16 fevereiro 2023

Por que o populismo tem um apelo duradouro e ameaçador

Táticas populistas personalizam a autoridade sob o clichê de ‘poder para o povo’ e fazem com que os cidadãos percam de vista o que é importante enquanto discutem sobre o escândalo mais recente. De acordo com cientistas políticos, a raiva é um motivador primordial na política, e, em tempos de perigo, os mais vulneráveis depositam suas esperanças no líder autoritário com mensagens carregadas de emoção e promessas grandiosas

Táticas populistas personalizam a autoridade sob o clichê de ‘poder para o povo’ e fazem com que os cidadãos percam de vista o que é importante enquanto discutem sobre o escândalo mais recente. De acordo com cientistas políticos, a raiva é um motivador primordial na política, e, em tempos de perigo, os mais vulneráveis depositam suas esperanças no líder autoritário com mensagens carregadas de emoção e promessas grandiosas

Golpistas invadem prédios públicos na praça dos Três Poderes e sobem na cúpula do Senado Federal (Foto: Agência Brasil)

Por Daniel Drache e Marc D. Froese*

Max Weber, o fundador da sociologia moderna, certa vez argumentou que políticos carismáticos são vistos por seus seguidores como salvadores e heróis.

Mas também é provável que sejam charlatães e vigaristas.

Quer você culpe as redes sociais ou a desigualdade, os cidadãos contemporâneos parecem querer disputas políticas e grandes personalidades – pelo menos essa é a sabedoria convencional. Envolva seus seguidores insatisfeitos com grandes ideias no TikTok!

Já seria ruim o suficiente se os confrontos da guerra cultural fossem apenas entretenimento. Mas políticos que incluem o ex-primeiro-ministro britânico Boris Johnson e o senador americano Josh Hawley apelam para as classes trabalhadoras – as massas de pessoas sem muito dinheiro que comparecem para votar.

Seus estilos de liderança de macho alfa são construídos em ataques audaciosos à legitimidade de sociedades livres, abertas e igualitárias.

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O público assiste com espanto como esses líderes defendem crenças terríveis sobre imigrantes, refugiados e minorias sexuais que apenas fanáticos costumavam dizer de forma privada.

Como examinamos em nosso livro Has Populism Won? The War On Liberal Democracy, essas táticas populistas de choque e pavor são uma tentativa descarada de personalizar a autoridade sob o clichê de “poder para o povo”. Elas também fazem com que os cidadãos percam de vista o que é importante enquanto discutem sobre o mais novo escândalo.

Teorias da conspiração, mentiras

A polarização não é um efeito colateral do populismo, mas sua mola mestra.

Os populistas sabem que, em sociedades altamente polarizadas, uma vitória apertada ainda é uma vitória. Assim, os candidatos lutam de forma pesada, usando todas as ferramentas à sua disposição para vencer – teorias da conspiração, mentiras descaradas e, claro, quantias obscenas de dinheiro.

Eleitores desencantados apóiam populistas porque os conservadores se livraram dos grilhões da mensagem política moderna. O extremismo corta o ruído do ciclo de notícias e se conecta com a base.

Pierre Poilievre, recém-eleito líder conservador do Canadá, é um exemplo. Ele está aproveitando a onda do chamado Freedom Comvoy, ativistas antivacina e a extrema-direita de seu partido e seguindo o modelo que funcionou tão bem para governos populistas em todo o mundo.

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Mas sua personalidade de liberdade de expressão, como qualquer outro autoritário, é cuidadosamente construída.

A italiana Giorgia Meloni é um exemplo instrutivo dessa construção cuidadosa.

Os eleitores foram seduzidos por seu carisma. Isso porque o elemento crucial na criação de um movimento popular de extrema direita é lembrar constantemente aos cidadãos que eles são a tribo da verdadeira nação – e Meloni dominou a disciplina de um maestro de comunicação.

A cólera coletiva é um representante do pertencimento à tribo, e esse sentimento de pertencimento se tornou a base para sua fantasia autoritária da vontade popular.

A raiva é o principal motivador

Apesar de sua derrota, os eleitores compareceram em grande número para votar em Donald Trump em 2020 e mal rejeitaram Jair Bolsonaro em 2022.

Perdas importantes significam que o pior já passou? Não, porque o desprezo pela democracia no seio do populismo ainda não foi derrotado. Hoje o populismo ainda está crescendo, em metástase e alcançando todos os cantos da política moderna. Está vindo de várias direções ao mesmo tempo.

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A princípio, foi fácil descartar o apelo do populismo à ignorância. Agora, os elementos-chave que radicalizam os eleitores estão claros como cristal: raiva contra a hiperglobalização, um exército de reserva de perdedores econômicos, verdadeiros crentes ideológicos, líderes carismáticos armando a grande mentira e o prêmio final, dinheiro e organização para ganhar as alturas de comando do cargo político .

Psicólogos sociais mostraram que a raiva é um motivador primordial na política. Em tempos de perigo, os mais vulneráveis depositam suas esperanças no líder autoritário com mensagens carregadas de emoção e promessas grandiosas.

Claro, a raiva é uma distração do verdadeiro trabalho do populista – a desinformação. Em uma era de pós-verdade, o populista é um narcisista como o indiano Narendra Modi, que usa insinuações astutas e truques diretos para consolidar o poder.

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Muitas pessoas razoáveis em democracias avançadas toleram acessos de raiva populistas porque raiva e mentira são melhores do que a apatia, não são?

A turbulência populista, no entanto, não pode ser medida em unidades de patriotismo. O patriotismo requer um cuidado genuíno com o país e todas as pessoas nele.

Nas mãos dos mestres da manipulação, a raiva torna grosseiro o discurso, diminui a possibilidade de compromisso e normaliza a retórica extrema. Mesmo assim, a raiva na política não é sempre um movimento de poder.

A indignação pode motivar as pessoas a falar e proferir verdades desconfortáveis. A raiva compassiva pode ser uma força poderosa para a justiça, como testemunhamos no movimento Black Lives Matter. Como podemos saber a diferença entre cultivo de raiva e raiva justificada? É difícil, mas factível.

O cinismo do desprezo

A diferença entre o sucesso e o fracasso político em uma sociedade tão polarizada é sempre uma questão de comparecimento dos eleitores.

Nos Estados Unidos, os republicanos apostaram que aumentar a raiva para o nível 11 iria espremer mais alguns votos de um eleitorado exausto, mas não produziram um tsunami vermelho – desta vez.

É justo condenar a normalização de fortes emoções na política como um problema conservador? Ambos os lados não usam sentimentos intensos para obter ganhos políticos? Eles fazem.

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A mensagem emocional é uma ferramenta muito poderosa na democracia moderna para ser ignorada por qualquer partido que queira ganhar o poder. Mas hoje, os conservadores se apoiam fortemente em fortes emoções negativas e evitam a esperança – e sua indignação muitas vezes carrega uma ameaça distinta de violência vingativa.

Ao analisar mensagens políticas afetivas, sempre precisamos descobrir se a raiva que estamos testemunhando é calculada para prolongar guerras intermináveis de polarização ou se busca reconciliar a divisão e reconstruir a comunidade.

Por exemplo, mães negras em Memphis estão exigindo que a polícia pare de matar seus filhos. Suas demandas são fundamentadas na realidade e, acima de tudo, desejam um futuro de paz e segurança para seus filhos.

Hoje o populismo é definido pela violência retórica e pelos supostos homens fortes autoritários. As democracias morrem e as guerras civis começam com líderes de direita que usam sua raiva para degradar a democracia e aumentar seu controle do poder.

Não tenha dúvidas, estamos muito além das medidas paliativas da reforma em pequenos passos ou do liberalismo centrista pragmático. O que está além dos cuidadosos compromissos da ordem pós-Segunda Guerra Mundial? Estamos prestes a descobrir.


*Daniel Drache é professor emérito do departamento de Política da York University, Canada

Marc D. Froese é professor de ciência política e diretor fundador do programa de Estudos Internacionais na Burman University


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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