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Interesse Nacional
13 setembro 2024

Relação diplomática entre Brasil e Venezuela se agrava

A escalada da tensão entre Brasil e Venezuela e a ausência de crítica à falta de democracia e aos agravos aos direitos humanos aumentam o desgaste interno do governo brasileiro e tornam explícita a contradição entre a ideologização e a partidarização da política externa e os interesses nacionais

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto, em 2023 (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A decisão do governo da Venezuela de revogar o consentimento para o Brasil proteger os interesses da Argentina no país foi recebida com surpresa em Brasília (“estou chocado”, disse Celso Amorim) e mostra que a política de manter canais abertos com Maduro não está funcionando. 

Uma decisão dessa gravidade poderia ter sido evitada por entendimentos sigilosos entre os dois governos. O governo de Nicolás Maduro afirmou que decidiu revogar a custódia brasileira da embaixada da Argentina em Caracas por ter “provas” de que o local está sendo usado para planejamento de atos “terroristas” e de “tentativas” de assassinato contra ele e sua vice, Delcy Rodríguez. 

‘O Brasil comunicou que permanecerá com a custódia e a defesa dos interesses argentinos até que o governo argentino indique outro Estado para exercer as funções’ 

De acordo com o que estabelecem as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e sobre Relações Consulares, o Brasil comunicou à Venezuela que permanecerá com a custódia e a defesa dos interesses argentinos até que o governo argentino indique outro Estado aceitável para o governo venezuelano para exercer as referidas funções. 

Preocupado com a possibilidade de invasão da embaixada argentina, em vista de o prédio estar cercado por agentes militares encapuzados, o governo brasileiro ressaltou, citando as Convenções de Viena, a inviolabilidade das instalações da missão diplomática argentina, que atualmente abrigam seis asilados venezuelanos além de bens e arquivos. O governo argentino rechaçou a medida unilateral e advertiu o governo venezuelano que deve respeitar a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, quanto a inviolabilidade das instalações da embaixada.

Essa ação do governo de Maduro torna ainda mais complicada e delicada a posição do governo brasileiro. Apesar do ato inamistoso da revogação da proteção brasileira, parece pouco provável que o governo venezuelano invada a embaixada sob a custódia do Brasil. Caso isso ocorra, precipitaria uma crise gravíssima que o governo Lula tentou evitar desde as eleições presidenciais. O problema são os seis oposicionistas que estão protegidos na embaixada argentina. Se forem presos, mesmo depois da substituição do Brasil por outro país, a situação, do ponto de vista de Brasília, não fica menos delicada.

‘A política de manter os canais abertos, evitar condenar o governo de Maduro e não criticar a debilidade da democracia e os sérios acontecimentos contra direitos humanos claramente fracassou’

A política de manter os canais abertos, evitar condenar o governo de Maduro e não criticar a debilidade da democracia e os sérios acontecimentos contra direitos humanos, inclusive com a ordem de prisão do candidato de oposição Edmundo González, claramente fracassou. 

Maduro recusou-se a conversar com Lula, González exilou-se na embaixada da Espanha e está em Madrid, mas a líder efetiva da oposição na Venezuela, Maria Corina, prometeu ficar no país, manter as manifestações anti-regime e declarou que em janeiro do próximo ano a oposição assumirá o governo em Caracas. 

Nesta semana, em diversas reuniões em Moscou, o governo brasileiro deve ter discutido a situação na Venezuela com o governo russo. O mesmo deveria ser feito com a China. Os dois países apoiam política, econômica e financeiramente o governo Maduro e não teriam interesse no agravamento da crise interna no país.

‘Caso essas violentas repressões continuem, não restará outra opção ao governo Lula senão condenar em termos veementes os acontecimentos’

Caso essas violentas repressões continuem e haja violação da inviolabilidade da embaixada argentina, não restará outra opção ao governo Lula senão condenar em termos veementes os acontecimentos que agora passam a envolver diretamente o Brasil.

Até aqui, contrariamente a um dos princípios basilares de sua política externa, o Brasil vem se manifestando sobre assuntos internos da política venezuelana de maneira a manter canais políticos com o governo Maduro e tentar uma mediação impossível entre governo e oposição. Agora, com a decisão de afastar o Brasil, Brasília está diretamente envolvida e atingida com medida que contraria as regras internacionais e atinge a credibilidade da política externa brasileira.

Oposicionistas se manifestaram em frente à Embaixada do Brasil em Caracas para pedir que o presidente Lula interceda para a libertação de 2,5 mil “presos políticos” no país.

Enquanto está como guardião da embaixada argentina em Caracas e usando os canais de comunicação, que diz manter com Maduro, o governo brasileiro deveria repetir o que fez a Espanha com González e obter a concordância do governo venezuelano para a saída dos seis opositores que estão exilados na embaixada argentina. Será que alguém está pensando nisso?

A escalada da tensão entre Brasil e Venezuela e a ausência de crítica à falta de democracia e aos agravos aos direitos humanos aumentam o desgaste interno do governo brasileiro e tornam explícita a contradição entre a ideologização e a partidarização da política externa e os interesses nacionais.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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