As eleições na Venezuela e o Brasil
Governo Lula diz ter a América do Sul como prioridade na política externa, mas está a reboque dos acontecimentos na região e teve sua liderança suplantada pela Colômbia na negociação por eleições limpas e paz política na Venezuela
A política externa brasileira em relação à Venezuela pode ser classificada como de “ambiguidade estratégica”. Se de um lado mantém apoio ao presidente Maduro e a seu regime autocrático, por outro tenta intermediar a crise de Caracas com a Guiana e morde e assopra em relação às medidas restritivas colocadas em vigência por Maduro contra seus principais opositores e potenciais candidatos com chances nas próximas eleições presidenciais no final de junho.
O Brasil talvez seja o país que tem o maior interesse na transição democrática e na volta ao crescimento com a redução da pobreza na Venezuela. Isso se dá pela dívida em relação ao Brasil, pela redução significativa do comércio bilateral, pelo fluxo de refugiados venezuelanos no Brasil (operação acolhida que só em 2023 recebeu mais de 192 mil refugiados, mais de 18% em relação a 2022) e pelo combate ao crime transnacional na Amazônia (drogas, armas).
Enquanto a política brasileira procura não interferir na situação política interna (Lula disse que a Venezuela é um país democrático porque tem mais eleições do que no Brasil), a Colômbia, que pela primeira vez elegeu um presidente de esquerda, adotou uma postura muito mais proativa, procurando contribuir concretamente para o encaminhamento transparente da campanha eleitoral e dos resultados das urnas.
Colômbia e Venezuela chegaram a romper relações diplomáticas por três anos após o então presidente colombiano (Ivan Duque) não reconhecer a eleição de Maduro em 2018, após denúncias de fraude. Quando o atual presidente Gustavo Petro foi eleito, Caracas e Bogotá retomaram as relações, mas Petro manteve sua posição de independência, com críticas `à condução do processo eleitoral venezuelano, especialmente da decisão da justiça eleitoral com o apoio de Maduro, de excluir Maria Corina Machado, escolhida como a única candidata oposicionista às eleições presidenciais. Apesar disso, manteve um canal aberto para outras áreas (comércio, conversações com grupos guerrilheiros, refugiados, crise com a Guiana e com Equador pela ocupação da embaixada do México).
Dado o ativismo colombiano nas questões venezuelanas, o presidente Lula visitou o presidente Petro, em Bogotá, e certamente esses temas foram tratados, além da relação bilateral com o Brasil e questões ambientais na Amazônia.
Depois do encontro com Lula, Petro, em 10 de abril passado, visitou oficialmente Maduro e, na ocasião, reuniu-se também com a oposição venezuelana para apresentar proposta para conseguir concretizar a “paz política” na Venezuela, o que Petro considera como um aspecto fundamental de sua política externa.
Tal proposta parte do princípio de que há uma divisão do país, como evidenciado pela unidade das oposições em torno de Maria Corina Machado, inabilitada pela Justiça Eleitoral, assim como Corina Yores, apontada por Maria Corina para substituí-la nas urnas. E para buscar superar a crise política e econômica que afetou profundamente a população, com a saída de pelo menos 7,5 milhões de pessoas, desde 2018, segundo o Alto Comissário da ONU para Refugiados.
O plano colombiano consistiria em um acordo entre os principais atores políticos do país, pelo qual governo e oposição respeitariam o resultado das eleições e se comprometeriam a não perseguir os grupos derrotados na disputa eleitoral, e um plebiscito no qual a população será chamada a chancelar ou não o acordo. Essa proposta – que em outras palavras – representa a sugestão que a classe política venezuelana repita o que outros países latino-americanos já fizeram na transição de regimes autoritários, militares, para governos civis: negociar e aprovar uma lei de anistia.
Pouco tempo depois, a Plataforma Unitária Democrática, a oposição unida, decidiu retirar todos os candidatos que poderiam representá-la e inscrever como candidato o diplomata Edmundo González Urrutia, que foi embaixador da Venezuela na Argentina. A mensagem que ele traz é de diálogo com o governo e com as Forças armadas e de reconciliação nacional.
A combinação dessa proposta com a decisão da oposição de inscrever o embaixador Urrutia como candidato único contra Maduro, coloca o atual governo da Venezuela em uma posição difícil. Se vetar, a candidatura de Urrutia, se colocará contra a opinião pública internacional, sobretudo os EUA e seus vizinhos, em especial, a Colômbia e o Brasil. Se aceitar, corre o risco de perder a eleição, que será fiscalizada por observadores independentes para assegurar a lisura e a transparência. Quanto à proposta colombiana, até aqui, não houve reação do governo de Maduro. Se for recusada, o governo Maduro perde uma última oportunidade de buscar com a oposição uma saída negociada para a crise política.
A reeleição de Maduro, contra todos os esforços em busca de uma eleição transparente e democrática, resultará em novas sanções dos EUA contra Caracas e colocará mais um grande problema para a política externa de Lula.
O governo Lula, que coloca entre suas prioridades a América do Sul, está a reboque dos acontecimentos na região. Se houvesse liderança, o Brasil deveria ter se antecipado à Colômbia e apresentado uma proposta, como a lei de anistia, a exemplo do que ocorreu aqui. Agora, vazou a informação de que a proposta colombiana pode ser apoiada por Lula, desde que ela seja aceita por todas as partes venezuelanas envolvidas, o que colocará novamente em cheque a política externa em relação à Venezuela. Caso Maduro rejeite a sugestão de Petro ou o candidato da oposição seja impedido, como reagirá Lula, que apoiou a escolha de Urrutia?
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional