Rubens Barbosa: Novos rumos para o Brics
Decisão de aumentar o número de países no bloco reflete interesses da China e da Rússia e pode levar a uma guinada antiamericana. Para embaixador, em termos geopolíticos, ampliação do bloco representa um fortalecimento da aliança entre os emergentes, mas a inclusão de regimes autoritários promete aumentar a resistência a temas progressistas
Decisão de aumentar o número de países no bloco reflete interesses da China e da Rússia e pode levar a uma guinada antiamericana. Para embaixador, em termos geopolíticos, ampliação do bloco representa um fortalecimento da aliança entre os emergentes, mas a inclusão de regimes autoritários promete aumentar a resistência a temas progressistas
Por Rubens Barbosa*
Ignorado nos quase 20 anos desde sua institucionalização, nos últimos meses, o bloco do Brics (formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) passou a ganhar a atenção global. A possibilidade de sua ampliação com a inclusão de novos membro (23 países pediram para aderir ao bloco), em um mundo dividido, colocou o Brics, segundo a visão de alguns, como uma força politica e econômica em contraposição aos EUA e um desafio para o Ocidente. A participação do Brics no PIB mundial subiu de 8% em 2001 para 26% em 2023, enquanto que o do G7 caiu de 65% para 43%.
Na reunião desta semana em Joanesburgo, na África do Sul, dois temas dominaram os debates: a expansão do número dos países membros e a criação de uma moeda para lastrear o comércio entre os membros do bloco. A redução da desigualdade, da pobreza e da fome no mundo, a reformulação dos organismos internacionais, inclusive o Conselho de Segurança da ONU, e meio ambiente e mudança de clima surgiram também com realce no comunicado final.
Nos próximos meses, ficarão definidos o futuro e o perfil político do bloco que, agora, passa a assumir um caráter mais anti-EUA e busca se contrapor ao G7 e ao G20, apesar das declarações em contrário, sobretudo de Lula, sob a liderança da China
Ficou decidido que Arábia Saudita, Argentina, Egito, Etiópia, Emirados Árabes e Irã receberão convites para que passem a integrar o bloco como membros plenos. Deve ser criada a categoria de parceiros do Brics com critérios para a inclusão no grupo agora ampliado para 11 membros.
Em termos geopolíticos, passou a representar um fortalecimento da aliança entre os emergentes, mas a inclusão de quatro regimes autoritários promete ampliar a resistência a qualquer debate sobre democracia, gênero ou direitos humanos no bloco.
Prevaleceu o interesse da China em sua estratégia de ampliação de sua influência global, e da Rússia, que procura reduzir seu isolamento em busca de maior apoio na guerra com a Ucrânia.
África do Sul, Brasil e Índia deixaram de lado a ideia de colocar critérios para a aceitação de novos membros. O grupo tornou-se mais global com a presença de países do Oriente Médio e com reforço da África e da América do Sul, na linha da multipolaridade, defendida pelo Brasil. Com a entrada do Irã, haverá tendência de o Brics tornar-se mais antiamericano e antiocidente.
A posição do Brasil de equidistância na guerra da Ucrânia e nas tensões entre EUA e China ficará ainda mais isolada dentro do bloco.
Segundo declaração do presidente Lula, “é extremamente importante a entrada da Arábia Saudita, dos Emirados, da Argentina e de outros países no Brics”. Celso Amorim acrescentou: “primeiro a gente escolhe os países, depois a gente define os critérios”.
Como as decisões no Brics são tomadas por consenso, na defesa do interesse nacional, ao contrário da declaração presidencial, o governo brasileiro deveria manter sua oposição contrária à ampliação do número de membros. Poderia insistir em soluções intermediárias como a criação da categoria de países associados. O Brasil é o único país do Brics com padrão de votação diferenciado na questão da Ucrânia. Num clube de 11 membros que votam como a China e Rússia em questões como direitos humanos, democracia e a guerra na Ucrânia, o Brasil vai ficar ainda mais isolado.
Se esse aumento pudesse respaldar claramente nossa pretensão a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, ainda poderia haver uma razão para um “toma lá, da cá”, mas, como se viu na declaração final do encontro, era altamente improvável que a China (membro permanente mais refratário à reforma, nunca apoiou publicamente o Brasil) mudasse de posição e declarasse seu apoio à pretensão brasileira.
Atendendo ao interesse do Brasil e da Índia, a China concordou com a inclusão de parágrafo em que o bloco apoia uma ampla reforma das Nações Unidas, incluindo o Conselho de Segurança, com vistas a torná-lo mais democrático, representativo, efetivo e eficiente, com o aumento da representação dos países em desenvolvimento como membros do Conselho de Segurança, de forma a poder responder adequadamente aos atuais desafios globais.
A China, pela primeira vez, apoiou as legitimas aspirações dos países emergentes e em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, incluindo o Brasil, a Índia e a África do Sul, de ter um maior papel nos assuntos internacionais, em particular nas Nações Unidas e no Conselho de Segurança. Embora sendo um avanço politico, a China não se comprometeu explicitamente no apoio à pretensão brasileira para ser incluído como membro permanente no Conselho de Segurança, como queria Lula para apoiar a expansão dos membros do BRICS.
Outro tema prioritário que mereceu referência no comunicado final foi o estabelecimento de uma moeda de referência como mecanismo de pagamentos. Texto pede aos ministros da Fazenda que estudem os assuntos de moeda local, instrumentos e plataformas de pagamento. O assunto deve ganhar força nas presidências russa e brasileira.
A Guerra Ucrânia foi mencionada apenas pelo presidente Lula e comentada, de forma crítica, pelo presidente Putin remotamente, já que não compareceu a cúpula de Joanesburgo. No comunicado final, apenas uma referência indireta. Os países membros se declaram preocupados pelos conflitos em muitas partes do mundo e sublinham o comprometimento com a resolução pacífica das diferenças e disputas por meio do diálogo e consultas de maneira coordenada e cooperativa, além de apoiar todos os esforços que levem a uma solução pacifica das crises.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional