Daniel Buarque: O carnaval ofuscado e a oportunidade para mudar a imagem internacional do Brasil
Um dos principais estereótipos relacionados ao país, a festa de fevereiro teve pouco destaque na imprensa estrangeira neste ano. Noticiário evidencia que há espaço para o Brasil aparecer para o mundo além dos clichês de sempre, e pode se projetar como país sério, responsável e engajado com a comunidade internacional –especialmente com o foco na questão ambiental
Um dos principais estereótipos relacionados ao país, a festa de fevereiro teve pouco destaque na imprensa estrangeira neste ano. Noticiário evidencia que há espaço para o Brasil aparecer para o mundo além dos clichês de sempre, e pode se projetar como país sério, responsável e engajado com a comunidade internacional –especialmente com o foco na questão ambiental
Por Daniel Buarque*
Um estrangeiro desavisado que acompanha notícias sobre o Brasil apenas pela imprensa internacional é capaz de não ter tomado conhecimento sobre o carnaval que tomou as ruas do país nos últimos dias. Apesar de ser um dos mais tradicionais e consolidados estereótipos associados à imagem internacional do país, a folia deste ano foi ofuscada e ficou praticamente de fora do noticiário no exterior.
O Índice de Interesse Internacional publicado por este portal já indicava isso na sua edição mais recente, com coleta de menções ao Brasil até o último domingo. Mas mesmo após o fim da festa, na quarta-feira, foram poucas e esparsas as publicações a mencionar e noticiar o carnaval deste ano.
Em vez da festa, o que se viu com destaque na mídia estrangeira são relatos sobre a destruição causada pelas chuvas no litoral norte de São Paulo. E mesmo os poucos relatos sobre a folia carnavalesca acabam associando a festa a questões políticas e de meio ambiente. No fim, foram poucas as tradicionais galerias de fotos de desfiles de escola de samba e de blocos nas ruas do país que costumavam ser clichês da imprensa estrangeira nesta época do ano.
Essa situação fugiu ao que se pensava como regra sobre as percepções do Brasil. Em um estudo sobre como o país é visto no exterior, Rosana Bignami diz que a festa é a mais forte associação que se faz com o país, e que isso pode ser um problema. Segundo ela, ser o país do carnaval significa não ser o país de mais nada. “Significa ser o país da loucura, do frenesi total, da libertação dos sentidos nas massas de populações. Significa não reconhecer nenhuma outra manifestação cultural, nenhuma festa popular regional, data, herói ou símbolo nacional.”
Essa percepção externa dominada pela frivolidade também pode historicamente ser associada à discussão em torno da ideia de que o Brasil não é visto como um país sério. Ao priorizar a associação do país com festas, ficam excluídas interpretações do país como um lugar para se trabalhar, para produzir, para contribuir com a ordem internacional.
O carnaval também é uma das primeiras coisas que aparecem na mente de estrangeiros ao pensarem sobre o Brasil. Mesmo entre as elites de política externa das grandes potências, entrevistadas durante pesquisa sobre o status internacional do Brasil, a festa de fevereiro ficou atrás apenas do futebol como associação mais imediata ao país.
É claro que seria incorreto acreditar que, simplesmente porque a festa deste ano teve menos repercussão na imprensa internacional ou foi ofuscada por outras notícias, isso representaria uma mudança nos estereótipos relacionados ao Brasil. Ainda que a mídia mude o foco, o carnaval é um evento pontual, e levaria tempo e um longo processo para realmente mudar a forma como o Brasil é visto no exterior, especialmente considerando o quanto clichês estão entranhados na forma como o país é pensado de fora.
Um aspecto curioso da forma como a festa apareceu na imprensa neste ano é o fato de que isso acontece durante um processo em que o Brasil tenta reconstruir seu lugar no mundo. Em uma coincidência marcante, após quatro anos de evidente deterioração da percepção externa e isolamento do país em relação à comunidade internacional, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva busca melhorar as percepções do resto do mundo e conquistar uma maior credibilidade para o país. Isso ocorre com o relançamento de uma “marca” para promover o Brasil no exterior, mas também por um esforço de promover o país como uma nação confiável e responsável. Não que essa mudança tenha causado a redução da atenção dada ao carnaval, mas sem dúvida se encaixa bem no contexto da mudança de atenção dada ao país.
Ainda que seja cedo para falar de uma transformação real da imagem do país que retire as associações ao carnaval e outros aspectos de frivolidade, pode estar se formando uma oportunidade importante para o país de fato mudar a forma como se pensa sobre ele no resto do mundo. Isso vem especialmente de uma preocupação global crescente com questões ambientais, que levou à piora da imagem do país sob Jair Bolsonaro, mas que se converte em uma chance para o novo governo promover uma percepção diferente sobre o Brasil. Este tem sido o assunto a chamar mais a atenção da imprensa estrangeira em relação ao Brasil nos últimos tempos.
Mesmo que as notícias de desastres ambientais como as chuvas no litoral norte de SP tenham sido predominantes no momento, elas também podem ajudar a chamar a atenção para o fato de que o país está atento às mudanças climáticas e vai trabalhar para ajudar o planeta a reduzir os impactos do aquecimento global. Isso pode ser um passo inicial para o país de fato mudar a marca e passar a ser associado como uma nação que está atuando para melhorar aspectos de um problema que é de todo o mundo.
O noticiário evidencia que há espaço para o Brasil aparecer no mundo além dos clichês de sempre, e o governo pode aproveitar esta oportunidade para fazer o país ser visto como sério, responsável e engajado com a comunidade internacional.
*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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