20 dezembro 2024

Venezuela – Desafio para a política externa brasileira

Posses de Maduro e Trump vão colocar a situação do país no centro das atenções, gerando pressão também sobre o Brasil, que não reconhece a vitória do venezuelano e tem tido dificuldades em atuar em favor dos exilados na embaixada da Argentina

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante reunião com presidentes de países da América do Sul, no Palácio do Itamaraty (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A posse de Nicolás Maduro em 10 de janeiro vai colocar a Venezuela novamente no centro das atenções globais, em especial dos EUA, no mesmo momento da posse de Donald Trump, republicano, conservador e anti-esquerda.

Além da contestação da legitimidade da eleição e do apoio à posse simbólica de Edmundo Gonzalez como presidente da Venezuela, a situação de seis venezuelanos exilados na embaixada da Argentina certamente estará na agenda do novo ocupante do Departamento de Estado, Marco Rubio.

‘A atuação do Brasil vem sendo posta à prova em virtude da escalada de cerco da embaixada argentina em Caracas‘

Com a suspensão das relações da Argentina com Caracas, o Brasil assumiu a defesa dos interesses argentinos na Venezuela até hoje. Nos últimos dois meses, a atuação do Brasil vem sendo posta à prova em virtude da escalada de cerco da embaixada argentina em Caracas. 

O local está sob a guarda do Brasil desde 5 de agosto, quando Maduro expulsou os diplomatas argentinos. O governo Maduro cortou a luz, a água, cercou a residência com patrulhas da agência de inteligência e da polícia, montou posto policial para identificar os passantes, impediu a entrada de comida para os seis venezuelanos, a vigilância foi ampliada com drones e a visita de familiares foi proibida. Continua o temor de que a residência possa ser invadida. 

A Venezuela emitiu nota em que afirma que a presença dos opositores é uma clara violação dos acordos internacionais sobre asilo e diplomacia, assinados por Caracas. A situação ficou ainda mais tensa na semana passada com a prisão de um membro da Gendarmeria Nacional Argentina que estava em Caracas para visitar a família. O presidente argentino chamou Maduro de “ditador criminoso” ao denunciar o “sequestro ilegal” do policial.

As negociações com a Venezuela estão sendo conduzidas pelo chanceler colombiano, Luiz Gilberto Murillo. Segundo informação do governo colombiano, a Venezuela impôs condições para a emissão do salvo-conduto, inclusive a expedição de um ao ex-vice-presidente do Equador, Jorge Glas, e a libertação de pessoa próxima ao governo de Caracas preso na Argentina. O governo de Quito se recusou publicamente a permitir a saída do ex-vice-presidente, preso em Guayaquil, depois de ter sido retirado a força da embaixada do México, onde estava refugiado, o que complica ainda mais os entendimentos.

‘O governo brasileiro tem adotado uma posição de cautela, evitando declarações públicas sobre a situação dos asilados, mas o Itamaraty, na defesa dos interesses argentinos, está apoiando a concessão de salvo-conduto para que os seis venezuelanos possam deixar o país’

O fato de as negociações estarem sendo conduzidas pela Colômbia pode explicar a posição discreta do governo brasileiro no tocante à saída dos seis exilados na embaixada argentina. O governo brasileiro tem adotado uma posição de cautela, evitando declarações públicas sobre a situação dos asilados, mas o Itamaraty, na defesa dos interesses argentinos, está apoiando a concessão de salvo-conduto para que os seis venezuelanos possam deixar o país. 

Com relação ao policial argentino preso, a embaixada em Caracas foi instruída a gerir junto à chancelaria venezuelana para saber as razões da detenção. Não há informação sobre se os governos em Brasília e Buenos Aires estão em contato em relação às gestões em curso. Caso isso esteja efetivamente ocorrendo, a falta de comunicação, mesmo com o Brasil representando a Argentina, mostra como estão as relações bilaterais entre o governo Lula e o de Milei.

‘Do ponto de vista político-diplomático, a posição do governo brasileiro em relação às eleições não mudou até aqui: não houve, nem deverá haver o reconhecimento da vitória eleitoral de Maduro’

Do ponto de vista político-diplomático, a posição do governo brasileiro em relação às eleições não mudou até aqui: não houve, nem deverá haver o reconhecimento da vitória eleitoral de Maduro. Não se sabe a atitude de Brasília em relação à cerimônia de posse em janeiro. 

O Brasil, se for convidado, deverá ser representado na solenidade pela embaixadora brasileira em Caracas. Além de todas essas questões, no primeiro semestre de 2025, a política externa brasileira terá um grande desafio em relação à Venezuela, na reunião do Brics. Tendo vetado o ingresso da Venezuela no encontro presidencial na Rússia, o governo brasileiro vai estar sob pressão da China e da Rússia para aprovar o acesso de Caracas ao Brics na reunião no Brasil em junho próximo. Será difícil para Brasília recusar mais uma vez um país com quem mantém relações diplomáticas normais e sobretudo vizinho. Essa decisão, qualquer que seja, vai gerar forte reação.

Por outro lado, com a posse de Donald Trump e, em especial, de Marco Rubio, como Secretário de Estado, haverá uma escalada retórica e política contra os países de esquerda na América Latina, em especial Cuba, Nicarágua e Venezuela. O novo governo Maduro talvez seja o primeiro alvo das medidas restritivas que Rubio deverá implantar contra a esquerda latino-americana. O Brasil não deverá ser exceção, como já se viu em declarações de Trump e de representantes republicanos, estimulados por membros da oposição ao governo Lula.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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