Irritação ocidental pela ambiguidade da China em relação à Ucrânia não pode esconder as crescentes divisões na UE sobre o apoio a Kiev
Visitas de líderes europeus à China indicam o quão importante é esse relacionamento para os países do bloco. Para professor de segurança internacional, a incapacidade da UE de assumir compromissos decisivos para reforçar a capacidade de vitória da Ucrânia é um sintoma de uma disputa mais ampla sobre qual é a visão da Europa sobre o futuro da ordem internacional e qual o papel que ela deseja desempenhar nela
Visitas de líderes europeus à China indicam o quão importante é esse relacionamento para os países do bloco. Para professor de segurança internacional, a incapacidade da UE de assumir compromissos decisivos para reforçar a capacidade de vitória da Ucrânia é um sintoma de uma disputa mais ampla sobre qual é a visão da Europa sobre o futuro da ordem internacional e qual o papel que ela deseja desempenhar nela
Assim como a posição de Washington sobre Taiwan, a posição da China sobre a invasão da Ucrânia tem sido de “ambiguidade estratégica”. A China sempre enfatizou a importância da soberania e da integridade territorial, ao mesmo tempo em que não condenou a invasão e garantiu a Moscou sua “amizade sem limites”.
Portanto, houve séria preocupação nas capitais europeias desde que o embaixador de Pequim na França, Lu Shaye, sugeriu que os países da ex-União Soviética “não têm status real no direito internacional porque não há acordo internacional para materializar seu status soberano”. Pequim foi muito rápida em reverter isso, insistindo que “a China respeita o status das ex-repúblicas soviéticas como países soberanos após a dissolução da União Soviética”.
Pequim também reiterou seu compromisso de facilitar uma solução política para a crise na Ucrânia. O embaixador da China na UE, Fu Cong, até usou sua entrevista com uma agência de notícias chinesa para afirmar que a cooperação de seu país com a Europa era tão infinita quanto seus laços com a Rússia eram ilimitados.
O presidente chinês, Xi Jinping, supostamente manteve um telefonema “longo e significativo” com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky –a primeira vez que os dois se falaram desde a invasão russa, há mais de um ano. A mídia estatal chinesa informou que Xi disse a Zelensky que a China não “colocaria lenha na fogueira” da guerra, mas que as negociações de paz eram a “única saída” do conflito, acrescentando: “Não há vencedor nas guerras nucleares”.
Não é segredo que as relações UE-China foram profundamente afetadas pela guerra. Visitas recentes do presidente francês Emmanuel Macron, da presidente da Comissão da UE, Ursula von der Leyen, e da ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, não deixaram dúvidas a esse respeito.
No entanto, elas também destacaram como são diversas as abordagens europeias para a China e como elas também afetam as relações transatlânticas. Embora a coalizão ocidental em apoio à Ucrânia até agora tenha se mantido unida, também fica cada vez mais claro que ela tem sido mantida pela liderança dos EUA econômica, política e militarmente.
Isso também ficou evidente na recente reunião do conselho de relações exteriores da UE em Luxemburgo. O alto representante do bloco para relações exteriores e política de segurança, Josep Borrell, tinha poucas novidades a oferecer sobre o plano de três vias da UE para fornecer à Ucrânia um milhão de cartuchos de munição de artilharia.
Mais criticamente, e mais decepcionante para a Ucrânia, as propostas sobre como aumentar a capacidade de produção de defesa europeia ainda não foram finalizadas.
Da mesma forma, é improvável que um novo pacote de sanções da UE contra a Rússia seja concluído até o final de maio. E a UE e o Japão se opuseram a um plano dos EUA para os países do G7 de proibir todas as exportações para a Rússia.
Tudo isso aumenta os pontos de interrogação já levantados sobre as perspectivas de uma contraofensiva ucraniana bem-sucedida nas avaliações vazadas da inteligência dos EUA.
Ocidente dividido
Também há indicação de uma contínua e profunda incerteza –e divisão– no Ocidente sobre se, como e o que negociar com a Rússia.
Por um lado, há aqueles que exortam o Ocidente a dobrar e aumentar dramaticamente seu apoio militar à Ucrânia. Outros defendem uma nova estratégia que leve a disputa do campo de batalha para a mesa de negociação.
Ambas as abordagens têm sua própria lógica interna. Ambas querem evitar um impasse prolongado e prejudicial no campo de batalha.
Tal impasse não apenas imporia custos adicionais a Moscou e Kiev, mas também teria repercussões muito além das linhas de frente na Ucrânia. O ex-presidente russo Dmitry Medvedev já ameaçou encerrar o atual acordo que permite a exportação de grãos ucranianos via Mar Negro.
Isso constitui uma linha vital de abastecimento de alimentos para muitos países em desenvolvimento. Se a Rússia cancelasse o acordo, isso também aumentaria ainda mais as tensões dentro da UE sobre o trânsito (e acesso ao mercado) para os grãos ucranianos.
Não é de admirar, então, que países como o Brasil estejam ansiosos para ver a China tentar a mediação entre a Rússia e a Ucrânia.
Medos franceses
Para o presidente chinês, Xi Jinping, claramente mais importante que o apoio do Brasil é o de seu homólogo francês. Macron supostamente está trabalhando com a China na criação de uma estrutura para as negociações russo-ucranianas.
No entanto, ele foi amplamente condenado por fazê-lo. Apenas o ministro da Defesa italiano, Guido Croscetto, apoiou a ideia de que a China deveria mediar as negociações de paz.
Macron tem um histórico de, se não pressionar abertamente por negociações, pelo menos considerar maneiras de estabelecer caminhos confiáveis que possam iniciá-los.
Em junho do ano passado, ele foi amplamente criticado por sugerir que a Rússia não deveria ser humilhada. Em dezembro do ano passado, ele propôs garantias de segurança para Moscou, uma ideia igualmente ridicularizada pela Ucrânia e outros aliados ocidentais.
O fato de a França continuar comprometida com a necessidade de negociações, e abertamente, não deve ser visto de forma simplista como uma corrida às concessões a Moscou.
É, pelo menos em parte, também um reflexo das dificuldades muito reais que estão à frente em um caminho potencial para uma vitória militar na Ucrânia. Essas dificuldades são, até certo ponto, causadas pelo próprio Ocidente, especialmente pela lamentável falta de capacidade de defesa da UE.
Mas a posição francesa também reflete o medo de uma nova escalada da guerra com a Rússia, conforme prenunciado no recente discurso do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, no conselho de segurança da ONU, e de uma deterioração irreversível das relações com a China.
A enxurrada de visitas europeias à China nos últimos seis meses, começando com o chanceler alemão Olaf Scholz em novembro passado, é uma indicação de quão importante é esse relacionamento para a UE e seus principais Estados membros. E que a França não está sozinha em buscar o fim da guerra na Ucrânia mais cedo na mesa de negociações do que mais tarde no campo de batalha.
A incapacidade da UE de assumir compromissos decisivos para reforçar a capacidade de vitória da Ucrânia –e restringir a da Rússia– é um sintoma de uma disputa mais ampla sobre qual é a visão da Europa sobre o futuro da ordem internacional e qual o papel que ela deseja desempenhar nela. Por padrão ou projeto, o resultado desta disputa também decidirá o destino da Ucrânia.
*Stefan Wolff é professor de segurança internacional na University of Birmingham
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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