Rubens Barbosa: O Brasil e a policrise da sua política externa
Itamaraty enfrenta acúmulo de crises globais com tensão nas relações com Israel, preocupação com escalada retórica na Venezuela, acirramento das eleições na Argentina e pressão por pagamentos à OCDE. Para embaixador, situação põe em questão algumas decisões tomadas pelo governo Lula
Itamaraty enfrenta acúmulo de crises globais com tensão nas relações com Israel, preocupação com escalada retórica na Venezuela, acirramento das eleições na Argentina e pressão por pagamentos à OCDE. Para embaixador, situação põe em questão algumas decisões tomadas pelo governo Lula
Por Rubens Barbosa*
A politica externa continua a ganhar manchetes com novos e importantes desenvolvimentos colocando em questão algumas decisões do governo Lula. A dificuldade para a saída de um grupo brasileiros de Gaza para o Egito, A ameaça de ataques terroristas no Brasil, a decisão de nao fazer pagamento à OCDE para dar continuidade ao processo de adesão do Brasil, o apoio oficial do PT ao candidato Massa nas eleições presidenciais na Argentina e as ameaças internas e externas na Venezuela são alguns dos desafios que o Itamaraty enfrenta.
A saída do grupo de brasileiros do sul da Faixa de Gaza, procedimento de rotina para a diplomacia brasileira, transformou-se em um problema político pela maneira como o assunto foi conduzido. Imaginando que a presidência brasileira do Conselho de Segurança da ONU seria um peso suficiente para resolver o problema, o governo anunciou com grande alarido a retirada dos brasileiros imediatamente após a liberação da porta de Rafah e enviou avião antes da decisão do Egito de abrir a porta.
Pressionado, o governo fez muitas gestões junto ao Egito, a Israel, à Jordânia, ao Qatar e aos EUA sem resultado concreto. Começaram a circular versões sobre as dificuldades do governo brasileiro, inclusive a de que a ação no CSNU e algumas declarações públicas de altas fontes governamentais foram consideradas negativamente pelo governo israelense, que rebaixou a prioridade para a saída dos brasileiros.
Sem entender o que estava acontecendo, no dizer de alta autoridade governamental, ficou claro que a diplomacia estava atuando com pouco realismo, acima de sua capacidade real, assim como aconteceu na guerra da Ucrânia com a proposta de um grupo para a paz.
Nesta sexta-feira (10), segundo o Itamaraty, os brasileiros foram autorizados a sair, colocando fim ao desgaste do governo que havia subido o tom, dizendo que Israel estava retaliando o Brasil e, se algo acontecesse com os brasileiros retidos em Gaza, as relações com Israel ficariam insustentáveis.
O embaixador de Israel aumentou a tensão reunindo-se com Bolsonaro e pedindo aos congressistas bolsonaristas que legislem considerando o Hamas um grupo terrorista. Em reunião organizada em Paris pelo presidente Macron sobre questões humanitárias da guerra, Celso Amorim chamou o que ocorre em Gaza de genocídio.
Para complicar o quadro, o primeiro-ministro Netanyahu divulgou que o Mossad, órgão de inteligência israelense, informou as autoridades brasileiras que havia uma preparação de atentado contra Sinagoga e instituições israelenses no Brasil pelo Hezbollah. Essa declaração gerou incomodo no governo. Foram feitas prisões de brasileiros e libaneses pela Policia Federal e, caso se comprovem as acusações, dadas as vinculações dessa organização com o Irã, o Itamaraty – que se mantem a margem do assunto até aqui – vai ter de entrar para manifestar a posição do Brasil no campo diplomático (Libano e Irã). Houve forte reação do ministro da Justiça contra ingerência externa. Inesperadamente, a guerra bate as portas do Brasil.
Na Venezuela, a decisão do governo Maduro de anular a previa para a escolha do candidato oposicionista às eleições presidenciais do segundo semestre de 2024 coloca em risco o acordo com os EUA para a suspensão das sanções econômicas a Caracas.
A anulação atinge diretamente a candidata Maria Corina Machado, escolhida pela oposição para disputar com Maduro. Os EUA reagiram e devem cancelar a suspensão, se o governo venezuelano mantiver a inabilitação da Maria Colina e a anulação da previa.
Por outro lado, o governo venezuelano ameaça desrespeitar decisões internacionais e anexar quase metade do território da Guiana, criando a província do Essequibo. Esse anuncio pode ser visto como uma reposta ao resultado da prévia eleitoral, que mostrou a força da oposição.
Dificilmente a Venezuela poderá incorporar pela força para do território vizinho da Guiana. Caso leve adiante essa ameaça, poderá haver um conflito na fronteira do Brasil. Essas duas questões deveriam exigir uma rápida ação do governo brasileiro para evitar a suspensão das sanções e a anexação ilegal do território da Guiana.
No tocante às eleições argentinas, além do apoio de marqueteiros e de outras formas, o PT divulgou nota pela qual manifesta claramente seu respaldo ao candidato Sergio Massa, que, nas primeiras pesquisas, estava liderando a eleição no segundo turno, mas que nas últimas pesquisas teria sido ultrapassado por Javier Milei.
Embora o presidente Lula mantenha silêncio prudente, a nota do PT será vista como uma manifestação de apoio do governo brasileiro. As consequências políticas desse gesto serão sentidas caso Milei vença as eleições presidenciais. Mais uma vez ficará claro que o Brasil deixou de lado a posição de equidistância e de não interferência nos assuntos internos da Argentina, podendo criar sério problema de relacionamento com o governo de Buenos Aires, no caso da vitória de Milei, que já fez acusações públicas contra Lula e disse se recusar a encontrá-lo.
O não pagamento de parcela devida a OCDE no processo de adesão do Brasil à organização mostra o esfriamento do interesse brasileiro de manter a negociação, coerente com a posição do PT e de membros do governo Lula.
Dos seis países aprovados pela OCDE para iniciar processo de acessão em janeiro de 2022, apenas Argentina (ainda) não respondeu favoravelmente. Cinco países – Brasil, Peru e outros 3 europeus – responderam favoravelmente. Assim, conforme sua prática, a OCDE formulou os termos dos respectivos roteiros de acessão. Estes foram aprovados na ministerial de junho de 2022 , inclusive as diretrizes para exames nos comitês e para pagamentos anuais do processo de acessão pelos países candidatos.
Todos os cinco pagaram uma parcela menor em 2022. As taxas de 2023 são cheias, de cerca de 5 milhões de euros para cada país candidato. Os outros quatro pagaram, mas Brasil não pagou a taxa anual de 2023.
Foi recriado GTI sobre relações Brasil-OCDE em fins de agosto, que se reuniu em setembro pela 1a vez com orientação de reavaliar vantagens e dedesvantagens de ingressar na OCDE.
Nesse quadro, governo pediu tempo à OCDE para esse exame, sem dar seguimento por ora às atividades iniciadas em fins de 2022 de exame da acessão nos 26 comitês listados no roteiro de acessão.
P.S. É com satisfação que recebemos a notícia de que o livro Diplomacia Ambiental foi incluído com semifinalista para o premio Jabuti em 2024.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional