O objetivo deste texto é verificar os atos iniciais da gestão Bolsonaro, cotejá-los com períodos anteriores e identificar padrões de conduta que indiquem continuidade ou ruptura de tendências de formulação e implementação da política externa brasileira. A hipótese indicada é de que existe um novo padrão de política externa inaugurado na gestão Lula, que persiste no governo Bolsonaro: a mescla entre razão de Estado, centrada na função tecnoburocrática competente (a diplomacia oficial), e a lógica política da busca da hegemonia de poder, na qual a política externa serve a objetivos domésticos eleitorais.
Poucas vezes (se alguma) um governo teve início com sua política externa tão pouco delineada além de princípios ideológicos genéricos como ocorre com o de Jair Bolsonaro e seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Surpreendente sob todos os pontos de vista, a indicação para o mais alto posto do Itamaraty de um diplomata jovem (51 anos), que nunca havia exercido a função de chefe de missão em um país ou organização multilateral e que se tornou conhecido apenas durante a campanha presidencial pelo entusiasmo da adesão às causas do candidato vencedor, parece ter abalado a autoconfiança da Casa, que já vinha sendo solapada nos oito anos anteriores.
Os resultados das eleições de 2018 trouxeram muitas surpresas, gratas e ingratas, juntamente com imensos desafios de interpretação. Os especialistas debaterão ainda por muitos anos o que se passou nesse pleito que o cientista político Jairo Nicolau definiu como um exemplo de “eleição crítica: uma disputa que desestrutura o padrão de competição partidária vigente”[1], e que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificou como “um tsunami que varreu o sistema político brasileiro” e que “terminou o ciclo político-eleitoral iniciado depois da Constituição de 1988”.
As dificuldades[1] para formar uma frente democrática no Brasil merecem reflexão. O tema circula entre nós desde os protestos de 2015 e 2016, quando ficou claro que a articulação pela derrubada de Dilma Rousseff tinha ganhado as ruas e que o seu sucesso implicaria problemas para o regime implantado sob a égide da Constituição de 1988. As massivas manifestações pró-impeachment faziam prever um desfecho perigoso para a maré montante do antilulismo.
Há semelhanças que não são meras coincidências. Em outubro de 2016, o candidato republicano Donald Trump ameaçou prender sua rival democrata Hillary Clinton caso fosse eleito. Em outubro de 2018, Wilson Witzel disse que daria voz de prisão a Eduardo Paes, o seu concorrente ao governo do Rio de Janeiro. E, pouco depois, Jair Bolsonaro prometeu que prenderia seu adversário Fernando Haddad e que este iria “apodrecer na cadeia”.
À medida que se aproximam as datas em que os brasileiros irão às urnas (no dia 7 de outubro, para o primeiro turno, e no dia 28 do mesmo mês, para o segundo), duas perguntas vêm atazanando os analistas, as autoridades, os candidatos e os eleitores.
Na reunião do Conselho Editorial da Interesse Nacional que pautou os artigos desta edição, o conselheiro Eugênio Bucci sugeriu uma conversa entre o jurista, ex-ministro da Justiça no governo FHC, José Gregori, e o filósofo, ex-ministro da Educação no governo Dilma Rousseff, Renato Janine Ribeiro. Eles não só tiveram experiências administrativas em governos desses dois partidos como se empenharam na defesa dos direitos humanos e já defenderam modos de tornar possível uma coalizão entre as duas legendas.