, muito recentemente, o vago “plano de paz” colocado sobre a mesa por Pequim em fevereiro de 2023, depois o ativismo do presidente brasileiro Lula, que enviou um emissário a Putin e sugeriu uma mediação tripartite Brasil-China-EAU.
Apesar de todos esses esforços, o conflito continua. Hoje, a questão é menos o que a diplomacia poderia fazer do que por que o momento diplomático ainda não chegou. Duas razões principais explicam isso. Primeiro, a recusa ucraniana de endossar qualquer perda de território. Depois, o impasse em que se trancou o presidente russo, Vladimir Putin. Somente superando esses dois obstáculos é que a questão do método pode ser colocada.
Nenhum cessar-fogo concebível no estado atual das coisas
Para fazer a paz, as partes devem primeiro considerar que não têm mais nada a ganhar com a continuação do conflito.
Em caso de cessar-fogo, mesmo sem o reconhecimento da soberania russa sobre as áreas “anexadas”, a Ucrânia, que não renunciou ao objetivo de restabelecer toda a sua integridade territorial, ver-se-ia provisoriamente, e talvez definitivamente, amputada de parte do seu território.
Nesta fase do conflito, o custo político de um cessar-fogo seria muito maior para Kiev do que para Moscou. É por isso que a Ucrânia se apega à perspectiva de uma contra-ofensiva e reage fortemente à ideia de abandonar a Crimeia, levantada pelo presidente brasileiro Lula. No entanto, se esta contra-ofensiva não vier, ou se falhar, a constatação de que não há solução militar poderá impor-se no espírito das pessoas, por uma forma de esgotamento.
Mas como uma paz duradoura pode ser baseada em um cessar-fogo, se não for acompanhada de um acordo sobre fronteiras e garantias de segurança?
No mínimo, seria preciso planejar o início das discussões sobre esses assuntos, talvez deixando de lado o status definitivo dos territórios ucranianos atualmente controlados pela Rússia (e considerando a organização, no longo prazo, de referendos de autodeterminação). Mas a experiência dos acordos de Minsk, que continham disposições nesse sentido, mas nunca foram implementadas, não encoraja otimismo. Já era difícil antes da guerra na Ucrânia, será ainda mais depois.
A hipótese de uma vitória ucraniana, que seria obtida graças às armas ocidentais, também deve ser considerada, mas apresenta duas dificuldades. A primeira é que a Ucrânia não é uma ilha, e que a Rússia, mesmo que recuasse, provavelmente não aceitaria a derrota e continuaria a ameaçar o território ucraniano por trás de suas fronteiras. A segunda é que a Rússia é uma potência nuclear e que em algum momento (perda de Donbass? Crimeia? perda de suas fronteiras?) poderia considerar que seus interesses vitais estão ameaçados e que o uso da arma nuclear se justifica de um ponto de vista defensivo. Isso toca em um fato estratégico básico desse conflito: não é possível derrotar a Rússia porque o Ocidente bombardeou a Sérvia de Milosevic e a forçou a abandonar Kosovo em 1999.
A aposta de Putin
Além disso, e este é um segundo obstáculo fundamental, Putin parece ser um obstáculo à paz. Ele ultrapassou o nacionalismo russo tanto para consolidar seu poder interno quanto para reforçar seu poder externo. Seja qual for a motivação subjacente para suas ações, sua violação aberta e não provocada da soberania da Ucrânia (o crime de agressão) o levou a cruzar uma linha vermelha, especialmente quando crimes de guerra são cometidos e adicionados a este primeiro erro.
As palavras usadas pelos líderes americanos (“açougueiro”, “assassino”, “bandido”), a condenação da ação russa por uma grande maioria dos membros das Nações Unidas, a acusação do próprio Putin pela comunidade internacional do Tribunal Penal, significam que, neste conflito, é também a mudança de regime na Rússia que está em jogo. E é por isso que o Ocidente faz disso uma questão de valores e não prevê o fim do conflito em que Putin sairia como vencedor.
Ao apoiar militarmente a Ucrânia e sancionar duramente a Rússia, a estratégia ocidental visa – sem dizer isso e sem ir diretamente à guerra – provocar mudanças políticas na Rússia, como ocorreram na Sérvia depois de 1999. Mas como não é possível derrotar completamente a Rússia, esta perspectiva é muito incerta.
Além disso, não se deve descartar um cenário de radicalização crescente em Moscou que resultaria na ascensão ao poder de um sucessor ainda menos propenso a negociar do que Putin. E os exemplos de Belarus, Coréia do Norte, Cuba, Iraque antes de 2003, Irã, mostram que um regime autoritário sob sanções pode ser mantido por muito tempo explorando a fibra nacionalista.
Portanto, seria possível fazer as pazes com Putin e considerá-lo novamente um interlocutor frequente? Na política, nada é impossível. No início de março, à margem de uma reunião do G20 em Nova Delhi, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, se encontrou com seu colega russo, Sergei Lavrov, que está na lista de sanções ocidentais. Três semanas depois, ele até falou ao Congresso dos EUA sobre a perspectiva distante de discussões sobre as fronteiras da Ucrânia. Isso mostra que os Estados Unidos não excluem nada.
Dadas as críticas nas fileiras republicanas ao envolvimento dos EUA na Ucrânia, é possível que um governo republicano que suceda a atual equipe de Joe Biden esteja mais inclinado a se comprometer com um caminho de solução diplomático, mas não é certo.
Preparar-se agora para negociações que ainda estão longe
Se chegou o momento das negociações, resta saber como organizá-las. A Rússia de Putin já aceitou mediações: em 2008, a França, que então ocupava a presidência rotativa da UE, desempenhou esse papel no conflito russo-georgiano; e em 2014 era ainda a França que, com a Alemanha, tinha procurado resolver o conflito russo-ucraniano no quadro do “Modelo da Normandia”.
A polarização do conflito atual e o endurecimento das posições entre a Rússia e o campo ocidental tornam difícil imaginar tal cenário hoje. Putin já desafiou a França como mediadora. Emmanuel Macron, porém, pretende permanecer no jogo diplomático, como mostra sua recente viagem a Pequim.
A China, como mencionamos, propôs um plano de paz, mas sua posição não é neutra: está ligada à Rússia por uma “amizade sem limites”. No entanto, desempenhou um papel moderador durante a cúpula do G20 em Bali, condenando qualquer possível uso de armas nucleares. Com a sua ascensão ao poder, apresenta-se agora como protagonista das relações internacionais e uma das chaves da estabilidade mundial, não sendo impossível que a solução do conflito na Ucrânia passe pelo diálogo directo entre Washington e Pequim.
Outros países poderiam reivindicar o papel de mediador. Brasil e Turquia já estão trabalhando nisso, como já dissemos. A Índia, por seu lado, está numa posição mais neutra do que a China, e pode procurar envolver-se mais na questão ucraniana a partir da cúpula do G20 em Nova Deli.
Restam as Nações Unidas, mas estas estão em um estado triste: o Conselho de Segurança está paralisado pelo direito de veto das grandes potências, e os princípios da Carta foram pisoteados pela Rússia em sua agressão contra a Ucrânia. Nas primeiras semanas do conflito, o secretário-geral da ONU viajou para Moscou e depois para Kiev, mas sem conseguir muito, a não ser posicionar a organização no acordo de grãos.
Em 1953, para terminar a Guerra da Coreia, o armistício havia sido concluído pelos Estados Unidos (falando em nome da ONU, já que lideravam a intervenção armada em nome das Nações Unidas), Coreia do Norte e China, com a União Soviética nos bastidores. As negociações começaram em 1951, mas não foram concluídas até a morte de Stálin. E a Coreia do Sul, não querendo desistir da reunificação do país, recusou-se a assinar o acordo. Em suma, a diplomacia não tinha resolvido tudo mas, pelo menos, as armas silenciaram…
Ainda não se sabe quem um dia assinará o acordo que encerrará a guerra na Ucrânia. E, no entanto, se este dia parece distante hoje, não é cedo demais para considerá-lo e se preparar para ele.
*Maxime Lefebvre é professor na ESCP Business School
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em francês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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