Daniel Buarque: Estereótipos e preconceito ofuscam imagem do Brasil mesmo entre as elites estrangeiras
Busca do país por maior prestígio internacional esbarra na falta de reconhecimento sobre as capacidades reais do país e do seu potencial de ter um papel de peso na política internacional. Pesquisa com as elites das grandes potências revela uma imagem ofuscada por clichês superficiais e ligados à ideia do Brasil como lugar apenas de festas e diversão
Busca do país por maior prestígio internacional esbarra na falta de reconhecimento sobre as capacidades reais do país e do seu potencial de ter um papel de peso na política internacional. Pesquisa com as elites das grandes potências revela uma imagem ofuscada por clichês superficiais e ligados à ideia do Brasil como lugar apenas de festas e diversão
Por Daniel Buarque*
Apesar de ter havido um claro aumento do interesse global sobre o Brasil nas últimas décadas e da narrativa sobre a ascensão do país no mundo no início do século, o nível de conhecimento internacional sobre o país ainda é muito limitado, mesmo entre as elites de nações poderosas. A percepção da comunidade de política externa das grandes potências é que o Brasil ainda é amplamente desconhecido no exterior. O país é mal compreendido, e as imagens do país são marcadas por estereótipos superficiais.
Estes são alguns dos resultados de um estudo sobre o status internacional do Brasil a partir da percepção da comunidade de política externa das grandes potências. Ele acaba de ser discutido no artigo científico It’s always sunny in Brazil – Images, stereotypes, ignorance, and the country’s international status, desenvolvido com base em minha pesquisa de doutorado pelo King’s College London (em parceria com a USP) e publicado pela revista acadêmica Opinião Pública. O trabalho analisa as percepções sobre o país mantidas pelas elites que compõem a comunidade de política externa dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas: Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China.
A avaliação é importante porque contrasta com a aspiração tradicional do país de ampliar seu prestígio internacional. Historicamente, o Brasil quer se tornar uma grande potência, mas para isso seu status precisa ser reconhecido como tal pelas potências estabelecidas. Prestígio depende de como um Estado é percebido pelas grandes potências, e cada país tem o status que outras nações reconhecem que ele tem. Portanto, além do potencial real do Brasil e de seus atributos formais de poder (que não são negligenciáveis), seu nível de prestígio depende da imagem que ele tem entre as nações mais poderosas do mundo.
Alguns estudos baseados em pesquisas de opinião pública em diferentes países já haviam apontado que o Brasil não é visto de fora como sendo um país sério, e que é percebido como “decorativo”, sendo associado a estereótipos não geralmente aplicados a países importantes na política global. O diferencial do artigo apresentado aqui é que ele vai além das populações gerais dos países e se concentra nas percepções de indivíduos que ajudam a definir a política dos Estados mais poderosos do mundo. Seu objetivo é avaliar qual é a imagem do Brasil na perspectiva dessas nações poderosas para compreender as difíceis barreiras que o país deve superar para avançar em suas aspirações de se tornar um ator importante na política global.
A percepção da comunidade de política externa das grandes potências é que o Brasil ainda é um país amplamente desconhecido e incompreendido, mesmo entre as elites e formuladores de políticas de algumas das nações mais poderosas do mundo. A ideia de que a imagem do Brasil se esconde por trás de uma parede de clichês foi desenvolvida a partir da análise de 60 entrevistas com esta comunidade das grandes potências. Foi um dos temas mais prevalentes desenvolvidos durante o estudo relacionado ao status internacional.
“O Brasil é um país desconhecido” foi um dos temas mais prevalentes desenvolvidos a partir da análise dos dados. Isso revela que a comunidade de política externa das grandes potências acredita que há uma ignorância geral sobre o Brasil dentro dessas nações, que a população geral em seus países sabe muito pouco sobre o Brasil e pensa apenas em termos de clichês superficiais.
Ao mesmo tempo, estereótipos e compreensão superficial também predominam entre políticos e especialistas que supostamente deveriam pensar em diplomacia e participar de decisões políticas que influenciam as relações dessas nações poderosas com o Brasil, segundo os entrevistados.
Isso pode dificultar uma compreensão mais aprofundada sobre o país e limitar o conhecimento sobre as reais capacidades e atributos de poder do país, o que, por sua vez, pode dificultar o aumento do nível de prestígio do Brasil.
Quando questionados sobre o que lhes vem à mente quando pensam no Brasil, e para descrever suas visões sobre a imagem do Brasil em suas próprias nações, o país foi associado a clichês superficiais por quase todos os entrevistados. E a maior parte desses clichês reforçam a ideia de que o Brasil não é percebido como um país sério.
A análise dos dados mostra que esta percepção está alinhada com o que as pesquisas com o público em geral revelam sobre as imagens do Brasil e que, mesmo quando as imagens são positivas, elas podem não apoiar a reivindicação do país por um status mais elevado.
As imagens mais citadas pelos entrevistados ao discutir as percepções sobre o Brasil foram, em ordem de destaque:
- Futebol
- Carnaval e samba
- Natureza e a Amazônia
- Praias
- Corrupção
- Violência e criminalidade
- Música
- Grandeza do país
- Simpatia
- Felicidade
- Turismo
- Distância
- Cultura
- Novelas
- Exotismo
- Rio de Janeiro
- Lula
- Povo divertido
- Café
- Mulheres e Sensualidade
É importante salientar que as imagens mais proeminentes sobre o Brasil costumam ser positivas, mas costumam estar relacionadas à ideia de que é um lugar ensolarado, com grande beleza natural, maravilhoso para férias, lazer e esportes, com muitas praias, música, festas, felicidade e sensualidade. No entanto, quando aspectos mais sérios de economia e política foram mencionados, eles eram principalmente com conotações negativas, focando em corrupção, subdesenvolvimento, pobreza e violência. Em resumo, as imagens do Brasil tanto entre a população geral quanto entre as elites políticas e de relações internacionais são clichês que revelam ignorância e um preconceito generalizado que pode dificultar os esforços do Brasil para aumentar seu status.
*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador no pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP (ISI/USP), doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de livros como Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial) e O Brazil é um país sério? (Pioneira).
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Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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