13 abril 2023

Daniel Buarque: Em cem dias de Lula, imprensa estrangeira duplica proporção de textos positivos sobre o Brasil

Desde que o novo governo chegou ao poder, uma em cada cinco menções ao país no exterior era favorável a sua imagem –índice que não foi melhor por causa da projeção negativa dos ataques de 8 de janeiro. Brasil tem oportunidade de melhorar seu prestígio no mundo, mas tem o desafio de superar problemas domésticos e ampliar a projeção no exterior 

Desde que o novo governo chegou ao poder, uma em cada cinco menções ao país no exterior era favorável a sua imagem –índice que não foi melhor por causa da projeção negativa dos ataques de 8 de janeiro. Brasil tem oportunidade de melhorar seu prestígio no mundo, mas tem o desafio de superar problemas domésticos e ampliar a projeção no exterior 

Por Daniel Buarque*

Durante os cem primeiros dias do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a imprensa estrangeira praticamente duplicou a proporção de menções favoráveis ao país em comparação com a projeção registrada durante o último ano do governo de Jair Bolsonaro. No total, um em cada cinco artigos publicados por jornais do exterior durante os primeiros três meses do terceiro mandato de Lula teve tom positivo, com potencial de melhorar a imagem internacional do país.

Pode parecer um percentual pequeno, representando apenas 20% de todas as menções ao país na mídia internacional, mas trata-se de praticamente o dobro da proporção das citações favoráveis ao Brasil registradas durante os seis meses de governo de Jair Bolsonaro entre abril de 2022 e o fim de setembro do mesmo ano, pouco antes das eleições presidenciais — 11%. E bem mais do que os 15% registrados em todo o ano anterior.

O período até a eleição foi escolhido para a comparação por ser mais representativo da realidade da percepção externa do governo anterior. Entre outubro e dezembro de 2022, a visibilidade do Brasil no exterior aumentou muito por conta das eleições e teve um tom ainda mais favorável após a vitória de Lula, chegando a atingir a marca de 54% de menções favoráveis na segunda semana de novembro, e marcando a proporção de 22% de textos positivos sobre o Brasil entre outubro e o fim do ano. Isso está associado especialmente a um otimismo após a derrota do ex-presidente nas urnas, dada sua má reputação internacional, que fica evidente pelos dados sobre a cobertura da imprensa estrangeira. 

A avaliação do tom usado para se referir ao Brasil foi calculada com base em dados do Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil), pesquisa sistemática desenvolvida pelo Interesse Nacional para avaliar a forma como o país é tratado pela imprensa internacional. Por mais de um ano, desde abril de 2022, o trabalho realizado por mim e pela pesquisadora Fabiana Mariutti monitorou todas as citações ao país em sete dos principais veículos da imprensa internacional — com jornais dos EUA, do Reino Unido, da França, da Espanha, de Portugal, da China, e da Argentina– para entender o que se fala sobre o Brasil no exterior e que tipo de influência esta cobertura pode ter para a imagem internacional do país. 

São considerados positivos os textos que são avaliados como tendo a possibilidade de melhorar a percepção externa sobre o país, enquanto negativos são os que podem piorar a imagem do Brasil. A proporção de notícias factuais, sem juízo de valor e sem influência sobre a imagem do país, classificadas como neutras, foi a maioria ao longo do ano, com 50% de todas as citações levantadas.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/entenda-como-funciona-o-indice-de-interesse-internacional-monitoramento-de-noticias-sobre-o-brasil-no-exterior/

Durante os cem primeiros dias de governo de Lula, a proporção de textos com tom negativo sobre o Brasil caiu seis pontos em relação aos seis meses de compilação durante o governo de Bolsonaro (entre abril e setembro), passando de 39% para 33% (um ponto percentual a menos do que em todo o ano de avaliação do estudo). A compilação de dados do primeiro ano completo do iii-Brasil, entre abril de 2022 e março de 2023 revelou que, no geral, a proporção de notícias que mencionam o Brasil com tom negativo foi mais do que o dobro das citações positivas. No total, 34% de todos os textos sobre o país eram desfavoráveis ao país, enquanto apenas 16% tinham tom favorável. 

A visibilidade do Brasil no exterior também cresceu ao longo dos cem primeiros dias de Lula, em comparação com o governo anterior. Desde janeiro, foram coletadas e analisadas 1.066 reportagens com menção ao Brasil nos sete veículos de imprensa analisados. Isso significa uma média de 76 menções por semana (seis a mais do que a média registrada ao longo de todo o primeiro ano de iii-Brasil). Durante os seis meses entre abril e o fim de setembro de 2022, enquanto Bolsonaro estava no poder e antes de começar a cobertura mais intensa pelas eleições, a média de reportagens sobre o Brasil era de 57 por semana. O aumento do número de citações ao país foi de 33% desde que Lula chegou ao poder.

Democracia e meio ambiente

Apesar de a análise quantitativa de dados não incluir uma avaliação sobre os principais temas abordados pela imprensa estrangeira no período, uma observação qualitativa com base nos dados e nos relatórios publicados semanalmente pelo Interesse Nacional indica que dois temas dominaram a atenção internacional desde janeiro: democracia e meio ambiente, ambos com forte influência sobre o tom usado para descrever o Brasil no exterior.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/iii-brasil-ataques-a-brasilia-levam-a-recorde-de-visibilidade-e-de-cobertura-negativa-sobre-o-brasil-na-midia-estrangeira/

O primeiro foi responsável pelo maior pico de atenção externa direcionada ao Brasil por conta dos ataques golpistas aos prédios dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro. Somente na segunda semana de janeiro foram publicados 263 textos com menções ao Brasil nos veículos analisados. O volume de menções ao país na imprensa internacional naquele momento foi quase quatro vezes maior do que a média registrada até então, e três de cada quatro matérias sobre o país após a mobilização golpista tinham tom negativo. Além disso, a cobertura do caso e o tom negativo continuaram por pelo menos mais duas semanas de discussão sobre a saúde e a segurança da democracia brasileira.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/iii-brasil-posse-de-lula-e-ataques-golpistas-duplicam-total-de-mencoes-ao-pais-na-imprensa-estrangeira-em-janeiro/

Foi somente com a viagem de Lula aos Estados Unidos, em fevereiro, que a projeção mais positiva à situação da democracia no Brasil começou a ganhar espaço novamente. O encontro do presidente brasileiro com Joe Biden levou a uma cobertura favorável da mídia estrangeira sobre a resiliência das instituições dos dois países após os atentados golpistas. A proporção de textos com tom positivo naquela semana no período foi três vezes maior do que a média semanal registrada até então.

Pelo lado da questão ambiental, o tema já era um dos que davam mais visibilidade ao Brasil durante o governo de Bolsonaro, sendo um dos focos da cobertura negativa sobre o país. Desde a eleição, e antes mesmo da posse de Lula, o tom usado no exterior se inverteu, e deu espaço a uma discussão muito mais otimista sobre o papel do país na luta contra o aquecimento global.

A credibilidade voltou?

A melhora da imagem do Brasil sob Lula se associa às repetidas declarações do novo governo de que  “o Brasil voltou” e está reconstruindo um lugar importante na política internacional. Após quatro anos de uma política voluntariamente isolacionista sob Bolsonaro, é evidente o esforço do presidente e do Itamaraty em melhorar a projeção do país no mundo, elevar o nível da participação nas discussões internacionais e reconquistar o prestígio perdido. Também é evidente o otimismo externo, que vive uma aparente “ressaca” do governo anterior.

Os dados sobre o tom usado para se referir ao Brasil no exterior de fato são positivos, especialmente quando se considera que a cobertura mais negativa até agora, sobre os ataques a Brasília, não teriam relação com o trabalho do novo governo, mas é um reflexo de uma polarização da política do país que vem desde os anos anteriores e foi insuflada pela retórica golpista de Bolsonaro. 

Além disso, a viagem de Lula à China nesta semana reflete a ampliação real dos contatos do governo brasileiro com líderes importantes do resto do mundo. Mas é impossível responder de forma definitiva se os esforços estão gerando credibilidade real para o Brasil. 

O país evidentemente se aproveita do interesse internacional em retomar laços que ficaram praticamente congelados nos últimos anos, e já está em situação melhor do que há um ano. Ainda assim, é importante ressaltar que a proporção de textos negativos sobre o país ainda é maior do que os positivos. Lula vai precisar de um longo e desafiador trabalho diplomático –e mostrar resultados práticos da nova política no contexto doméstico– para que passe a ter o nível de prestígio global proporcional à ambição do novo governo.


*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/daniel-buarque-a-doutrina-lula-e-o-desafio-de-recuperar-a-imagem-do-brasil/

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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