Rubens Barbosa: Realinhamentos na América Latina
Enquanto o mundo passa por uma mudança no posicionamento de vários países, a região é a que menos cresce e menos se conecta com os setores dinâmicos da economia global e não consegue montar blocos fortes. Para embaixador, o Brasil tem excesso de poder em meio ambiente, mudança de clima, segurança alimentar e energia renovável, e poderia usar isso para liderar a América do Sul, influindo no realinhamento global
Enquanto o mundo passa por uma mudança no posicionamento de vários países, a região é a que menos cresce e menos se conecta com os setores dinâmicos da economia global e não consegue montar blocos fortes. Para embaixador, o Brasil tem excesso de poder em meio ambiente, mudança de clima, segurança alimentar e energia renovável, e poderia usar isso para liderar a América do Sul, influindo no realinhamento global
Por Rubens Barbosa*
As profundas transformações na economia global e no cenário político internacional estão mostrando um crescente realinhamento de países e grupos de países e tomada de inovadoras iniciativas para se ajustarem às novas circunstâncias.
Como ficam a América Latina e o Brasil nesse novo cenário?
Os EUA deixaram de ser a potência dominante, embora preservem a região como área importante de influência. China, Rússia, Irã e Turquia aumentaram sua presença, sobretudo a partir da Venezuela e do petróleo. A Europa dá sinais de buscar maior aproximação para reduzir sua dependência da Rússia e, em especial, da China. O acordo do Mercosul com a União Europeia, quando entrar em vigência, desempenhará um papel importante na expansão dos vínculos comerciais do grupo com a Europa.
A América Latina, às voltas com crises econômicas e políticas, é a região que menos cresce e menos se conecta com os setores dinâmicos da economia mundial. Com problemas políticos e econômicos internos, a perspectiva dos países latino-americanos é de um crescimento baixo em 2023 (1,2%) com inflação moderada. O México é o único país latino que está se beneficiando da descentralização das cadeias produtivas, atraindo investimentos europeus e asiáticos (China) para o estabelecimento de fábricas para produzir bens para exportar para os EUA.
Dadas as circunstâncias atuais, a América do Sul não está no radar nem dos EUA nem de países de outras regiões que buscam novas alianças e parcerias para descentralizar as cadeias produtivas centralizadas na China. Não há sinais de que cadeias produtivas regionais possam ser estabelecidas.
A América do Sul, pela ausência de uma estratégica do Brasil nos últimos anos, está cada vez mais marginalizada do ponto de vista estratégico, econômico e comercial. O
Brasil voltou a integrar a Celac, agrupamento de todos os países do hemisfério, menos os EUA e o Canadá. Brasil e Argentina juntam-se a Unasul, esvaziada e integrada hoje apenas por Bolívia, Venezuela, Suriname, Guiana e Peru (suspenso) e ao Conselho de Defesa. Desintegrada, contrariando a tendência de maior integração regional que ocorre em todos os outros continentes, tenderá a ficar anda mais afastada dos centros de poder, apesar do potencial de seus recursos agrícolas e minerais que poderiam reforçar um maior aproveitamento das oportunidades que estão surgindo no mundo em transformação.
O acordo Mercosul-União Europeia voltou a ser discutido e se espera avanços para sua assinatura e ratificação. Equador assinou acordo de livre comércio com a China e Honduras estabeleceu relações com a China, rompendo com Taiwan. O Tratado de Cooperação Amazônico, depois de anos de esquecimento, volta a ser ativado pelo Brasil e realizara reunião presidencial nos próximos meses.
Nesse quadro mais amplo, como está o Brasil nos primeiros cem dias desde que luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência?
O novo governo tomou algumas iniciativas para recolocar o Brasil no cenário internacional. Depois de visitar a Argentina, Uruguai, EUA, o presidente Lula está em visita a China e se encontra nesta sexta (14) com o presidente Xi Jinping. Os resultados da visita à China, pelo que se anuncia, vão mostrar um relacionamento mais amplo e dinâmico do Brasil com Pequim do que com os EUA, o que vai mostrar riscos nas relações com Washington, como começam a indicar papeis do Pentágono vazados recentemente para a imprensa. O governo japonês convidou o Brasil para participar da reunião do G-7 em Tóquio em julho. O Brasil vai presidir o G-20 a partir de dezembro.
Pouco se sabe como o governo atual vai defender os interesses nacionais nas prioridades que foram apresentadas: meio ambiente e mudança de clima no centro das preocupações das políticas governamentais, prioridade para a América Latina e a ação para propiciar eventual suspensão das hostilidades e a negociação de um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia.
A iniciativa de promover a discussão sobre a paz na guerra da Ucrânia está acima da capacidade de o Brasil influir em questões militares pelo fato de o Brasil não ter excesso de poder para com seu peso determinar os rumos de acontecimentos envolvendo potências globais nucleares. O tema deverá ser discutido na próxima semana quando da visita do ministro do exterior russo, Sergei Lavrov.
O Brasil tem excesso de poder em três áreas: meio ambiente e mudança de clima, segurança alimentar e energia renovável. Nessas áreas, o país poderia liderar a América do Sul para influir no referido realinhamento global.
No tocante às tensões EUA-China e às consequências da guerra na Ucrânia, a posição de manter equidistância e ampliar a cooperação com todos (EUA, China, Rússia), atende aos interesses brasileiros, mas necessita ser claramente explicitada, como fez a Índia em uma situação muito mais complexa do que a do Brasil.
Ninguém duvida de que o Brasil é um país ocidental, com seus valores e princípios (democracia, direitos humanos, livre mercado, liberdade de imprensa), mas, por circunstâncias econômicas, o Brasil, hoje e nos próximos anos, está cada vez mais dependente da Asia, em especial da China.
O governo brasileiro tem de explicitar, de forma clara, nossos interesses no atual momento e procurar exercer seu poder efetivo nas três áreas mencionadas, onde tem poder e influência. Nessas áreas o Brasil tem de ser uma força na definição de regras e não um simples cumpridor de regras definidas em outras regiões. Esse realinhamento é o grande desafio do atual governo. Essa decisão tem de ser tomada sem influência ideológica, partidária ou geopolítica, com base apenas no interesse nacional.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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