24 outubro 2024

Como a política externa de Trump para a América Latina pode favorecer a China

Se Trump voltar ao poder e endurecer as relações comerciais e diplomáticas com a América Latina, o Brasil, que já tem uma relação pragmática com a China, poderia se ver forçado a reforçar ainda mais essa parceria, especialmente no campo dos investimentos em infraestrutura e tecnologia

O então presidente dos EUA, Donald Trump, durante visita de Jair Bolsonaro a Washington, DC. (foto: Foto: Alan Santos/PR)

Com a aproximação das eleições presidenciais nos Estados Unidos, as pesquisas de intenção de voto indicam que o ex-presidente Donald Trump tem grandes chances de voltar ao poder. Por mais que suas propostas de política externa não deem muita atenção à América Latina e um dos seus maiores focos seja a rivalidade com a China, um novo governo Trump pode, paradoxalmente, acabar fortalecendo a presença chinesa no continente e gerar impactos significativos para o Brasil.

Este é um dos argumentos do professor Oliver Stuenkel no artigo Trump Has His Own Monroe Doctrine, publicado pela revista Foreign Policy. O texto analisa a política externa do americano durante seu primeiro mandato e indica que ele acabou favorecendo os interesses chineses na região. A estratégia de Trump de pressionar os países latino-americanos a fim de afastá-los da China acabaram sendo contraproducentes, pois fortaleceram a influência chinesa. 

‘A política de Trump em relação à América Latina pode ser caracterizada como uma abordagem hostil, porém inconsistente’

Segundo o artigo, a política de Trump em relação à América Latina pode ser caracterizada como uma abordagem hostil, porém inconsistente, marcada por retórica agressiva, sanções e pressão para alinhar os países com os interesses dos EUA, mas também por uma falta de investimento e engajamento sustentados. Essa abordagem é comparável à Doutrina Monroe, que visava impedir a interferência europeia nas Américas, em sua ênfase na supremacia americana na região, mas difere em sua implementação e objetivos específicos.

Essa política assertiva em relação à América Latina teve foco em conter a imigração, aplicar sanções a regimes considerados hostis e fortalecer alianças com governos de direita. No entanto, essa postura criou brechas que a China, com seu crescente poder econômico e diplomático, tem aproveitado. 

‘A política de Trump teve o efeito oposto ao pretendido, levando os países latino-americanos a se aproximarem da China’

Em alguns casos, a política de Trump teve o efeito oposto ao pretendido, levando os países latino-americanos a se aproximarem da China em busca de alternativas à influência americana. Isso ocorreu em parte devido à percepção de que os EUA não eram um parceiro confiável e estavam mais interessados em impor sua vontade do que em promover o desenvolvimento da região.

O gigante asiático expandiu suas relações comerciais e diplomáticas na América Latina, principalmente por meio de investimentos em infraestrutura e parcerias comerciais, e o Brasil ocupa uma posição central nessa estratégia.

‘Um eventual retorno de Trump ao poder poderia empurrar o Brasil ainda mais para os braços da China’

Um eventual retorno de Trump ao poder poderia empurrar o Brasil ainda mais para os braços da China. Essa possível aproximação seria especialmente significativa em um momento em que o Brasil busca diversificar suas parcerias internacionais e reforçar seu papel como líder global. Se Trump endurecer as relações comerciais e diplomáticas com a América Latina, o Brasil, que já tem uma relação pragmática com a China, poderia se ver forçado a reforçar ainda mais essa parceria, especialmente no campo dos investimentos em infraestrutura e tecnologia. 

Com a China se posicionando como o maior parceiro comercial de países como o Brasil, o México e a Argentina, qualquer tentativa de aumentar a pressão sobre esses países pode ser contraproducente para os interesses estratégicos dos EUA. Para analistas, em vez de um retorno ao intervencionismo, os EUA deveriam adotar uma abordagem mais cooperativa e econômica, de forma a competir de igual para igual com a China pela influência na região.

O portal Interesse Nacional é uma publicação que busca juntar o aprofundamento acadêmico com uma linguagem acessível mais próxima do jornalismo. Ele tem direção editorial do embaixador Rubens Barbosa e coordenação acadêmica do jornalista e pesquisador Daniel Buarque. Um dos focos da publicação é levantar discussões sobre as relações do Brasil com o resto do mundo e o posicionamento do país nas relações internacionais.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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