19 maio 2023

Rubens Barbosa: As dificuldades políticas da França atual

Macron atravessa momento de forte resistência política e turbulência social em movimento que beneficia a extrema-direita. Para embaixador, líder francês mudou sua postura e tem se tornado mais midiático ao colocar em evidência posições sobre a polarização EUA-China e sobre a política ambiental europeia

Macron atravessa momento de forte resistência política e turbulência social em movimento que beneficia a extrema-direita. Para embaixador, líder francês mudou sua postura e tem se tornado mais midiático ao colocar em evidência posições sobre a polarização EUA-China e sobre a política ambiental europeia

O presidente francês, Emmanuel Macron, durante evento em homenagem ao Dia da Vitória (Foto: Presidência da França)

Por Rubens Barbosa*

O presidente francês, Emmanuel Macron, atravessa momento de forte resistência política em função das reformas na previdência que conseguiu aprovar apesar da oposição da opinião pública. As manifestações populares, em muitas ocasiões violentas, com choques com a polícia, continuam a afetar Paris e diversas cidades no interior. Apesar de a esquerda liderar a oposição às reformas, a grande beneficiária da crise é a extrema direita e a direita de Marine Le Pen, que hoje se apresenta como a liderança francesa mais fortalecida. A popularidade de Macron está em seu nível mais baixo, e seu partido dificilmente elegerá o sucessor em 2027. 

Contrariamente a seus hábitos ao longo do primeiro e agora do segundo mandato, Macron tem deixado a discrição de lado e procurado ocupar um espaço midiático para tentar recuperar sua imagem e influência. Além de continuar a defender a reforma da previdência, Macron tem procurado colocar em evidência posições na área externa em duas frentes: a relação com a China e as tensões com os EUA em função de Taiwan e a política ambiental europeia.

‘Macron abriu divergência com os EUA ao defender uma atitude de equidistância nas crescentes tensões entre as duas potências em virtude da crise em torno de Taiwan’

Com relação à China, na volta de sua visita a Pequim, em abril, quando teve longa conversa com Xi Jinping, Macron deu controvertida entrevista em que defendeu a ampliação das relações bilaterais e abriu divergência com os EUA ao defender uma atitude de equidistância nas crescentes tensões entre as duas potências em virtude da crise em torno de Taiwan. 

Logo depois da última crise como resultado da visita da presidente taiwanesa aos EUA, no início de abril, o presidente francês disse que o continente europeu não tem porque se envolver numa crise que não é da Europa. 

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/irritacao-ocidental-pela-ambiguidade-da-china-em-relacao-a-ucrania-nao-pode-esconder-as-crescentes-divisoes-na-ue-sobre-o-apoio-a-kiev/

Em nome da “autonomia estratégica”, Macron acrescentou que a Europa não deveria ser uma seguidora dos EUA no apoio norte-americano a Taiwan. Essas declarações foram mal recebidas em Washington, que viu nelas a possibilidade de enfraquecimento do apoio europeu e o reforço da política chinesa. Embora reconhecendo a importância das relações comerciais franco-chinesas, fontes governamentais americanas viram também uma tentativa francesa de criar condições para, com o fortalecimento da Europa, surgir uma alternativa que não tenha de optar nem pelos EUA, nem pela China. 

‘Presidente francês surpreendeu ao afirmar que a regulamentação restritiva no contexto do green deal deveria ser interrompida a fim de preservar as indústrias locais, já submetidas à concorrência dos países que têm menos preocupação com o meio ambiente’

No tocante à política ambiental europeia, na semana passada, Macron surpreendeu a seus parceiros europeus ao afirmar, durante apresentação de seu plano de apoio para a sustentabilidade da indústria francesa, que a regulamentação restritiva no contexto do green deal deveria ser interrompida, “ter uma pausa”, a fim de preservar as indústrias locais, já submetidas à concorrência dos países que têm menos preocupação com o meio ambiente, como a China, grande produtor de painéis solares, de equipamentos para captação de energia eólica e de carros elétricos. “Nós já aprovamos muitos regulamentos na Europa, muito mais que nossos vizinhos. Agora, será importante a implementação dessas regras, mas não devemos fazer outras modificações nas regras, porque corremos o risco de perder indústrias francesas”. 

A atitude francesa pretende assegurar que os quase 50 textos legislativos não sejam prejudiciais à indústria europeia e lembrar que, na Europa, as regras ambientais são as mais ambiciosas do mundo. 

As declarações de Macron causaram reação de alguns países europeus, preocupados com o possível esvaziamento da frente única a favor de medidas para preservar o meio ambiente. Essa nova posição de Macron acrescenta mais um elemento de defesa da indústria francesa, como o plano de investimento França 2030, anunciado recentemente para combater 40 anos de desindustrialização e acelerar a reindustrialização, preocupação prioritária desde a crise da Covid-19.

‘A França parece começar a se dar conta dos efeitos negativos dessa política ambiental restritiva e protecionista para sua economia’

Macron não mencionou explicitamente, mas as medidas restritivas adotadas pelo Conselho Europeu, tanto no tocante à proibição de importação de produtos oriundos de áreas desmatadas quanto às tarifas alfandegárias adicionais para empresas que emitam gás de efeito estufa na produção de bens exportados para a Europa geram custos adicionais para o consumidor francês e também para as empresas importadoras de produtos agrícolas e industriais. A França, que tem uma das políticas mais restritivas da Europa, em função da política ambiental e de mudança de clima, mas também pela influência política do agronegócio protecionista, parece começar a se dar conta dos efeitos negativos dessa política para sua economia.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

https://interessenacional.com.br/posts-irice/o-lugar-da-franca-no-mundo/

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter