25 abril 2024

Tom usado pela imprensa estrangeira sobre o Brasil melhora, mas visibilidade do país diminui

Compilação de dados do segundo ano do Índice de Interesse Internacional mostra que a abordagem da mídia internacional em relação ao país melhorou, enquanto o número de menções ao Brasil no exterior caiu quase 30%

O Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil), pesquisa sistemática desenvolvida pelo portal Interesse Nacional para avaliar a forma como o país é tratado pela imprensa internacional e o tom usado para descrever o Brasil no exterior, completou dois anos neste mês. 

Ao longo de mais de cem semanas, eu e a professora Fabiana Mariutti monitoramos todas as citações ao país em sete dos principais veículos da imprensa internacional. A lista inclui jornais dos EUA, do Reino Unido, da França, da Espanha, de Portugal, da China e da Argentina. O objetivo é entender o que se fala sobre o Brasil no exterior e que tipo de influência esta cobertura pode ter para a imagem internacional do país.

Um dos pontos mais interessantes da evolução percebida nessa análise é que há uma clara mudança no tom usado para descrever o país no primeiro e no segundo ano do levantamento. A proporção de notícias que mencionam o Brasil com tom positivo, que era menos da metade das citações negativas no primeiro ano, cresceu e quase atingiu o mesmo patamar das menções prejudiciais à imagem do país no segundo ano. 

Entre abril de 2022 e o fim de março de 2023, 34% de todos os textos sobre o país eram desfavoráveis, enquanto apenas 16% tinham tom positivo. De abril de 2023 ao fim de março de 2024, a diferença foi de apenas três pontos percentuais, com 27% de menções negativas e 24% de menções positivas.

Como explicado no artigo que apresenta a fundamentação teórica para o levantamento, são considerados positivos os textos que são avaliados como tendo a possibilidade de melhorar a percepção externa sobre o país, enquanto negativos são os que podem piorar a imagem do Brasil. 

A proporção de notícias factuais, sem juízo de valor e sem influência sobre a imagem do país, classificadas como neutras, foi a maioria ao longo dos dois anos, com 50% de todas as citações levantadas nas primeiras 52 semanas e 49% entre abril de 2023 e de 2024.

O gráfico que mostra o histórico das avaliações do iii-Brasil no período deixa evidente essa mudança no tom, com uma clara elevação do número de vezes em que o Brasil é citado com tom positivo. 

A mudança de tom ocorreu especialmente a partir de novembro de 2022, após as eleições presidenciais que levaram Luiz Inácio Lula da Silva de volta ao governo. Desde então, ainda há registro de semanas em que são coletadas poucas menções positivas ao país, mas na média a linha verde se mistura às demais.

Até as eleições, as menções positivas ao país apareciam sempre muito abaixo das outras, chegando a quase desaparecer em alguns pontos e sem nunca chegar muito perto das neutras e negativas. A primeira vez em que as notícias positivas foram maioria das analisadas foi em novembro (após a vitória de Lula nas eleições). Até então, depois de 31 semanas, a média de textos com com positivo era de apenas 11%. A partir de novembro, quando a proporção de textos favoráveis ao Brasil aumentou, a média de menções positivas passou a ser de 24%, semelhante ao que foi encontrado na média total do segundo ano do iii-Brasil.

A comparação entre a mudança de tom na projeção do país na imprensa estrangeira após a mudança de governo ficou evidente em uma outra análise dos dados do índice. Uma comparação entre a imagem do Brasil durante os primeiros seis meses de governo de Lula e os últimos seis meses do governo de Jair Bolsonaro deixa isso claro. No total, a proporção de textos favoráveis ao país sob Lula no período foi nove pontos percentuais mais alta do que sob Bolsonaro, enquanto as menções negativas ao país caíram quatro pontos. De forma geral, houve uma manutenção de uma prevalência de textos de tom neutro, mas uma variação favorável ao país de forma geral desde que mudou o presidente.

‘Normalidade’ e menor visibilidade

Se houve uma mudança clara no tom adotado pela imprensa estrangeira, também é muito evidente a redução da visibilidade internacional do país.

Enquanto no primeiro ano de iii-Brasil foram encontradas 3.574 reportagens com menção ao país nos sete veículos de imprensa selecionados, no segundo ano o total foi de apenas 2.543. A redução foi de 29% no total de menções ao país, o que representa um interesse bem mais reduzido no exterior sobre os acontecimentos do Brasil. Na média, as menções ao país caíram de uma média de 70 por semana para 49 por semana.

Além dessa análise quantitativa, uma observação qualitativa permite indicar que a redução da visibilidade do país no exterior parece ligada a uma percepção de maior “normalidade” da realidade brasileira, especialmente no que diz respeito à política e a questões ambientais.

Durante o primeiro ano de análise do iii-Brasil a imprensa internacional cobriu de forma intensa as eleições presidenciais, as ameaças à democracia, a volta de Lula ao poder, a tentativa de golpe de Estado após a posse do novo governo e, especialmente, a mudança no discurso do país em relação a questões ambientais. 

No primeiro ano do iii-Brasil, a cobertura sobre o ambiente dominou as atenções da imprensa estrangeira. Por um lado, foi o foco central de uma imprensa estrangeira preocupada com a destruição e o caos durante o governo Bolsonaro. E por outro foi substituída por otimismo e quase euforia com a possibilidade de o novo governo Lula priorizar esta questão, que se tornou prioridade global.

O assunto não desapareceu do jornalismo estrangeiro, mas passou a ter uma cobertura menos urgente e menos preocupada com os rumos do país. Ainda são frequentes os textos com tom crítico, mas não há mais uma cobertura que veja o governo brasileiro como um “vilão” do aquecimento global, como chegou a acontecer durante o governo Bolsonaro.

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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