24 março 2023

Rubens Barbosa: O interesse nacional, a ‘volta’ do Brasil e os acordos com a China e a UE

Viagem de Lula à China e acordo do Mercosul com a UE centralizam as atenções da política externa brasileira no início do novo governo. Para embaixador, as negociações com o país asiático e a Europa indicam o caminho que o país vai adotar no momento em que o presidente Lula diz que o Brasil está de volta ao cenário internacional

Viagem de Lula à China e acordo do Mercosul com a UE centralizam as atenções da política externa brasileira no início do novo governo. Para embaixador, as negociações com o país asiático e a Europa indicam o caminho que o país vai adotar no momento em que o presidente Lula diz que o Brasil está de volta ao cenário internacional

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião com os ministros do seu governo (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Rubens Barbosa*

Dois temas de interesse do Brasil concentram as atenções na área externa: a viagem do presidente Lula à China e a retomada das negociações do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Decisões importantes deverão ser anunciadas pelo governo.

O encontro entre Lula e o presidente Xi Jinping será realizado em um ambiente internacional instável e crescentemente inseguro. O governo em Brasília espera resultados significativos no âmbito bilateral e no global. Estão previstos entendimentos na área ambiental com um possível protocolo entre os dois países, ampliação da pauta de exportações de produtos agrícolas, cooperação na área espacial com a construção conjunta e o lançamento de satélite de monitoramento da Amazônia, além de iniciativas para o combate à fome e à pobreza.

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No tocante ao cenário internacional, certamente estarão incluídos na agenda entre os presidentes, as modificações na estrutura de poder mundial, com a possibilidade de reforma do Conselho de Segurança da ONU, a guerra na Ucrânia, a evolução futura do BRICS e a reunião do G-20, a ser presidida pelo Brasil no ano próximo. A proposta do presidente Lula para a criação de um grupo da paz para buscar por fim ao conflito vai ser testada pelo ativismo chines como um novo mediador, exemplificado tanto nas conversas com o presidente russo Vladimir Putin, como na bem sucedida negociação para o restabelecimento das relações entre o Irã e a Arábia Saudita. 

As tensões globais e a visão dos EUA sobre a divisão do mundo entre democracias e autocracias, em meio de um risco cada vez maior de uma escalada no conflito militar com a possibilidade de perda do controle e uma confrontação nuclear, poderão colocar à prova a correta posição de equidistância adotada pelo Brasil. Ninguém coloca em dúvida que o Brasil é um país ocidental pelos seus valores e princípios, mas nos últimos 10 a 15 anos nossos interesses comerciais fizeram com que crescesse a dependência da Ásia e em especial da China. Como gostava de dizer alto funcionário norte-americano, os países não têm amigos, têm interesses.

Como uma das consequências das tensões geradas pelos interesses e políticas ocidentais em relação à Rússia e à China, a Europa está voltando a se buscar ampliar seus laços econômicos e comerciais com a América do Sul, em especial com o Mercosul. 

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As conversações entre os países do Mercosul e os da UE foram retomadas com vistas à assinatura  e a ratificação do acordo de livre comércio entre os dois grupos. A UE está colocando como condição para avançar no processo de negociação a aprovação de uma side letter que reforce os compromissos ambientais e de preservação da Floresta Amazônica e das comunidades indígenas da região. 

A proposta, que levou três anos para ser finalizada pelos países europeus e foi concebida pela desconfiança nutrida em relação aos compromissos do governo Bolsonaro, chegou em hora errada em vista da mudança de política e da decisão do governo Lula de tomar medidas contra os ilícitos cometidos na Amazônia. 

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Os termos da proposta certamente deverão ser rechaçados pelo atual governo por demandarem medidas que vão além dos termos do acordo, como negociado. A atitude europeia com a side letter poderá estimular setores do governo que querem reabrir as negociações por pressão da indústria para rever algumas das cláusulas incluídas no acordo, em especial no tocante a compras governamentais, o que inviabilizaria a assinatura do acordo no segundo semestre deste ano, na presidência brasileira do Mercosul.

Além dessas dificuldades, a UE no âmbito da política de meio ambiente e mudança do clima (green deal), deverá colocar em vigência medidas que impeçam o acesso ao mercado europeu de produtos agrícolas provenientes de áreas desmatadas, o que afetaria produtos do agro brasileiro e obrigaria os produtores nacionais a ampliarem, com custos adicionais, programas de rastreabilidade e selo verde para demonstrar que a produção saiu de outras áreas. Por outro lado, produtos industriais, como siderúrgicos, cimento, fertilizantes serão taxados na fronteira pela emissão de gás carbônico (carbon tax) para espelhar os custos das empresas europeias com medidas para a redução das emissões.     

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As negociações com a China, inclusive para definir o que o Brasil quer da parceria estratégica, e com a UE, no tocante ao acordo de livre comércio e o protocolo adicional (side letter) e as restrições unilaterais a produtos brasileiros, contrárias às regras da OMC, mostraram o caminho que o governo atual vai adotar no momento em que o presidente Lula diz que o Brasil está de volta ao cenário internacional. Qual vai ser a política externa e comercial durante a atual administração na nova economia global e em um mundo crescentemente dividido? Vamos aguardar os próximos capítulos.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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