14 abril 2023

Rubens Barbosa: Realinhamentos na América Latina

Enquanto o mundo passa por uma mudança no posicionamento de vários países, a região é a que menos cresce e menos se conecta com os setores dinâmicos da economia global e não consegue montar blocos fortes. Para embaixador, o Brasil tem excesso de poder em meio ambiente, mudança de clima, segurança alimentar e energia renovável, e poderia usar isso para liderar a América do Sul, influindo no realinhamento global

Enquanto o mundo passa por uma mudança no posicionamento de vários países, a região é a que menos cresce e menos se conecta com os setores dinâmicos da economia global e não consegue montar blocos fortes. Para embaixador, o Brasil tem excesso de poder em meio ambiente, mudança de clima, segurança alimentar e energia renovável, e poderia usar isso para liderar a América do Sul, influindo no realinhamento global

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao lado de outros líderes da região em foto oficial da VII Cúpula da Celac (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Rubens Barbosa*

As profundas transformações na economia global e no cenário político internacional estão mostrando um crescente realinhamento de países e grupos de países e tomada de inovadoras iniciativas para se ajustarem às novas circunstâncias.

Como ficam a América Latina e o Brasil nesse novo cenário?

Os EUA deixaram de ser a potência dominante, embora preservem a região como área importante de influência. China, Rússia, Irã e Turquia aumentaram sua presença, sobretudo a partir da Venezuela e do petróleo. A Europa dá sinais de buscar maior aproximação para reduzir sua dependência da Rússia e, em especial, da China. O acordo do Mercosul com a União Europeia, quando entrar em vigência, desempenhará um papel importante na expansão dos vínculos comerciais do grupo com a Europa.

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A América Latina, às voltas com crises econômicas e políticas, é a região que menos cresce e menos se conecta com os setores dinâmicos da economia mundial. Com problemas políticos e econômicos internos, a perspectiva dos países latino-americanos é de um crescimento baixo em 2023 (1,2%) com inflação moderada. O México é o único país latino que está se beneficiando da descentralização das cadeias produtivas, atraindo investimentos europeus e asiáticos (China) para o estabelecimento de fábricas para produzir bens para exportar para os EUA. 

Dadas as circunstâncias atuais, a América do Sul não está no radar nem dos EUA nem de países de outras regiões que buscam novas alianças e parcerias para descentralizar as cadeias produtivas centralizadas na China. Não há sinais de que cadeias produtivas regionais possam ser estabelecidas. 

‘A América do Sul não está no radar nem dos EUA nem de países de outras regiões que buscam novas alianças e parcerias para descentralizar as cadeias produtivas’

A América do Sul, pela ausência de uma estratégica do Brasil nos últimos anos, está cada vez mais marginalizada do ponto de vista estratégico, econômico e comercial. O

Brasil voltou a integrar a Celac, agrupamento de todos os países do hemisfério, menos os EUA e o Canadá. Brasil e Argentina juntam-se a Unasul, esvaziada e integrada hoje apenas por Bolívia, Venezuela, Suriname, Guiana e Peru (suspenso) e ao Conselho de Defesa. Desintegrada, contrariando a tendência de maior integração regional que ocorre em todos os outros continentes, tenderá a ficar anda mais afastada dos centros de poder, apesar do potencial de seus recursos agrícolas e minerais que poderiam reforçar um maior aproveitamento das oportunidades que estão surgindo no mundo em transformação.

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O acordo Mercosul-União Europeia voltou a ser discutido e se espera avanços para sua assinatura e ratificação. Equador assinou acordo de livre comércio com a China e Honduras estabeleceu relações com a China, rompendo com Taiwan. O Tratado de Cooperação Amazônico, depois de anos de esquecimento, volta a ser ativado pelo Brasil e realizara reunião presidencial nos próximos meses.

Nesse quadro mais amplo, como está o Brasil nos primeiros cem dias desde que luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência? 

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O novo governo tomou algumas iniciativas para recolocar o Brasil no cenário internacional. Depois de visitar a Argentina, Uruguai, EUA, o presidente Lula está em visita a China e se encontra nesta sexta (14) com o presidente Xi Jinping. Os resultados da visita à China, pelo que se anuncia, vão mostrar um relacionamento mais amplo e dinâmico do Brasil com Pequim do que com os EUA, o que vai mostrar riscos nas relações com Washington, como começam a indicar papeis do Pentágono vazados recentemente para a imprensa. O governo japonês convidou o Brasil para participar da reunião do G-7 em Tóquio em julho. O Brasil vai presidir o G-20 a partir de dezembro.

Pouco se sabe como o governo atual vai defender os interesses nacionais nas prioridades que foram apresentadas: meio ambiente e mudança de clima no centro das preocupações das políticas governamentais, prioridade para a América Latina e a ação para propiciar eventual suspensão das hostilidades e a negociação de um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia.

‘A iniciativa de promover a discussão sobre a paz na guerra da Ucrânia está acima da capacidade de o Brasil influir em questões militares’

A iniciativa de promover a discussão sobre a paz na guerra da Ucrânia está acima da capacidade de o Brasil influir em questões militares pelo fato de o Brasil não ter excesso de poder para com seu peso determinar os rumos de acontecimentos envolvendo potências globais nucleares. O tema deverá ser discutido na próxima semana quando da visita do ministro do exterior russo, Sergei Lavrov.  

O Brasil tem excesso de poder em três áreas: meio ambiente e mudança de clima, segurança alimentar e energia renovável. Nessas áreas, o país poderia liderar a América do Sul para influir no referido realinhamento global.

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No tocante às tensões EUA-China e às consequências da guerra na Ucrânia, a posição de manter equidistância e ampliar a cooperação com todos (EUA, China, Rússia), atende aos interesses brasileiros, mas necessita ser claramente explicitada, como fez a Índia em uma situação muito mais complexa do que a do Brasil.

Ninguém duvida de que o Brasil é um país ocidental, com seus valores e princípios (democracia, direitos humanos, livre mercado, liberdade de imprensa), mas, por circunstâncias econômicas, o Brasil, hoje e nos próximos anos, está cada vez mais dependente da Asia, em especial da China.

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O governo brasileiro tem de explicitar, de forma clara, nossos interesses no atual momento e procurar exercer seu poder efetivo nas três áreas mencionadas, onde tem poder e influência. Nessas áreas o Brasil tem de ser uma força na definição de regras e não um simples cumpridor de regras definidas em outras regiões. Esse realinhamento é o grande desafio do atual governo. Essa decisão tem de ser tomada sem influência ideológica, partidária ou geopolítica, com base apenas no interesse nacional. 


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

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Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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