Daniel Buarque: A ‘doutrina Lula’ e o desafio de recuperar a imagem do Brasil
Governo diz que retomar relações com o mundo é prioridade, estudos mostram que o país caiu pelo menos sete posições em ranking de prestígio internacional, mas reabilitar a percepção é um trabalho difícil, que exige uma contribuição ativa para realmente melhorar o mundo e a vida das pessoas em outros países. Brasil tem potencial para fazer isso com a sua luta pela proteção ambiental e contra o aquecimento global
Governo diz que retomar relações com o mundo é prioridade, estudos mostram que o país caiu pelo menos sete posições em ranking de prestígio internacional, mas reabilitar a percepção é um trabalho difícil, que exige uma contribuição ativa para realmente melhorar o mundo e a vida das pessoas em outros países. Brasil tem potencial para fazer isso com a sua luta pela proteção ambiental e contra o aquecimento global
Por Daniel Buarque*
Desde que Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições, em outubro do ano passado, teve início um evidente trabalho de reconstrução de laços diplomáticos e de projeção positiva do país no exterior. A “volta” do país ao cenário global se tornou um tema frequente das discussões sobre a mudança no Planalto. Em entrevista à revista Americas Quarterly, o próprio ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, descreveu este objetivo como o princípio básico do novo governo.
“Eu diria que a doutrina de Lula é restaurar a imagem do Brasil e suas relações – não apenas com nossos vizinhos latino-americanos, mas também restaurar a presença do Brasil no mundo, em todos os tipos de palcos mundiais, sejam eles bilaterais ou multilaterais”, disse Vieira.
O chanceler argumenta que, durante o governo de Jair Bolsonaro, o país interrompeu sua tradição diplomática de ser um país aberto a todos os interlocutores, independentemente de suas posições ideológicas, e de manter contato, negociar e dialogar. E isso deve ser retomado a partir de agora. Lula “me disse para reconstruir todas as pontes e todos os canais de comunicação que haviam sido destruídos”, explicou.
Trata-se de um conjunto de intenções importantes. De fato, o governo Bolsonaro teve um chanceler que declarou ser aceitável o Brasil se tornar um pária internacional, abusou do desgaste da reputação ambiental e fez o país perder prestígio no mundo de forma marcante. Mais do que uma preocupação trivial ou de mera questão diplomática, uma boa imagem ajuda na projeção internacional de um país e pode impulsionar a sua capacidade de atrair comércio, investimentos, turistas, talentos e consumidores para seus produtos e serviços.
Por um lado, o objetivo do novo governo parece factível. A reconstrução dos laços formais e diplomáticos na tradição brasileira já começou, e o próprio presidente tem tido uma ampla agenda de contatos e viagens com líderes estrangeiros. Considerando o que se via antes da eleição, quando muitos estrangeiros estavam em compasso de espera por um novo governo, a retomada de relações institucionais de fato parece em vias de se concretizar.
Mas nem tudo é tão simples. É verdade que a cobertura sobre o Brasil na imprensa internacional melhorou de forma marcante desde a vitória de Lula nas eleições, mas ainda assim há uma maior proporção de notícias negativas do que positivas publicadas na mídia estrangeira.
Recuperar a imagem do país de forma mais ampla é um desafio muito maior do que o governo pode imaginar, e não há uma fórmula que leve a uma melhora rápida da reputação do país no resto do mundo. “Danificar a imagem de um país é fácil”, diz o consultor Simon Anholt, um dos pioneiros do estudo de imagens de nações, mas melhorar essa imagem é bem mais complicado, completa.
O Brasil passou pela primeira situação ao longo da última década. Até 2013, o país configurava regularmente em torno da 20ª colocação no Nation Brands Index (NBI), estudo que avalia as imagens de diferentes países no mundo e desenvolve um ranking dos mais bem avaliados. Desde os protestos de junho daquele ano, a cobertura intensa da imprensa global sobre problemas do país durante a Copa do Mundo e das Olimpíadas, o impeachment de Dilma Rousseff, escândalos de corrupção, a eleição de Jair Bolsonaro, o aumento do desmatamento da Amazônia e os quatro anos de diplomacia “pária”, o país caiu bastante no ranking. Em 2022, apareceu na 27ª posição.
Pode parecer pouco, mas é preciso ressaltar que o estudo de reputação muitas vezes é descrito como “entediante” por conta da estabilidade da percepção global sobre países. A população do mundo tende a não pensar muito sobre nações que não sejam a sua ou alguma outra mais próxima, e isso faz com que a variação na imagem dos países seja pequena. A não ser em caso de guerras (que derrubou o prestígio da Rússia) e de pandemias globais (que afetou a imagem da China), é difícil que algum evento isolado cause uma perda marcante na imagem de um país. Portanto, a queda gradual do Brasil no ranking pode ser vista como uma tendência problemática da última década — e com múltiplas causas.
Reverter isso não vai ser tão fácil quanto retomar contatos diplomáticos. Ainda de acordo com Anholt, não há uma fórmula mágica que ajude a promover uma imagem positiva de um país no resto do mundo. O novo governo até retomou o uso da “marca Brasil” para tentar promover o país, mas campanhas de publicidade definitivamente não têm impacto no nível de prestígio de um país.
Sem um roteiro fixo, o caminho mais natural para reabilitar a imagem do país seria o de colocá-lo como uma força para o bem do mundo. Para subir no ranking global de imagens, Anholt explica, um país precisa ter belezas naturais e urbanas, ser capaz de ter influência na vida de pessoas em outros países, ter força suficiente para impor sua vontade internacionalmente, ter sofisticação e capacidade tecnológica e, principalmente, contribuir ativamente para o mundo além suas próprias fronteiras.
A notícia boa é que o Brasil tem um grande potencial em vários desses quesitos. Ele pode até não ter força para impor sua vontade ou muita sofisticação tecnológica. Mas sem dúvidas trata-se de um dos países mais bem avaliados do mundo em termos de belezas naturais e urbanas e, por conta da importância da Amazônia para as questões ambientais que têm se tornado prioridade no mundo, tem influência na vida de todos no planeta e pode contribuir ativamente para melhorar o mundo com a sua luta pela proteção ambiental e contra o desmatamento.
O Brasil já tem uma imagem melhor do que merece na questão ambiental. Um levantamento realizado pelo consultor de imagens mostra uma diferença positiva de oito pontos entre a posição do país no ranking de emissões reais de gás carbônico em comparação com as percepções do público internacional sobre suas credenciais ambientais (usando dados do NBI). Mesmo enquanto o aumento da destruição da floresta reduzia o prestígio do Brasil no mundo, a sua imagem era melhor do que sua realidade.
O desafio não é simples, mas há, portanto, um amplo espaço para o Brasil seguir o que o novo governo diz ser a prioridade em sua luta pela proteção ambiental. É um caminho que tem potencial de realmente ajudar a cumprir essa “doutrina Lula” a partir de uma contribuição ativa para combater o aquecimento global e melhorar a vida do planeta.
*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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