Os resultados das eleições de 2018 trouxeram muitas surpresas, gratas e ingratas, juntamente com imensos desafios de interpretação. Os especialistas debaterão ainda por muitos anos o que se passou nesse pleito que o cientista político Jairo Nicolau definiu como um exemplo de “eleição crítica: uma disputa que desestrutura o padrão de competição partidária vigente”[1], e que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificou como “um tsunami que varreu o sistema político brasileiro” e que “terminou o ciclo político-eleitoral iniciado depois da Constituição de 1988”.
Ideias orientam ações que tanto podem conduzir ao bem coletivo, por mais variadas que sejam as suas significações, quanto podem conduzir à anomia social e, em casos mais graves, a crises institucionais. Decisões políticas estão baseadas em ideias, por mais variáveis que essas sejam. O quadro de ideias que tínhamos até esta última eleição era amplamente dominado pela esquerda, seja em sua vertente dita socialdemocrata, seja em sua vertente petista, que remonta à experiência comunista do século XX, de cunho revolucionário, embora o PT tenha oscilado em assumir explicitamente esta tradição.
As mudanças políticas recentes nos EUA, na Europa e na América Latina têm colocado em cheque os sistemas representativos e as relações exteriores, forçando algumas revisões para o século 21. Quais fatores influenciarão o diálogo político nesse início de século? Ressalto dois fatores importantes que afetarão a base da nossa discussão política: a evolução do marxismo e a involução da democracia.
O governo que se iniciou em 1o de janeiro enfrentará desafios internos e externos e não terá muito tempo para tomar medidas que permitam ao Brasil voltar a crescer, aumentar a geração de emprego e reduzir as desigualdades regionais e individuais. Não terá muito tempo igualmente para, na política externa, reinserir o Brasil nos fluxos dinâmicos da economia e do comércio exterior e para fortalecer a voz do Brasil no cenário internacional.
As dificuldades[1] para formar uma frente democrática no Brasil merecem reflexão. O tema circula entre nós desde os protestos de 2015 e 2016, quando ficou claro que a articulação pela derrubada de Dilma Rousseff tinha ganhado as ruas e que o seu sucesso implicaria problemas para o regime implantado sob a égide da Constituição de 1988. As massivas manifestações pró-impeachment faziam prever um desfecho perigoso para a maré montante do antilulismo.
Fui convidado a falar do futuro da esquerda depois desta última eleição, mas estou convicto de que não se pode falar dela sem falar do Brasil. Os destinos dos partidos democráticos estão de tal forma entrelaçados com o futuro de nosso País que separá-los é ocioso.
Há semelhanças que não são meras coincidências. Em outubro de 2016, o candidato republicano Donald Trump ameaçou prender sua rival democrata Hillary Clinton caso fosse eleito. Em outubro de 2018, Wilson Witzel disse que daria voz de prisão a Eduardo Paes, o seu concorrente ao governo do Rio de Janeiro. E, pouco depois, Jair Bolsonaro prometeu que prenderia seu adversário Fernando Haddad e que este iria “apodrecer na cadeia”.
O Brasil foi a economia com a segunda maior taxa de crescimento do PIB, no período 1900-1987. Mas, a partir do início da década de 1980 até 2016, a expansão econômica se situou entre as mais baixas do mundo. Também na política o padrão de avanço virtuoso e recuo vicioso é visível. Uma transição presidencial reconhecidamente civilizada no início do milênio criou as condições necessárias à passagem de uma era de estabilização e reformismo econômico (FHC) para um período de aprofundamento e ampliação de políticas sociais (Lula).