Trump II e o Irã – “Pressão máxima” ou negociação?
Trump e Irã são duas forças imprevisíveis, mas a atual fragilidade militar iraniana deve ampliar o espaço para diplomacia. Assim, o trade off entre “pressão máxima” e negociação poderá ser substituído por uma combinação de ambas

Analisar as relações entre Trump e o Irã é um exercício sobre dois imprevisíveis. Mas isso não o torna supérfluo.
Um olhar do passado sobre o leitmotiv da política de cada um dos atores nos leva a prever algo semelhante ao Clash of civilizations, de Samuel Huntington. De fato, Trump adotou a “pressão máxima” contra o Irã em seu primeiro mandato, e o Irã alimentou o quanto pôde seus proxies. Mas, de forma diferente, um olhar do presente parece enxergar janela de oportunidade para negociação.
‘No primeiro mandato de Trump, os EUA estimularam as forças radicais no Irã, em detrimento de líderes de corte liberal’
No primeiro mandato de Trump, os EUA elevaram a retórica, intensificaram as sanções internacionais e se retiraram do importante Acordo sobre o Programa Nuclear Iraniano de 2015 ( JCPOA -Joint Comprehensive Plan of Action). Dessa forma, estimularam as forças radicais no Irã, em detrimento de líderes de corte liberal, como os ex-presidentes Rafsanjani, Rouhani e Khatami.
Em contrapartida, o Irã preservou sua política de desestabilização, com firme apoio aos proxies – Hamas, Hezbollah, Houthis, milícias no Iraque e na Síria – destinada a projetar seu poder regional e hostilizar Israel. Em contraste com esse olhar binário do passado, uma visão atual da região e dos dois principais rivais – Israel e Irã – revela uma realidade política mais matizada e um cenário militar distinto.
‘Esse novo quadro foi-se configurando a partir da dupla barbárie: a invasão do território israelense pelo Hamas e a destruição da Faixa de Gaza por Israel, com a morte de mais de 44 mil civis’
Esse novo quadro foi-se configurando a partir da dupla barbárie: a invasão do território israelense pelo Hamas, em 7 de outubro de 2023, com o saldo de mais de 1.200 mortes e cerca de 250 reféns; e a destruição, pelas Forças de Defesa Israelenses (IDF) da infraestrutura da Faixa de Gaza, com a morte de mais de 44 mil civis palestinos.
Com o virtual aniquilamento da infraestrutura física e da resistência na Faixa de Gaza, não fazia mais sentido político nem militar para Israel insistir na ofensiva contra o Hamas. Mas, ao mesmo tempo, o término da guerra – sem eliminação completa do Hamas e sem retorno dos reféns – significaria o fim político de Netanyahu. Essa situação o estimulou a lançar uma “nova etapa da guerra”, dessa vez voltada para o sul do Líbano, com o propósito de eliminar o Hezbollah. As investidas israelenses foram eficazes na destruição de grande parte do poder bélico, logístico e organizacional do Hezbollah.
‘Os ataques de Israel ao território iraniano e vice-versa tiveram o efeito de revelar indiscutível superioridade militar e logística israelense’
O cenário militar, tanto na Faixa de Gaza como no Sul do Líbano, demonstrou que Israel lograra reduzir substancialmente a capacidade militar dos dois principais proxies iranianos. Ao mesmo tempo, os ataques de Israel ao território iraniano e vice-versa tiveram o efeito de revelar indiscutível superioridade militar e logística israelense.
A descrição acima demonstra que o segundo mandato de Trump deverá lidar com um Irã inferiorizado em relação a Israel, do ponto de vista militar e tecnológico, além de ter seus dois principais proxies profundamente fragilizados. Essa nova configuração do poder regional – substancialmente distinta da prevalecente no primeiro mandato – abre três possibilidades para Trump: reeditar a “pressão máxima”; abrir espaço para negociação; ou uma combinação das duas.
‘A estratégia de dissuasão do Irã tem dois pilares fundamentais: o programa nuclear e as forças paramilitares’
A estratégia de dissuasão (deterrence) do Irã tem dois pilares fundamentais: o programa nuclear, visto como a única ameaça existencial a Israel; e as forças paramilitares – proxies – instrumentos de desestabilização dos regimes rivais do Oriente Médio.
Em seu primeiro mandato, Trump retirou os EUA do Acordo Nuclear, passou a exercer “pressão máxima” sobre o país – endurecimento das sanções econômicas – e, dessa forma, pretendia forçar o Irã a renegociar o acordo em termos mais favoráveis aos EUA. Não deu certo. Em seguida, Biden utilizou tática reversa, suavizou as sanções, procurou resgatar o acordo anterior, mas também fracassou: o programa nuclear iraniano, livre das limitações da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) avançou de forma acelerada; as exportações petrolíferas triplicaram; e a economia teve grande alívio.
‘O segundo mandato de Trump encontrará um Irã muito fragilizado’
O segundo mandato de Trump encontrará um Irã muito fragilizado no aspecto tecnológico-militar em relação ao principal rival: Israel. Também seus dois principais proxies estarão sem forças para manter o conhecido ímpeto desestabilizador da região.
A evidência mais clara desse novo quadro de fragilidade dos proxies foi o cessar fogo de 60 dias, firmado entre Israel e o Hezbollah em 26 de novembro de 2024. Essa trégua resultou de uma conjuntura tripla: Israel lutava em três frentes (Faixa de Gaza, sul do Líbano e Teerã) e precisava concentrar esforços; o Hezbollah temia mais destruição com a continuidade dos ataques israelenses; e o Irã, ameaçado por mísseis israelenses em seu território, pouco podia fazer por seu principal proxy.
A dupla fragilidade do Irã – doméstica e de seus proxies – deverá abrir maior disposição para negociar acordos, atitude que antes se negava a assumir, porque se encontrava em posição de força.
‘É importante não exagerar essa inferioridade iraniana, porque hoje o país conta com uma aliança mais robusta com a Rússia de Putin, e com aproximação mais intensa com a China de Xi Jinping’
É importante não exagerar essa inferioridade iraniana, porque hoje o país conta com uma aliança mais robusta com a Rússia de Putin, e com aproximação mais intensa com a China de Xi Jinping. Apesar dessa qualificação, é preciso ter presente que nenhuma dessas duas superpotências parece disposta a seguir um caminho “revolucionário”, caso o Irã opte por um enfrentamento radical com os EUA – hipótese aqui considerada pouco provável.
Embora a atual assimetria de poder militar entre Israel e Irã – evidenciada nos ataques mútuos de mísseis – abra uma janela de oportunidade para negociações entre Washington e Teerã, a estratégia de Trump é sempre alcançar “a paz pela força”. Essas duas circunstâncias poderão favorecer uma política que venha a combinar certo grau de tensão antes do início de eventual processo negociador. Ou seja, uma combinação de “pressão máxima” com negociação.
Em termos concretos, essa combinação poderá assumir o formato de exigências norte-americanas em relação aos dois pilares da estratégia de dissuasão (deterrence) iraniana anteriormente citados – o programa nuclear e os proxies.
‘Os ataques de mísseis israelenses contra bases nucleares iranianas, em 26 de outubro último, demonstraram a vulnerabilidade dessas’
Em relação ao primeiro, vale lembrar que os ataques de mísseis israelenses contra bases nucleares iranianas, em 26 de outubro último, demonstraram a vulnerabilidade dessas. As instalações de Taleghan 2, um centro secreto de pesquisas em armamento nuclear, localizado no complexo militar de Parchin, foram destruídas em grande parte, com prejuízos concretos para a retomada do programa nuclear.
O acordo de 2015 previa redução de 2/3 das centrífugas para enriquecimento de urânio, e de 98% no estoque de urânio. Os efeitos do citado ataque de mísseis e a nova configuração de poder aumentam a possibilidade de que Trump resgate esses termos do acordo, ou até mesmo vá além deles.
Em relação ao segundo pilar da dissuasão – os proxies – as eventuais exigências de Trump poderão implicar não só a retirada definitiva de tropas do Hezbollah do sul do Líbano, mas também o compromisso iraniano de renunciar ao apoio militar a outros grupos paramilitares na região, dentre os quais o Hamas. Questão mais imprevisível diz respeito ao fornecimento iraniano de drones e equipamento militar às forças russas em operação na Ucrânia.
Como indicado no início deste artigo, Trump e Irã são duas forças imprevisíveis. Mas a atual fragilidade militar do Irã, a vulnerabilidade de suas instalações nucleares e a vasta destruição de estoques de armamentos de seus proxies deverão ampliar o espaço para negociação. Essa tendência deverá ser reforçada não só pela opção preferencial dos Estados do Golfo pela distensão regional, mas também pelo evidente interesse da China de se afastar dos riscos de desestabilização de uma região vital para seu abastecimento de energia. Assim, o trade off entre “pressão máxima” e negociação poderá ser substituído por uma combinação de ambas.
Sergio Abreu e Lima Florêncio é colunista da Interesse Nacional, economista, diplomata e professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco. Foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.
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