Trump, o Brasil, a ideologia e as tarifas no comércio exterior
Possível volta do ex-presidente americano ao poder poderia isolar o Brasil ideologicamente e pressionar o país na economia, o que favorece a aposta do governo Lula em relações multilaterais e parcerias com outros atores internacionais
Ninguém perguntou ao ex-presidente dos EUA Donald Trump o que ele pensa sobre o Brasil nos últimos meses. Mas o atual candidato republicano a voltar a governar os EUA mencionou o país de forma voluntária em uma entrevista à revista Time, quando o modelo brasileiro de tarifas de comércio exterior foi tratado como exemplo em seu discurso.
“O Brasil é um país com tarifas muito grandes”, disse, ao ser questionado sobre como pretendia tratar da questão de impostos de importação e exportação. Trump mencionou o interesse em criar novas taxas a exemplo do que já fazem outros países.
“O que vai acontecer e o que outros países fazem com muito sucesso, sendo a China líder disso. A Índia é muito difícil de lidar. Índia – me dou muito bem com Modi, mas é muito difícil lidar com eles no comércio. A França é francamente muito difícil no comércio. O Brasil é muito difícil no comércio. O que eles fazem é cobrar muito caro para entrar. Eles dizem: não queremos que você envie carros para o Brasil ou não queremos que você envie carros para a China ou a Índia. Mas se você quiser construir uma fábrica dentro do nosso país e empregar nosso pessoal, tudo bem. E é basicamente isso que estou fazendo. E isso é – eu estava fazendo e fazendo com força, mas estava pronto para realmente começar e então fomos atingidos pela Covid”
A possível volta de Trump ao poder nos EUA tem sido tratada como motivo de tensão no Brasil e em outros países do mundo. Em artigo recente publicado no portal Interesse Nacional, a pesquisadora Luciana Wietchikoski argumentou que uma vitória de Trump aumentaria ainda mais as tensões geradas pelas atuais disputas hegemônicas em curso no sistema internacional, e levaria a um maior isolamento ideológico do Brasil.
A resposta do ex-presidente e candidato sobre a questão econômica, entretanto, indica que a pressão sobre o Brasil pode não ser exatamente por ideologia, mas por interesses comerciais. Caso ele volte ao poder, os EUA devem passar a atuar de forma mais dura nas negociações com o resto do mundo, o que pode criar pressão para os interesses de países como o Brasil.
Este modelo mais pragmático de defesa dos interesses dos EUA (“America First”, como diz sua campanha) já dominou boa parte das relações entre os dois países no governo anterior do americano. Mesmo que Trump e o ex-presidente Jair Bolsonaro fossem alinhados ideologicamente e se declarassem amigos, isso não impediu os EUA de impor tarifas sobre metais brasileiros.
Indo além de qualquer questão ideológica ou de uma preocupação com o estado de Direito e a democracia, portanto, uma possível volta de Trump ao poder pode ter impactos na economia brasileira e nas suas relações com o mundo.
Neste contexto, a aposta que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem feito no fortalecimento de relações diplomáticas e comerciais com o Sul Global pode fazer mais sentido do que parecia à maioria dos observadores. Por mais que o alinhamento tenha interesses em promover o status do Brasil no mundo, ao criar laços com outros países e multiplicar suas parcerias, o Brasil passa a depender menos dessa relação com os Estados Unidos — ainda que isso não signifique um rompimento, e o país continue sendo um parceiro fundamental para a política externa brasileira.
Mesmo que críticos apontem como erro um fortalecimento de relações com países antidemocráticos como a China ou mesmo a Rússia, uma abordagem realista da política internacional no contexto da geopolítica global do século XXI há muitos cenários em que não há mais “mocinhos” e “bandidos” muito evidentes. Quando nem mesmo o “farol da democracia mundial” parece seguro da sua estabilidade e do seu papel no mundo, prevalece a máxima de que em relações internacionais não há amigos ou inimigos, mas apenas interesses.
E cabe ao Brasil defender os seus. Independentemente de quem seja o presidente americano, da sua ideologia ou mesmo da saúde da sua democracia, o Brasil deve continuar buscando uma relação saudável e que favoreça sua posição internacional. Se uma vitória de Trump pode levar a um “isolamento” do país e impuser tarifas que dificultem o comércio bilateral, nada mais acertado do que construir laços com outras nações, que ajudem o Brasil a atingir seus objetivos — e aqui, mais uma vez, independentemente de quem seja o governante, a ideologia e mesmo a situação da democracia nesses países.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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