Imprensa estrangeira publica duas vezes mais notícias negativas do que positivas sobre o Brasil
Compilação de dados do primeiro ano do Índice de Interesse Internacional mostra que o tom neutro predominou na cobertura da mídia do exterior, mas que notícias com tom prejudicial ao país foram o dobro das favoráveis. Preocupação com o meio ambiente foi o tema predominante no período e pode ajudar na promoção internacional do país
O Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil), pesquisa sistemática desenvolvida pelo Interesse Nacional para avaliar a forma como o país é tratado pela imprensa internacional e o tom usado para descrever o Brasil no exterior, completou um ano nesta semana.
Ao longo de 52 semanas, eu e a professora Fabiana Mariutti monitoramos todas as citações ao país em sete dos principais veículos da imprensa internacional — uma lista com jornais dos EUA, do Reino Unido, da França, da Espanha, de Portugal, da China, e da Argentina– para entender o que se fala sobre o Brasil no exterior e que tipo de influência esta cobertura pode ter para a imagem internacional do país.
Um dos pontos mais importantes dessa análise é que, ao longo do ano entre abril de 2022 e esta semana, a proporção de notícias que mencionam o Brasil com tom negativo foi mais do que o dobro das citações positivas. No total, 34% de todos os textos sobre o país eram desfavoráveis ao país, enquanto apenas 16% tinham tom favorável.
Como explicado no artigo que apresenta a fundamentação teórica para o levantamento, são considerados positivos os textos que são avaliados como tendo a possibilidade de melhorar a percepção externa sobre o país, enquanto negativos são os que podem piorar a imagem do Brasil. A proporção de notícias factuais, sem juízo de valor e sem influência sobre a imagem do país, classificadas como neutras, foi a maioria ao longo do ano, com 50% de todas as citações levantadas.
O gráfico marcando a variação de tom da cobertura estrangeira a cada semana mostra uma oscilação impressionante. As proporções de notícias negativas e neutras se inverteram no topo quase semanalmente desde o início da análise.
As notícias de tom positivo tiveram uma evolução diferente. Até novembro de 2022, estavam quase sempre muito abaixo das demais, chegando a quase desaparecer em alguns pontos e sem nunca chegar muito perto das neutras e positivas. A primeira vez em que as notícias positivas foram maioria das analisadas foi em novembro (após a vitória de Lula nas eleições). Até então, depois de 31 semanas, a média de textos com com positivo era de apenas 11%. A partir de novembro, quando a proporção de textos favoráveis ao Brasil aumentou, a média de menções positivas passou a ser de 24%.
Isso pode estar associado especialmente ao clima político do país e a má reputação internacional do ex-presidente Jair Bolsonaro, que fica evidente pelos dados sobre a cobertura da imprensa internacional. Essa avaliação se explica pelo fato de que, a partir de novembro, com o resultado das eleições presidenciais, pela primeira vez viu-se as notícias de tom positivo serem a maioria coletadas em uma semana. Desde então, a linha verde que representa as citações com este tom mais favorável ao país passou a oscilar junto às demais. Raramente era a maioria, mas muitas vezes chegava perto e ultrapassa ou as neutras ou as negativas.
Visibilidade e meio ambiente
Ao longo do ano, foram coletadas e analisadas 3.574 reportagens com menção ao Brasil nos sete veículos de imprensa selecionados. Isso significa uma média de 70 menções por semana.
Esta visibilidade do país oscilou bastante ao longo do ano. Foi mais alta pela primeira vez em junho, mês em que aconteceu o assassinato do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, e bateu recordes em outubro, dezembro e janeiro, com a cobertura internacional sobre a eleição presidencial, a posse de Luiz Inácio Lula da Silva e os ataques aos prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro.
Apesar de a análise quantitativa de dados não incluir uma avaliação sobre os principais temas abordados pela imprensa estrangeira no período, uma observação qualitativa com base nos relatórios publicados semanalmente deixa claro que o grande tema da cobertura da mídia estrangeira em relação ao Brasil é o meio ambiente e temas políticos e sociais ligados a ele.
A citada visibilidade do caso de Araújo e Phillips é uma evidência disso, e deu espaço para uma ampla cobertura de diferentes veículos a respeito da situação da floresta no território brasileiro, a violência e a falta de ação do governo. De forma semelhante, a cobertura relacionada à questão ambiental foi uma das principais abordagens de reportagens sobre política, a eleição presidencial, a vitória de Lula e o início do novo governo.
É verdade que a situação da democracia brasileira ganhou muita atenção com as denúncias vazias de fraude feitas por Bolsonaro, a falta de reconhecimento dele ao resultado das eleições e especialmente os ataques dos seus apoiadores em Brasília após a posse de Lula. Ainda assim, foi a cobertura sobre o ambiente que dominou as atenções. Por um lado, foi o foco central de uma imprensa estrangeira preocupada com a destruição e o caos durante o governo Bolsonaro. E por outro foi substituída por otimismo e quase euforia com a possibilidade de o novo governo Lula priorizar esta questão, que se tornou prioridade global.
Com a evolução do novo governo, a questão ambiental continua tendo destaque internacional e começam a surgir questionamentos e preocupações, cobrando ações do Brasil. Trata-se de uma área que representa riscos à percepção externa do país por conta do nível de atenção, mas que oferece uma imensa oportunidade para a projeção do país no mundo, e que pode ajudar a melhorar sua imagem internacional.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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