12 janeiro 2023

Daniel Buarque: Ataques à democracia ameaçam construção do prestígio do Brasil

A emergência do país está associada à estabilidade econômica e política. Após anos de piora da reputação internacional sob Bolsonaro, novo governo precisa superar a ameaça golpista para que o Brasil volte a construir um papel internacional importante.

A emergência do país está associada à estabilidade econômica e política. Após anos de piora da reputação internacional sob Bolsonaro, novo governo precisa superar a ameaça golpista para que o Brasil volte a construir um papel internacional importante.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, governadores e autoridades, cruzam a Praça dos Três Poderes, para visitar as instalações da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), um dia após os ataques que depredaram a sede do tribunal (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

Por Daniel Buarque*

O governo de Jair Bolsonaro passou quatro anos solapando qualquer estratégia de longo prazo do Brasil de construir um papel relevante para o país no mundo e ampliar seu status internacional. Durante todo o mandato do presidente de extrema-direita, o país viu sua imagem internacional piorar gradativamente em todas as suas dimensões, enquanto seu ministro de Relações Exteriores dizia abertamente que seria aceitável o país se tornar um pária. E agora, mesmo depois de Bolsonaro deixar o poder, quando a vitória de Lula e a posse do novo governo davam indícios de melhora da reputação brasileira, movimentos golpistas do bolsonarismo atacam a democracia e continuam ameaçando o prestígio do Brasil.

A mobilização golpista já começou a ampliar a construção de uma percepção negativa do país na imprensa internacional. Imagens da destruição em Brasília estamparam as capas de importantes jornais estrangeiros, como The New York Times e The Washington Post, e foram tema de reportagens e análises críticas em todo o mundo. Além disso, o Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil) captou um aumento da visibilidade do país, com viés negativo para a cobertura no exterior.

Este tipo de percepção externa de fragilidade democrática e mesmo de ameaça de golpe de Estado é um problema para o status do Brasil. É verdade que ser uma democracia não é um requisito para que uma nação se torne uma potência, como atestam os casos da China e da Rússia. Mas a ascensão de um emergente que não tem poder econômico e militar equivalente ao dessas nações mais poderosas do planeta faz com que seja necessário seguir caminhos alternativos para buscar prestígio. 

Em minha pesquisa de doutorado, ao avaliar a percepção das elites das grandes potências sobre o status do Brasil no mundo, ficou evidente que a estabilidade democrática construída nos anos 1990 e consolidada no início do século XXI ajudava muito no que era visto como a emergência do país no cenário global. Aquele momento em que o Brasil era a “bola da vez” e em que o país parecia ganhar relevância crescente foi construído, ao menos em parte, por essas credenciais democráticas.

Um dos focos do estudo desenvolvido no King’s College London (em parceria com a USP) era entender a percepção externa sobre as melhores estratégias que o Brasil usou, e nas quais poderia continuar apostando, para melhorar sua projeção internacional. Entre sugestões como o crescimento econômico, a hegemonia regional e a liderança ambiental, apareciam com destaque também a promoção da democracia e do desenvolvimento social como caminhos que poderiam ampliar o status brasileiro.

Para alguns dos membros da elite de política externa das grandes potências globais (especialmente nos Estados Unidos), o caminho democrático melhora a imagem do Brasil no mundo. Foi dessa forma que o país conseguiu por alguns anos se consolidar como um exemplo global de luta por justiça social, por exemplo. O país, disseram, só conseguiu decolar depois de se organizar em termos de democracia e estabilização econômica. E assim havia conseguido liderar pelo exemplo.

“Pelo lado político, o que o Brasil viveu nas últimas décadas é impressionante, e o fato de ter conseguido evoluir sem abandonar suas instituições e práticas democráticas é impressionante, e o mundo sabe disso”, avaliou um entrevistado americano. “Durante o período democrático, o Brasil sempre se desenvolveu cada vez mais”, disse um entrevistado da Rússia. 

“As pessoas em Washington têm uma visão positiva do Brasil e admiram o país e seu caminho democrático. O fato de ser um país grande e diverso e conseguir ter uma democracia com diversidade, evitando o tipo de populismo iliberal de esquerda que tomou conta de países como a Venezuela e a Bolívia é muito positivo”, disse outra fonte dos Estados Unidos. 

Esse interesse de lideranças globais em ver o Brasil seguir um caminho democrático ficou claro na reação crítica de muitos deles após o ataque em Brasília. Governantes de países de todo o mundo se pronunciaram contra os golpistas, e mesmo líderes normalmente mais alinhados politicamente à direita também se posicionaram de forma que isolou ainda mais Bolsonaro

Após os quatro anos de piora da reputação sob Bolsonaro, o melhor caminho para o Brasil consolidar um papel global relevante passa pela reconstrução da estabilidade democrática. Punir as ações criminosas é o primeiro passo, e de fato é necessário agir de forma dura contra a mobilização golpista. Mas, em um segundo momento, vai ser preciso levar adiante um governo que reduza a polarização política e promova a concertação, excluindo radicalismos a fim de dialogar de forma equilibrada com todo o país para promover o desenvolvimento nacional e a projeção internacional.


*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do Interesse Nacional. Doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP, é jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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