31 março 2023

Rubens Barbosa: Cenário externo sombrio

Perspectiva de desaceleração global e de crises econômicas por todo o mundo, bem como aumento da tensão política entre os Estados Unidos, a Rússia e a China, marcam as tensões no planeta. Enquanto a União Europeia prevê abrir mercados de compras públicas de outros países e aplicar medidas unilaterais restritivas, o Brasil também pode examinar ações de defesa comercial para se proteger de coerção externa

Perspectiva de desaceleração global e de crises econômicas por todo o mundo, bem como aumento da tensão política entre os Estados Unidos, a Rússia e a China, marcam as tensões no planeta. Enquanto a União Europeia prevê abrir mercados de compras públicas de outros países e aplicar medidas unilaterais restritivas, o Brasil também pode examinar ações de defesa comercial para se proteger de coerção externa

O chefe do Estado Maior das Forças Armadas norte americanas, Mark Milley (à esquerda) durante reunião do Comitê do Senado que examina o orçamento militar para 2024 (Foto: Sgt. John Wright/ US Secretary of Defense)

Por Rubens Barbosa*

As notícias desta semana na frente externa são ainda mais preocupantes.

Na economia, relatório do Banco Mundial prevê em 2023 uma desaceleração da economia global com queda do crescimento das economias desenvolvidas e dos países emergentes e em desenvolvimento. A inflação continuará alta e o comércio internacional também declinará. “Espera-se que todos os motores tradicionais de crescimento, como o comércio, enfraqueçam nesta decada”. A economia global pode ter uma década perdida.

No cenário político internacional, as tensões no front da guerra da Ucrânia e entre os EUA e China mostraram sinais de instabilidade e incertezas crescentes. Com as dificuldades militares na Ucrânia, autoridades russas preveem uma longa guerra e um longo conflito com o Ocidente. A retórica interna de Putin, pela qual a guerra é uma questão existencial em função da ameaça à integridade do Estado Russo, é apoiada por 77% da população que, resignada, apoia as ações do governo. Verifica-se uma gradual escalada militar com ameaça do governo russo de utilização de armas nucleares táticas, caso os EUA e a Otan continuem a enviar armas cada vez mais sofisticadas à Ucrânia, como vazou por autoridade britânica, como o anúncio de fornecimento de armamento com urânio empobrecido.

‘Os EUA, pela primeira vez, abriram dois campos de confrontação, ao mesmo tempo, com duas potências nucleares, a Rússia e a China’

Por outro lado, os EUA, pela primeira vez, abriram dois campos de confrontação, ao mesmo tempo, com duas potências nucleares, a Rússia e a China. Nesta semana, o Chefe do Estado maior das Forças Armadas norte americanas, Mark Milley, chamou atenção para os riscos de um efetivo conflito bélico com as duas potências nucleares, o que seria muito difícil para os EUA, apesar da superioridade inconteste militar de Washington em relação aos outros dois países.”Tanto a Rússia quanto a China têm meios para ameaçar a segurança nacional dos EUA, mas a história não é determinista e a guerra com eles não é nem inevitável, nem iminente”.  Essa cautela é importante, porque deve ser lembrado que o alarme foi dado em reunião do Comitê do Senado que examina as dotações orçamentárias para as despesas militares para o próximo ano.

De qualquer forma, o risco dessas confrontações saírem do controle aumenta na medida em que a guerra na Ucrânia se prolonga e em que as tensões com a China aumentam como consequência das restrições econômicas e comerciais impostas contra Pequim para tentar reduzir a capacidade tecnológica chinesa, como ocorre no caso dos semicondutores, ou da crise em torno de Taiwan, agravadas agora com a anunciada visita da presidente Tsai, da Ilha, a Washington, objeto de pronta reação de Beijing. Segundo Mark Milley, a China permanece como o primeiro desafio de segurança geoestratégica de longo prazo, com medidas para conter a expansão chinesa no mar do sul da China, como o pacto militar Aukus, integrado também pelo Reino Unido e Austrália, que comprará submarinos nucleares norte-americanos.

A divisão do mundo entre democracias (EUA, países da Europa) e autocracias, como tentam estabelecer os EUA, ou com a Multipolaridade, como quer a China, com a ideia do pós-ocidente, está em marcha e coloca grandes desafios para os países que não querem aceitar esse fracionamento por terem interesses próprios e se recusarem a ser parte da guerra ou da confrontação, como é o caso da Índia, da Indonésia, do Brasil, entre mais de 150 países.

‘No contexto desse quadro de incertezas, alguns países estão começando a examinar medidas para se proteger’

O fato é que, no contexto desse quadro de incertezas, alguns países estão começando a examinar medidas para se proteger em um mundo cada vez mais restritivo e protecionista por razões de segurança nacional e de poder.

A União Europeia, por exemplo, está criando um mecanismo de defesa comercial para permitir que o bloco possa retaliar contra medidas punitivas tomadas por outros países. “Esse instrumento tem por objetivo dissuadir terceiros países de transformar a UE e seus Estados-membros em alvos de coerção econômica com medidas que afetam o comércio ou os investimentos”, segundo comunicado do Conselho Europeu. A medida foi motivada pela ação da China contra as importações provenientes da Lituânia devido ao relacionamento diplomático com Taiwan. Entre as medidas que poderão ser aplicadas estão o aumento de impostos alfandegários, a revogação de licenças de importação ou exportação e restrições no setor de serviços e para a obtenção de contratos públicos.

Como se sabe, a União Europeia pretende atuar para abrir mercados de compras públicas de outros países e aplicar medidas unilaterais restritivas e mesmo a proibição de produtos oriundos de áreas desmatadas e com ameaças a comunidades indígenas. Talvez seja o caso de Brasil e outros países, alvos de medidas unilaterais protecionistas, também examinarem medidas de defesa comercial contra medidas unilaterais de coerção de qualquer procedência.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/rubens-barbosa-medidas-unilaterais-prolongam-debates-no-acordo-mercosul-ue/

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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