Aumento da insegurança global
Tensão em torno de conflitos gera preocupação de escalada militar em diferentes partes do mundo
As incertezas e inseguranças no cenário global aumentaram no curso da semana. A deterioração da situação atual ocorreu em várias frentes, ameaçando uma escalada militar, que não é desejada por ninguém.
Na Europa, a afirmação pública do ministro do Exterior do Reino Unido de que a Ucrânia poderia utilizar as armas que foram transferidas para o teatro de operações sem restrições (isto é, permitindo ataque ao território da Rússia, ao contrário do que impõem os EUA à Ucrânia com as armas fornecidas a Zelensky) teve imediata reação de Moscou. O governo russo ameaçou atacar objetivos militares no Reino Unido, caso as armas sejam utilizadas contra seu território pela Ucrânia, segundo foi transmitido ao embaixador britânico em Moscou.
Por outro lado, Putin autorizou também exercícios de ataque com armas nucleares táticas em resposta à sugestão de governos ocidentais, em especial a França, de enviar soldados para lutar na Ucrânia contra a Rússia. Os serviços de inteligência russos trabalham com a informação de que a França teria enviado combatentes da Legião Estrangeira para lutar na Ucrânia, o que é negado pelo governo francês.
Pesados ataques russos à infraestrutura ucraniana, deixaram metade do país sem energia. Na posse de Putin, em seu novo mandato, o tom do discurso foi moderado, pedindo diálogo com o Ocidente, ao contrário dos pronunciamentos recentes. A perspectiva da eleição de Donald Trump e o eventual isolamento americano, o que deixaria a Europa sem o guarda-chuva militar norte-americano, fizeram com que os gastos militares de quase todos os países aumentassem significativamente, em especial os países do Leste Europeu e bálticos, de um lado, e da Rússia de outro.
No Oriente Médio, as negociações para a troca de reféns e a suspensão das hostilidades em Gaza esbarram em dificuldades políticas internas em Israel e no Hamas. Caso o impasse persista, Israel deve atacar Rafah, apesar da oposição dos EUA e da opinião pública internacional, com consequências políticas e sociais imprevisíveis.
A despeito da reação internacional (EUA suspenderam envio de artefatos militares e manifestações públicas de muitos países condenando o ataque, inclusive do Brasil), as ações iniciais nessa direção já estão ocorrendo. Veem-se o ataque do Exército de Israel e a ocupação da saída de Gaza para o Egito em Rafah e bombardeios localizados nessa região, em meio a saída de milhares de palestinos para outras áreas. As relações entre Israel e Irã continuam tensas, depois dos ataques recíprocos com mísseis e drones, mas a escalada militar foi evitada. A radicalização se amplia com o rompimento das relações comerciais da Turquia com Israel e com a decisão de Israel de colocar fim às operações da Al Jazeera em Israel.
As questões geopolíticas que decorrem da guerra entre a Rússia e a Ucrânia adquiriram tons dramáticos em discurso do presidente Emmanuel Macron da França na Science Po em Paris e em entrevista para The Economist. Macron fala da possibilidade de efeitos catastróficos sobre a Europa (“Europe could die”), caso a situação saia de controle, e a Rússia ataque algum país da Otan, desencadeando uma reação da aliança militar ocidental, incluindo os EUA. Menciona também o atraso tecnológico europeu em relação aos EUA e a China e as ameaças à democracia.
Outro sinal preocupante quanto aos desdobramentos futuros dos avanços tecnológicos e a aplicação militar da inteligência artificial foi a proposta apresentada pelos EUA, apoiada pela França e Reino Unido, à Rússia e à China para que haja um compromisso das potências nucleares no sentido de que não seria admitida a utilização da IA para autorizar o emprego de armas nucleares. Israel, Índia e Paquistão também deveriam ser consultados.
Ao mesmo tempo, o líder chines Xi Jinping realizou visita oficial a França, Hungria e Sérvia. Na França, ouviu apelos para que interfira junto a Rússia (aliança sem limites) para o fim da ocupação russa e as operações militares na Ucrânia, além de apelo para evitar nova Guerra Fria comercial, que poderia se acentuar com as ameaças de protecionismo europeu contra o excesso de produção chinesa concorrendo com a produção europeia.
Com a aproximação da eleição nos EUA, dificilmente Washington permitirá que a situação militar saia de controle. Por diferentes razões, o mesmo ocorre com todos os demais países envolvidos (Rússia, China, Irã, países árabes). Resta saber se Israel e o Hamas agirão na mesma linha.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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