Relação diplomática entre Brasil e Venezuela se agrava
A escalada da tensão entre Brasil e Venezuela e a ausência de crítica à falta de democracia e aos agravos aos direitos humanos aumentam o desgaste interno do governo brasileiro e tornam explícita a contradição entre a ideologização e a partidarização da política externa e os interesses nacionais
A decisão do governo da Venezuela de revogar o consentimento para o Brasil proteger os interesses da Argentina no país foi recebida com surpresa em Brasília (“estou chocado”, disse Celso Amorim) e mostra que a política de manter canais abertos com Maduro não está funcionando.
Uma decisão dessa gravidade poderia ter sido evitada por entendimentos sigilosos entre os dois governos. O governo de Nicolás Maduro afirmou que decidiu revogar a custódia brasileira da embaixada da Argentina em Caracas por ter “provas” de que o local está sendo usado para planejamento de atos “terroristas” e de “tentativas” de assassinato contra ele e sua vice, Delcy Rodríguez.
De acordo com o que estabelecem as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e sobre Relações Consulares, o Brasil comunicou à Venezuela que permanecerá com a custódia e a defesa dos interesses argentinos até que o governo argentino indique outro Estado aceitável para o governo venezuelano para exercer as referidas funções.
Preocupado com a possibilidade de invasão da embaixada argentina, em vista de o prédio estar cercado por agentes militares encapuzados, o governo brasileiro ressaltou, citando as Convenções de Viena, a inviolabilidade das instalações da missão diplomática argentina, que atualmente abrigam seis asilados venezuelanos além de bens e arquivos. O governo argentino rechaçou a medida unilateral e advertiu o governo venezuelano que deve respeitar a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, quanto a inviolabilidade das instalações da embaixada.
Essa ação do governo de Maduro torna ainda mais complicada e delicada a posição do governo brasileiro. Apesar do ato inamistoso da revogação da proteção brasileira, parece pouco provável que o governo venezuelano invada a embaixada sob a custódia do Brasil. Caso isso ocorra, precipitaria uma crise gravíssima que o governo Lula tentou evitar desde as eleições presidenciais. O problema são os seis oposicionistas que estão protegidos na embaixada argentina. Se forem presos, mesmo depois da substituição do Brasil por outro país, a situação, do ponto de vista de Brasília, não fica menos delicada.
A política de manter os canais abertos, evitar condenar o governo de Maduro e não criticar a debilidade da democracia e os sérios acontecimentos contra direitos humanos, inclusive com a ordem de prisão do candidato de oposição Edmundo González, claramente fracassou.
Maduro recusou-se a conversar com Lula, González exilou-se na embaixada da Espanha e está em Madrid, mas a líder efetiva da oposição na Venezuela, Maria Corina, prometeu ficar no país, manter as manifestações anti-regime e declarou que em janeiro do próximo ano a oposição assumirá o governo em Caracas.
Nesta semana, em diversas reuniões em Moscou, o governo brasileiro deve ter discutido a situação na Venezuela com o governo russo. O mesmo deveria ser feito com a China. Os dois países apoiam política, econômica e financeiramente o governo Maduro e não teriam interesse no agravamento da crise interna no país.
Caso essas violentas repressões continuem e haja violação da inviolabilidade da embaixada argentina, não restará outra opção ao governo Lula senão condenar em termos veementes os acontecimentos que agora passam a envolver diretamente o Brasil.
Até aqui, contrariamente a um dos princípios basilares de sua política externa, o Brasil vem se manifestando sobre assuntos internos da política venezuelana de maneira a manter canais políticos com o governo Maduro e tentar uma mediação impossível entre governo e oposição. Agora, com a decisão de afastar o Brasil, Brasília está diretamente envolvida e atingida com medida que contraria as regras internacionais e atinge a credibilidade da política externa brasileira.
Oposicionistas se manifestaram em frente à Embaixada do Brasil em Caracas para pedir que o presidente Lula interceda para a libertação de 2,5 mil “presos políticos” no país.
Enquanto está como guardião da embaixada argentina em Caracas e usando os canais de comunicação, que diz manter com Maduro, o governo brasileiro deveria repetir o que fez a Espanha com González e obter a concordância do governo venezuelano para a saída dos seis opositores que estão exilados na embaixada argentina. Será que alguém está pensando nisso?
A escalada da tensão entre Brasil e Venezuela e a ausência de crítica à falta de democracia e aos agravos aos direitos humanos aumentam o desgaste interno do governo brasileiro e tornam explícita a contradição entre a ideologização e a partidarização da política externa e os interesses nacionais.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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