19 setembro 2024

China reduziu escopo do Brasil, mas permitiu maior inserção do país no mundo

De acordo com um estudo recém-publicado, a influência chinesa limitou o escopo da política externa brasileira, especialmente no comércio e em divergências políticas, mas também permitiu uma maior inserção do Brasil no cenário internacional, ampliando sua autonomia. Essa ampliação ocorreu graças a lacunas estruturais produzidas pelo apoio diplomático chinês na esfera global e pela convergência de agendas específicas

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping durante encontro em Pequim (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

A ascensão global da China teve um forte impacto sobre a política externa contemporânea do Brasil no século XXI. De acordo com um estudo recém-publicado, a influência chinesa limitou o escopo da política externa brasileira, especialmente no comércio e em divergências políticas, mas também permitiu uma maior inserção do Brasil no cenário internacional, ampliando sua autonomia. Essa ampliação ocorreu graças a lacunas estruturais produzidas pelo apoio diplomático chinês na esfera global e pela convergência de agendas específicas.

Essas são as principais conclusões apresentadas pelo artigo Chinese Double Effect on Brazilian Foreign Policy (2003-2018), publicado na Revista Brasileira de Política Internacional. O estudo foi realizado por Yuri Bravo Coutinho, doutorando e mestre em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Júlio César Cossio Rodriguez, doutor em ciência política pela Universidade de Lisboa. Ele explora o impacto da ascensão da China nas relações internacionais do Brasil entre 2003 e 2018 e analisa como a crescente influência chinesa moldou o comportamento do Brasil no cenário internacional, trazendo tanto desafios quanto oportunidades para a política externa brasileira.

Durante o período em análise, o Brasil vivenciou profundas transformações políticas e econômicas que impactaram suas estratégias internacionais enquanto a China emergia como uma potência econômica e política global. O estudo propõe que o Brasil, por meio da estratégia de bandwagoning for profit, adotou uma posição pragmática para maximizar os ganhos no sistema global. 

O artigo destaca que a relação Brasil-China se desenvolveu a partir de uma combinação de aproximação econômica e divergências políticas, resultando em um “duplo efeito”. De um lado, o Brasil passou a depender cada vez mais das exportações para a China, especialmente de commodities, o que restringiu o alcance da política externa brasileira em certos momentos. No entanto, ao mesmo tempo, o crescimento chinês e sua disposição em apoiar o Brasil em fóruns internacionais proporcionaram maior autonomia ao país no cenário global, criando novas oportunidades de atuação.

Ao adotar a estratégia de bandwagoning for profit, o aliou-se à China em busca de vantagens econômicas. Esse alinhamento, no entanto, não foi sem contradições. Os governos de Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer adotaram diferentes posturas diante da ascensão chinesa, refletindo as particularidades de suas agendas políticas internas e a evolução do cenário internacional.

O estudo aponta que, durante os governos de Lula e Dilma, o Brasil buscou reforçar sua posição internacional por meio de uma diplomacia ativa em fóruns como o Brics, o G20 e as Nações Unidas. Ao mesmo tempo, a China se consolidava como o maior parceiro comercial do Brasil, especialmente com a crescente demanda chinesa por produtos agrícolas e minerais brasileiros.

Ao reconhecer o crescente poder da China, o Brasil adotou uma postura pragmática em sua política externa, buscando maximizar os benefícios econômicos da parceria sino-brasileira, ao mesmo tempo em que tentava manter uma certa autonomia política. Mesmo sem se alinhar completamente à China em questões políticas, o país buscava tirar proveito da relação econômica.

Durante o governo Lula, o Brasil experimentou uma política externa voltada para a diversificação de parcerias internacionais, com destaque para a relação com países emergentes. A China, neste período, tornou-se o principal destino das exportações brasileiras, superando os Estados Unidos. Essa crescente interdependência econômica foi acompanhada por uma colaboração em fóruns internacionais, como o Brics, em que Brasil e China frequentemente apresentavam posições alinhadas sobre questões de governança global, como a reforma das instituições financeiras internacionais.

Entretanto, o governo Dilma enfrentou desafios econômicos e políticos que influenciaram a relação com a China. A desaceleração do crescimento econômico brasileiro, aliada à crise política interna e mesmo pela falta de interesse da presidente, limitaram a capacidade de Dilma de manter a política externa ativa que caracterizou o governo Lula. Apesar disso, a China permaneceu como um importante parceiro comercial, e as exportações brasileiras continuaram a depender fortemente do mercado chinês. Ao mesmo tempo, houve um aumento das preocupações sobre a “desindustrialização” da economia brasileira, impulsionada pela crescente importação de produtos manufaturados chineses.

Temer, por sua vez, buscou promover uma política externa mais voltada para o mercado, com o objetivo de estabilizar a economia e restaurar a confiança dos investidores. Nesse contexto, a China desempenhou um papel crucial, com empresas chinesas investindo em projetos de infraestrutura no Brasil, como a compra de ativos no setor elétrico e investimentos em ferrovias. O artigo argumenta que, embora Temer tenha adotado uma postura mais aberta em relação ao capital estrangeiro, a dependência do Brasil em relação à China permaneceu uma questão central.

O artigo conclui que a ascensão da China teve um impacto ambivalente na política externa brasileira, ao mesmo tempo em que criou novas oportunidades de inserção internacional, também restringiu o alcance de sua autonomia política. O “duplo efeito” da ascensão chinesa na política externa brasileira refere-se à combinação de oportunidades e desafios que a China representou para o Brasil. De um lado, a China proporcionou uma fonte vital de crescimento econômico, especialmente por meio da demanda por commodities. Essa relação econômica permitiu que o Brasil expandisse sua atuação internacional, com uma maior autonomia em fóruns multilaterais. Por outro lado, a crescente dependência das exportações para a China limitou a flexibilidade da política externa brasileira, criando tensões entre os interesses econômicos e as ambições políticas do país.

Apesar de apresentar uma abordagem importante para entender as relações do Brasil com um dos seus maiores parceiros internacionais, o trabalho pode parecer um pouco anticlimático ao encerrar a avaliação no ano de 2018. É importante perceber que o governo de Jair Bolsonaro, iniciado no ano seguinte, adotou uma retórica de constantes ataques à China, por mais que o país tenha permanecido como um dos mais relevantes para a política externa brasileira. Seria interessante analisar até que ponto a mudança de postura pode ter criado novos impactos para a situação brasileira, assim como entender a reconstrução dos laços de proximidade desde a volta de Lula ao poder em 2023.

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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