19 julho 2023

Os laços da China com Cuba e sua crescente presença na América Latina geram preocupações em Washington quanto à segurança, mesmo enquanto líderes tentam aliviar as tensões

Estados Unidos tentam reatar as relações com a China, mas, ao mesmo tempo, se preocupam com a influência chinesa em sua vizinhança. Para pesquisador e ex-funcionário do governo norte-americano, os laços com Cuba, a espionagem e as atividades militares chinesas são grandes preocupações para a segurança nacional do país

Estados Unidos tentam reatar as relações com a China, mas, ao mesmo tempo, se preocupam com a influência chinesa em sua vizinhança. Para pesquisador e ex-funcionário do governo norte-americano, os laços com Cuba, a espionagem e as atividades militares chinesas são grandes preocupações para a segurança nacional do país

Por Leland Lazarus* 

Os líderes em Washington e Pequim estão se esforçando para colocar as relações entre os Estados Unidos e a China de volta nos trilhos. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, reuniu-se com o presidente Xi Jinping na China em junho de 2023 para reabrir as linhas de comunicação entre os países. E a secretária do Tesouro, Janet Yellen, visitou a China em julho para tentar estabilizar os laços econômicos entre os EUA e a China.

‘O trabalho para estabilizar as questões de segurança entre os dois países, um ponto de discórdia de longa data, pode ter um horizonte mais longo.’

No entanto, o trabalho para estabilizar as questões de segurança entre os dois países, um ponto de discórdia de longa data, pode ter um horizonte mais longo.

Na verdade, a decisão do exército dos EUA de abater um suposto balão espião chinês que estava sobrevoando o país em fevereiro de 2023 descarrilou a viagem diplomática que Blinken planejou para a China no início do ano.

Agora, há notícias de que a China fez acordos com Cuba para instalar uma estação de espionagem eletrônica no país insular, a apenas 145 quilômetros da Flórida – algo que as autoridades do governo cubano negaram – e para construir uma instalação de treinamento militar no local. Essas medidas refletem os esforços da China para aumentar sua influência na América Latina e no Caribe.

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Em junho, um funcionário do governo Biden disse que a espionagem da China a partir de Cuba é uma questão contínua que antecede o período do presidente no cargo e que a inteligência dos Estados Unidos sabia que a China havia atualizado as instalações de espionagem existentes em Cuba em 2019.

Como pesquisador das relações entre a China e a América Latina e ex-funcionário do governo dos EUA, tenho visto em primeira mão a crescente influência da China na América Latina e no Caribe e estou preocupado com suas implicações de longo alcance para a segurança nacional dos EUA.

Perto demais para o conforto

‘A base de espionagem e as instalações de treinamento militar da China em Cuba estariam localizadas perto da estação naval dos Estados Unidos na Baía de Guantánamo’

A base de espionagem e as instalações de treinamento militar da China em Cuba estariam localizadas perto da estação naval dos Estados Unidos na Baía de Guantánamo, que abriga várias unidades militares dos Estados Unidos, como o Comando Sul dos EUA, em Miami, o Comando Central dos EUA e o Comando de Operações Especiais dos EUA, ambos em Tampa, juntamente com seus vários comandos componentes.

A instalação permitiria que os oficiais de inteligência chineses interceptassem melhor as informações militares confidenciais transmitidas entre os comandos militares dos EUA, rastreassem os líderes diplomáticos e militares seniores dos Estados Unidos em suas viagens pela região, monitorassem o movimento de navios comerciais e da Marinha norte-americana e obtivessem detalhes sobre exercícios militares, conferências e treinamentos com vários países da América Latina e do Caribe.

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Essa instalação também poderia reforçar o uso de redes de telecomunicações pela China para espionar cidadãos americanos.

‘As autoridades americanas suspeitam que empresas chinesas estejam ajudando o governo chinês a coletar dados confidenciais sobre líderes do governo local e cidadãos privados’

Há muito tempo, as autoridades americanas suspeitam que as empresas chinesas de telecomunicações Huawei e ZTE estejam instalando servidores e equipamentos de rede em todo o mundo, inclusive em Cuba, para ajudar o governo chinês a coletar dados confidenciais sobre líderes do governo local e cidadãos privados.

As empresas chinesas, como a China Harbor Engineering Company, construíram dezenas de projetos de portos de águas profundas em países da América Latina e do Caribe, onde as agências de inteligência chinesas poderiam rastrear os movimentos de navios comerciais ou militares dos EUA em torno de importantes rotas marítimas, como o Canal do Panamá, o que poderia ajudar a China a entender onde restringir as rotas marítimas dos americanos durante um possível conflito militar.

As empresas chinesas também têm construído ou operado 12 instalações de pesquisa espacial na América do Sul que podem ser usadas para pesquisas espaciais legítimas. Mas os EUA e outras autoridades expressaram preocupação de que esses mesmos locais poderiam ser usados para espionar satélites e interceptar informações confidenciais.

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Polícia chinesa ilegal

As forças policiais chinesas também estão se tornando cada vez mais presentes. Em abril de 2023, o FBI prendeu dois cidadãos chineses por supostamente estarem operando uma delegacia de polícia ilegal em Chinatown, na cidade de Nova York. De acordo com o New York Times, os homens supostamente assediavam dissidentes chineses que viviam nos EUA.

‘A China supostamente opera cem postos avançados de polícia em todo o mundo.’ 

A China supostamente opera cem desses postos avançados de polícia em todo o mundo. Quatorze deles estão em oito países da América Latina e do Caribe.

Além disso, a China vem intensificando seu compromisso com a aplicação da lei na América Latina e no Caribe, doando coletes anti-bala, capacetes e veículos para as forças de segurança locais, e agentes da lei da América Latina e do Caribe foram à China para receber treinamento.

As empresas chinesas Huawei, ZTE, Dahua e Hikvision doaram câmeras de vigilância e tecnologia de reconhecimento facial para prefeituras da Argentina, Brasil, Bolívia, Equador, Guiana e Suriname.

Embora essas empresas chinesas implementem essas tecnologias para ajudar os governos da América Latina e do Caribe a reduzir a criminalidade, elas também podem usá-las para espionar o corpo de funcionários do governo norte-americano que vivem nesses países. De fato, os Estados Unidos proibiram algumas dessas empresas por temerem que elas espionem para o governo chinês.

A participação da China em atividades de aplicação da lei nesses países prejudica a posição dos EUA como o parceiro de segurança preferido da região.

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Décadas de uma crescente influência 

Enquanto isso, uma das principais fontes de conflito entre os Estados Unidos e a China é o fornecimento da droga fentanil. Em abril de 2023, o governo Biden declarou o fentanil uma ameaça emergente à segurança nacional dos EUA. A cadeia de suprimentos global do fentanil geralmente termina nas ruas dos Estados Unidos, mas começa em vários laboratórios de empresas farmacêuticas na China. Os departamentos do Tesouro e da Justiça dos EUA sancionaram ou acusaram várias empresas e indivíduos chineses de vender conscientemente precursores de fentanil a agentes de cartéis mexicanos, que então produzem o fentanil mortal e o vendem aos americanos.

‘A conexão entre a China e Cuba é apenas um exemplo de como o governo chinês e as empresas chinesas vêm expandindo sua influência na porta dos Estados Unidos há décadas.’

A conexão entre a China e Cuba é apenas um exemplo de como o governo chinês e as empresas chinesas vêm expandindo sua influência nas portas dos Estados Unidos há décadas. Não apenas por meio de comércio e investimento, mas também por meio de espionagem, atividades militares, de aplicação da lei e de drogas. Essas atividades afetarão muito a segurança nacional dos EUA nos próximos anos.


*Leland Lazarus é diretor associado de segurança nacional na Florida International University.


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.

Tradução de Letícia Miranda


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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