Os impactos para o Brasil em caso de uma vitória de Trump nas eleições nos EUA
No espaço internacional, com a extrema-direita na Argentina e alguns países europeus, o ambiente político-ideológico já está mais difícil para Lula, e a vitória de Trump, levaria a um maior isolamento ideológico do Brasil
Em março passado, Donald Trump venceu as primárias do partido republicano e assegurou sua candidatura à presidência dos EUA. Mesmo faltando meses para Trump e Joe Biden se enfrentarem nas urnas, avistar a possibilidade do retorno de um extremista de direita à Casa Branca tem gerado questionamentos, se não apreensão, na comunidade internacional.
Se eleito, as falas de Trump apontam para uma retomada das ações do seu primeiro mandato, marcadas pelo discurso nacionalista de permanente polarização doméstica e internacional com grupos identificados à esquerda, restrições ao multilateralismo e críticas às instituições responsáveis pela governança global.
Pensando nesse cenário – e cientes da impossibilidade de prévia definição do vencedor da disputa eleitoral estadunidense –, nos perguntarmos: mas afinal, que impactos o Brasil teria a partir de um governo Trump 2.0?
Tomando a atual política externa brasileira e o perfil do líder político dos EUA, já sabemos que, ao contrário da relação estabelecida com o ex-presidente Bolsonaro, haveria poucos assuntos em comum entre os dois governos. Assim, para este breve exercício que nos propomos aqui, consideramos três grandes desafios ao Brasil: manutenção da democracia liberal, política externa regional e multilateralismo.
No início de 2022 o Brasil sofreu uma grave tentativa de golpe de Estado realizado por extremistas de direita fortemente vinculado ao movimento homólogo dos EUA. Na época, esse episódio foi, inclusive, um importante ponto de aproximação entre Biden e Lula. Contudo, com Trump no poder, Lula poderá enfrentar dificuldades na sua agenda voltada à defesa das instituições democráticas representativas.
No Brasil o movimento não está derrotado e a ascensão de Trump ao poder nos EUA pode levar ao fortalecimento destes grupos aqui no país. No espaço internacional, com a extrema-direita na Argentina e alguns países europeus, o ambiente político-ideológico já está mais difícil para Lula. Assim, a vitória de Trump, levaria a um maior isolamento ideológico do Brasil.
Apesar das eventuais convergências existentes, historicamente as relações do Brasil com os EUA são marcadas pelo desafio da assimetria de poder e pela hegemonia regional americana vigente há mais de um século. Com Trump é possível que essa dinâmica deixe de ser “apenas” limitada para tornar-se conflituosa. Por exemplo, os EUA provavelmente ampliarão a pressão para o Brasil assumir maior alinhamento às políticas anti-imigratórias, de combate a governos de esquerda vistos por Trump como inimigos.
Para seu apoio, Washington também terá disponível governos de ultradireita na região, como de Javier Milei da Argentina. Um cenário como esse choca-se com as propostas brasileiras de construção do diálogo regional e também mina o projeto de liderança de Lula.
Por fim, a intensiva revisão dos compromissos internacionais assumidos pelos Estados Unidos e a crítica permanente à ordem liberal fundada por eles mesmos há 80 anos devem ser reerguidas na administração republicana. Como aconteceu no primeiro mandato de Trump, quando os EUA, por exemplo, revisaram a postura em negociações na área de meio-ambiente (vide o Acordo de Paris) e até mesmo saíram da Organização Mundial da Saúde. O Brasil de Lula vem realizando contundentes críticas a estas organizações, mas, ao contrário da política de Trump, não tem objetivo de esvaziá-las e sim de reformá-las para se tornarem representativas aos países do chamado Sul Global.
Portanto, uma eleição de Trump aumentará ainda mais as tensões geradas pelas atuais disputas hegemônicas em curso no sistema internacional. Neste cenário, em que pautas do Sul Global tendem ficar de fora das principais discussões, o Brasil precisará fortalecer ainda mais seus laços com as forças progressistas regionais e internacionais existentes bem como aprofundar a diversificação de suas parcerias estratégicas para defender nosso interesse nacional.
Este texto foi publicado originalmente na newsletter “Brasil em foco” de março de 2024 da Fundação Konrad Adenauer
Luciana Wietchikoski é doutora em ciência política pela UFRGS com estágio pós-doutoral em relações internacionais pela UFSC e professora na Unisinos
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