iii-Brasil: Com vitória de Lula, imprensa estrangeira adota tom mais positivo sobre o Brasil
Série de reportagens, artigos e textos editoriais elogiosos ao resultado das eleições e ao político brasileiro em todos os veículos analisados ampliaram a cobertura favorável ao país. Tom positivo se refletiu na comemoração ao fim de variados problemas que costumam ser associados ao governo de Jair Bolsonaro, como a questão ambiental e da democracia
Série de reportagens, artigos e textos editoriais elogiosos ao resultado das eleições e ao político brasileiro em todos os veículos analisados ampliaram a cobertura favorável ao país. Tom positivo se refletiu na comemoração ao fim de variados problemas que costumam ser associados ao governo de Jair Bolsonaro, como a questão ambiental e da democracia
Por Daniel Buarque e Fabiana Mariutti*
iii-Brasil – 31 de outubro a 6 de novembro de 2022
Visibilidade: 161 reportagens em 7 veículos analisados
Classificação das notícias:
55% Neutras
26% Negativas
19% Positivas
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República gerou um aumento na proporção de textos da imprensa estrangeira a mencionar o Brasil com tom positivo. Uma série de reportagens, artigos e textos editoriais com reconhecimento ao vitorioso em todos os veículos analisados pelo Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil) ampliaram a cobertura favorável ao país.
Na semana que se iniciou na segunda-feira após o segundo turno das eleições presidenciais, 19% dos textos sobre o Brasil tinham viés favorável, com potencial de melhorar a imagem internacional do país. Este percentual é um dos mais altos registrados desde o início da análise da cobertura externa sobre o país, que também representa 8 pontos acima da média semanal de textos com tom positivo, que é de 11%. E é especialmente relevante por se tratar da cobertura de política, rompendo com uma tradição em que as menções positivas ao país se concentravam em temas mais “leves” como cultura e esportes.
No total, foram registrados 161 textos com menção ao Brasil nos sete veículos analisados. A maior parte dos textos sobre o Brasil (55%) no período teve tom neutro. O período desta semana registrou ainda 26% de textos com tom negativo, com potencial de piorar o prestígio do país no mundo.
O segundo turno das eleições presidenciais escalou a visibilidade do país na imprensa internacional nas últimas duas semanas. No total, entre 24 de outubro e 6 de novembro foram registradas 330 reportagens com menções de destaque ao Brasil nos sete veículos da imprensa estrangeira analisados pelo iii-Brasil. Isso representa uma média de 165 artigos por semana, quase três vezes a média de 59 reportagens sobre o país registradas semanalmente ao longo das 29 semanas de análise até as eleições.
Na semana anterior, que se encerrou no domingo da eleição, havia sido possível perceber uma oscilação do tom editorial usado pelos jornais estrangeiros para falar sobre o país no período. Até o domingo, dia da eleição, era evidente o olhar crítico sobre a situação política do país, com artigos a respeito da tensão vivida pelo país, análises negativas sobre o governo de Bolsonaro e a preocupação noticiosa sobre o estado da democracia brasileira. A partir do fim do domingo (30), alguns jornais estrangeiros já noticiaram a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva com um tom mais positivo, o que acabou se reforçando na semana seguinte, como analisado neste relatório.
Abordagens positivas, em muitos casos, se refletiram na celebração ao fim de muitos estorvos associados ao governo de extrema-direita. É o caso da questão ambiental, que foi relatado com ênfase pela imprensa estrangeira, e também da democracia.
Isso ficou bem evidente na cobertura do jornal americano The New York Times. O diário publicou artigos falando sobre os avanços que Lula conseguiu na proteção das florestas durante seus governos anteriores, e diz que ele pode atuar para reduzir o desmatamento. Além disso, também publicou uma reportagem elogiando a atuação das instituições brasileiras durante a eleição e indicou que os EUA podem aprender com o Brasil formas de assegurar a democracia.
“No Brasil, quando a apuração mostrou que o titular havia sido destituído após apenas um mandato, o governo respondeu de forma conjunta, rápida e decisiva. O presidente do Senado, o procurador-geral, os ministros do STF e os chefes do tribunal eleitoral foram juntos à televisão e anunciaram o vencedor. O presidente da Câmara, talvez o aliado mais importante do presidente, leu então um comunicado reiterando que os eleitores haviam falado. Outros políticos de direita rapidamente seguiram o exemplo”, diz.
De forma semelhante, o francês Le Monde chamou a vitória de Lula de “alívio global”: “A democracia falou no Brasil. No domingo, 30 de outubro, ela demitiu o atual presidente Jair Bolsonaro após um mandato de caótico e raivoso exemplificado pelo tratamento abismal da pandemia de Covid-19, o saque da Amazônia, ataques à democracia e um fluxo constante de declarações racistas, sexistas e homofóbicas”.
O diário britânico The Guardian, tradicionalmente um dos mais críticos ao governo de Bolsonaro reverteu o tom negativo com o qual vinha descrevendo a política brasileira. “Volta de Lula é boa para o Brasil e para o mundo”, diz o editorial. “Sob Bolsonaro, o Brasil perdeu seu rumo – e sua cabeça. A vitória de Lula mostra que o país pode voltar ao caminho da sanidade”, diz.
O jornal espanhol El País publicou pelo menos sete artigos de opinião positivos sobre a vitória de Lula, ao longo da semana. Em um editorial que reflete a opinião da publicação, diz que o Brasil volta à cena internacional e reforça a democracia no mundo. “Em poucas ocasiões uma eleição repercute sobre a marcha do mundo com tanta intensidade como o caso da presidencial do Brasil”, diz. “O novo mundo que se apresenta no atual terremoto geopolítico europeu em torno da ascensão iliberal e autoritária, e sobretudo por conta da guerra de Putin contra a Ucrânia, necessita de um Brasil como o de Lula, aberto de novo à cena internacional e comprometido com o futuro da democracia e a ordem internacional multilateral”, diz.
Também nesse sentido elogioso, o diário português Público veiculou um artigo de opinião parabenizando o Brasil pela escolha de Lula. “É admirável o povo brasileiro na coragem, na liberdade, na esperança, na expressão, na capacidade de encaixe, na luta, na desinibição, no humor, na combatividade e na filosofia de vida”, diz.
O argentino Clarín publicou textos de opinião mais neutros, falando sobre os desafios que vão ser enfrentados pelo novo presidente brasileiro, mas destacou positivamente a visita do presidente do país a Lula logo após o resultado das eleições.
Até mesmo o chinês China Daily, normalmente avesso à cobertura sobre política brasileira e mais neutro em suas descrições do país, embarcou no otimismo da mídia estrangeira sobre a eleição de Lula. Em editorial, o jornal fala da perspectiva de cooperação entre China e Brasil com o novo presidente. A publicação cita a mensagem oficial do governo chinês parabenizando Lula e diz que há otimismo na China em relação a Lula. “Afinal, os dois mandatos da presidência anterior de Lula testemunharam um significativo aprimoramento das relações, e o próprio ex-presidente tinha um histórico de liderança pragmática e consciente da importância da cooperação internacional e, portanto, um firme defensor do multilateralismo.”
Uma semana de novembro de 2022 que marca o início da transição da percepção externa sobre um país visto como adoecido para um mais realista, que pelo menos, começa a se recuperar. Apesar desse evidente aumento no tom positivo usado para tratar de assuntos relacionados diretamente com o Brasil, a cobertura estrangeira da semana após a eleição ainda destacou de forma negativa questões ligadas à política brasileira, ainda doente com reações adversas. Afinal, em 2017, um pesquisador britânico ao ser entrevistado para uma pesquisa sobre a reputação do país, resumiu o Brasil como um país esquizofrênico1.
A crítica dos conteúdos dos jornais analisados tangenciam essa evidência científica, por ser explicitamente clara à reação do presidente atual, que demorou a admitir a derrota em público, falou de forma vaga e pareceu insuflar protestos contra o resultado. Adicionalmente, apresentou viés negativo na cobertura sobre essas manifestações de caráter golpista dos eleitores de Bolsonaro. Ainda que a opinião dos veículos apontasse para a recuperação da saúde mental e física da democracia brasileira, a maioria dos noticiários deixam indícios indubitáveis que o país ainda enfrenta sérios sintomas dos problemas acarretados nos últimos quatro anos, com visíveis necessidades terapêuticas com intervenções para tratamento econômico, social, ambiental e cultural em busca da cura efetiva da política nacional, da melhora da reputação e da recuperação da diplomacia pública do Brasil no exterior.
Retrospectiva
Desde o início de abril, o iii-Brasil, ao estudar a imagem internacional do Brasil, coletou e analisou em média 66 reportagens por semana com menções de destaque ao país nos sete veículos de imprensa analisados.
Ao longo do levantamento das últimas 31 semanas, o iii-Brasil registrou em média 51% de reportagens de tom neutro, 38% de menções com tom negativo e 11% de textos positivos sobre o país.
*Daniel Buarque é editor-executivo do Interesse Nacional, doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).
Fabiana Mariutti atua como professora universitária, pesquisadora e consultora; obteve pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração e bacharel em Comunicação Social. Estuda a marca Brasil desde 2010. Autora dos livros: “Country Reputation: The Case of Brazil in the United Kingdom: Four Stakeholders’ Perspectives on Brazil’s Brand Image” (2017) e “Country Brand Identity: Communication of the Brazil Brand in the United States of America” (2013).
1Mariutti, F., & Giraldi, J. (2020). Country brand personality of Brazil: a hindsight of Aaker’s theory. Place Branding and Public Diplomacy, 16(3), 251-264.
O Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil) é uma análise da imagem do país realizada a partir de um levantamento sistemático de dados sobre notícias que mencionam o Brasil a cada semana em sete publicações internacionais, selecionadas como representativas da imprensa internacional por serem reconhecidas internacionalmente como “newspapers of record”. São elas: The Guardian (Reino Unido), The New York Times (Estados Unidos), El País (Espanha), Le Monde (França), Clarín (Argentina), Público (Portugal) e China Daily (China). O iii-Brasil é produzido semanalmente pela equipe do portal Interesse Nacional e pela pesquisadora Fabiana Mariutti. Professora universitária e consultora; obteve pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração e bacharel em Comunicação Social. Estuda a imagem, reputação e marca Brasil desde 2010. Interesse nas áreas de Place Branding e Public Diplomacy. Nomeada Place Brand Expert pelo The Place Brand Observer, na Suíça. Autora do recente artigo: “When place brand and place logo matches: VRIO applied to Place Branding”, de dois livros e sete capítulos de livros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional