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Interesse Nacional
30 março 2023

Daniel Buarque: A ‘doutrina Lula’ e o desafio de recuperar a imagem do Brasil

Governo diz que retomar relações com o mundo é prioridade, estudos mostram que o país caiu pelo menos sete posições em ranking de prestígio internacional, mas reabilitar a percepção é um trabalho difícil, que exige uma contribuição ativa para realmente melhorar o mundo e a vida das pessoas em outros países. Brasil tem potencial para fazer isso com a sua luta pela proteção ambiental e contra o aquecimento global

Governo diz que retomar relações com o mundo é prioridade, estudos mostram que o país caiu pelo menos sete posições em ranking de prestígio internacional, mas reabilitar a percepção é um trabalho difícil, que exige uma contribuição ativa para realmente melhorar o mundo e a vida das pessoas em outros países. Brasil tem potencial para fazer isso com a sua luta pela proteção ambiental e contra o aquecimento global

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a posse do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira (Foto: Ricardo Stuckert)

Por Daniel Buarque*

Desde que Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições, em outubro do ano passado, teve início um evidente trabalho de reconstrução de laços diplomáticos e de projeção positiva do país no exterior. A “volta” do país ao cenário global se tornou um tema frequente das discussões sobre a mudança no Planalto. Em entrevista à revista Americas Quarterly, o próprio ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, descreveu este objetivo como o princípio básico do novo governo. 

“Eu diria que a doutrina de Lula é restaurar a imagem do Brasil e suas relações – não apenas com nossos vizinhos latino-americanos, mas também restaurar a presença do Brasil no mundo, em todos os tipos de palcos mundiais, sejam eles bilaterais ou multilaterais”, disse Vieira. 

O chanceler argumenta que, durante o governo de Jair Bolsonaro, o país interrompeu sua tradição diplomática de ser um país aberto a todos os interlocutores, independentemente de suas posições ideológicas, e de manter contato, negociar e dialogar. E isso deve ser retomado a partir de agora. Lula “me disse para reconstruir todas as pontes e todos os canais de comunicação que haviam sido destruídos”, explicou.

‘Uma boa imagem ajuda na projeção internacional de um país e pode impulsionar a sua capacidade de atrair comércio, investimentos, turistas, talentos e consumidores para seus produtos e serviços’

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Trata-se de um conjunto de intenções importantes. De fato, o governo Bolsonaro teve um chanceler que declarou ser aceitável o Brasil se tornar um pária internacional, abusou do desgaste da reputação ambiental e fez o país perder prestígio no mundo de forma marcante. Mais do que uma preocupação trivial ou de mera questão diplomática, uma boa imagem ajuda na projeção internacional de um país e pode impulsionar a sua capacidade de atrair comércio, investimentos, turistas, talentos e consumidores para seus produtos e serviços.

Por um lado, o objetivo do novo governo parece factível. A reconstrução dos laços formais e diplomáticos na tradição brasileira já começou, e o próprio presidente tem tido uma ampla agenda de contatos e viagens com líderes estrangeiros. Considerando o que se via antes da eleição, quando muitos estrangeiros estavam em compasso de espera por um novo governo, a retomada de relações institucionais de fato parece em vias de se concretizar.

Mas nem tudo é tão simples. É verdade que a cobertura sobre o Brasil na imprensa internacional melhorou de forma marcante desde a vitória de Lula nas eleições, mas ainda assim há uma maior proporção de notícias negativas do que positivas publicadas na mídia estrangeira. 

‘Recuperar a imagem do país de forma mais ampla é um desafio muito maior do que o governo pode imaginar, e não há uma fórmula que leve a uma melhora rápida da reputação do país no resto do mundo’

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Recuperar a imagem do país de forma mais ampla é um desafio muito maior do que o governo pode imaginar, e não há uma fórmula que leve a uma melhora rápida da reputação do país no resto do mundo. “Danificar a imagem de um país é fácil”, diz o consultor Simon Anholt, um dos pioneiros do estudo de imagens de nações, mas melhorar essa imagem é bem mais complicado, completa.

O Brasil passou pela primeira situação ao longo da última década. Até 2013, o país configurava regularmente em torno da 20ª colocação no Nation Brands Index (NBI), estudo que avalia as imagens de diferentes países no mundo e desenvolve um ranking dos mais bem avaliados. Desde os protestos de junho daquele ano, a cobertura intensa da imprensa global sobre problemas do país durante a Copa do Mundo e das Olimpíadas, o impeachment de Dilma Rousseff, escândalos de corrupção, a eleição de Jair Bolsonaro, o aumento do desmatamento da Amazônia e os quatro anos de diplomacia “pária”, o país caiu bastante no ranking. Em 2022, apareceu na 27ª posição.

Gráfico elaborado pelo NBI mostra grande estabilidade da imagem da maioria dos países ao longo do tempo

Pode parecer pouco, mas é preciso ressaltar que o estudo de reputação muitas vezes é descrito como “entediante” por conta da estabilidade da percepção global sobre países. A população do mundo tende a não pensar muito sobre nações que não sejam a sua ou alguma outra mais próxima, e isso faz com que a variação na imagem dos países seja pequena. A não ser em caso de guerras (que derrubou o prestígio da Rússia) e de pandemias globais (que afetou a imagem da China), é difícil que algum evento isolado cause uma perda marcante na imagem de um país. Portanto, a queda gradual do Brasil no ranking pode ser vista como uma tendência problemática da última década — e com múltiplas causas.

Reverter isso não vai ser tão fácil quanto retomar contatos diplomáticos. Ainda de acordo com Anholt, não há uma fórmula mágica que ajude a promover uma imagem positiva de um país no resto do mundo. O novo governo até retomou o uso da “marca Brasil” para tentar promover o país, mas campanhas de publicidade definitivamente não têm impacto no nível de prestígio de um país. 

‘Sem um roteiro fixo, o caminho mais natural para reabilitar a imagem do país seria o de colocá-lo como uma força para o bem do mundo’

Sem um roteiro fixo, o caminho mais natural para reabilitar a imagem do país seria o de colocá-lo como uma força para o bem do mundo. Para subir no ranking global de imagens, Anholt explica, um país precisa ter belezas naturais e urbanas, ser capaz de ter influência na vida de pessoas em outros países, ter força suficiente para impor sua vontade internacionalmente, ter sofisticação e capacidade tecnológica e, principalmente, contribuir ativamente para o mundo além suas próprias fronteiras.

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A notícia boa é que o Brasil tem um grande potencial em vários desses quesitos. Ele pode até não ter força para impor sua vontade ou muita sofisticação tecnológica. Mas sem dúvidas trata-se de um dos países mais bem avaliados do mundo em termos de belezas naturais e urbanas e, por conta da importância da Amazônia para as questões ambientais que têm se tornado prioridade no mundo, tem influência na vida de todos no planeta e pode contribuir ativamente para melhorar o mundo com a sua luta pela proteção ambiental e contra o desmatamento.

O Brasil já tem uma imagem melhor do que merece na questão ambiental. Um levantamento realizado pelo consultor de imagens mostra uma diferença positiva de oito pontos entre a posição do país no ranking de emissões reais de gás carbônico em comparação com as percepções do público internacional sobre suas credenciais ambientais (usando dados do NBI). Mesmo enquanto o aumento da destruição da floresta reduzia o prestígio do Brasil no mundo, a sua imagem era melhor do que sua realidade.

O desafio não é simples, mas há, portanto, um amplo espaço para o Brasil seguir o que o novo governo diz ser a prioridade em sua luta pela proteção ambiental. É um caminho que tem potencial de realmente ajudar a cumprir essa “doutrina Lula” a partir de uma contribuição ativa para combater o aquecimento global e melhorar a vida do planeta. 


*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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