Edição 6

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Se cabe a analogia climática, este número está quente. Ele trata de temas que têm mobilizado a atenção da imprensa e da opinião pública nos últimos meses: a regularização de terras na Amazônia, objeto de medi- da provisória recém aprovada no Congresso; a proposta de reforma da Lei Rouanet, submetida a consulta pública que deflagrou intensa controvérsia entre os atores do “setor cultural”; a crise de prestígio da política, em geral, e do Congresso, em particular, agora agravada pelo episódio dos “atos secretos” do Senado, além de temas relativos à cada vez mais extensa agenda internacional do Brasil, entre eles as perspectivas do G-20, após a reunião de Londres, em abril, e o futuro da Organização dos Estados Americanos, depois da reunião de Honduras, em junho, quando se reverteu a suspensão de Cuba, condicionando seu reingresso na OEA à adesão da ilha aos princípios da Carta Democrática. Este número traz ainda artigos sobre dois temas que, para usar o jargão, são “porta- dores de futuro”: a formação de professores e a qualidade do ensino básico e o manejo sustentável de florestas tropicais.


O ministro da Cultura, Juca Ferreira, e o secretário estadual de Cultura de São Paulo, João Sayad, apresentam visões distintas, senão contrárias, sobre a proposta de reforma da Lei Rouanet, que na verdade implica uma mudança do modelo de financiamento às atividades culturais. Onde o primeiro vê democratização das decisões e dos recursos para o setor, o se gundo vê ingenuidade, quando não dirigismo estatal. Bom debate.


O senador Jarbas Vasconcelos volta ao tema estampado em sua entrevista às páginas amarelas da Veja, que tanto furor causou. Retoma-o para tratá-lo em profundidade: reconstrói a história que nos teria trazido à desmoralização atual da atividade política, dá seu diagnóstico das causas do problema e defende uma reforma política realista para superá-lo. A seu ver, porém, ela não bastaria: sem mais e melhor educação, nenhuma reforma política teria o condão de livrar o País da manipulação populista e da troca clientelista de favores.


Sobre como ter melhor educação, com os professores que temos, escreve Cláudio de Moura Castro. Ele argumenta que, embora a melhoria da qualidade dos professores seja fundamental, não é necessário esperar até que todos atinjam “níveis de primeiro mundo” para avançar significativamente na oferta de melhor educação no ensino básico. O Brasil tem pressa nessa matéria. E Moura Castro mostra como novos modelos de gestão escolar, novos métodos de ensino aprendizagem, etc. podem fazer grande diferença, em relativamente pouco tempo.


O tema da educação – ou, mais amplamente, do conhecimento – reaparece no artigo de Klaus G. Hering sobre os desafios do manejo sustentável da floresta tropical. O autor sabe do que está falando: doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina, com uma tese

sobre política florestal, ele é um empreende- dor de projetos de manejo sustentável na mata atlântica catarinense, bem como uma liderança do setor. Para multiplicar experimentos bem- sucedidos, Hering diz ser necessário menos “achismo” e melhor e mais disseminado conhecimento científico sobre o equilíbrio dinâmico das florestas; maior segurança e previsibilidade para planejar e implementar projetos de manejo (o ciclo de vida de uma árvore supera em muito o ciclo político-eleitoral); e mais intensa cooperação, ao invés de antagonismo, entre agentes públicos, sobretudo órgãos fiscalizadores, e atores privados, principalmente no nível local.


Da insegurança jurídica no meio rural e de seus efeitos sociais e econômicos negativos, fala também Alberto Lourenço. Ele é o diretor responsável pela Amazônia na Subsecretaria do Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE). E nos foi recomendado pelo ministro Mangabeira Unger, titular da SAE, a quem primeiro havíamos convidado para escrever um artigo sobre o projeto de lei da regularização de terras na Amazônia. Boa recomendação, pois Alberto Lourenço escreveu um bem circunstanciado e fundamentado artigo sobre um tema crítico (e não esgotado) para o futuro daquela região e do País. Por sua conexão com as questões ambientais e climáticas, poucos temas “domésticos” têm tanta relevância global.


A propósito, a reorganização financeira mundial e a redistribuição de poderes entre os sócios das agências multilaterais de Bretton Woods, o FMI em particular, é o assunto do artigo de Rolf Kuntz, um dos jornalistas
que mais e melhor tem coberto a diplomacia financeira internacional. Kuntz não nega que a crise tenha acelerado o rebalanceamento do poder, em favor dos chamados “emergentes”, entre eles o Brasil. Ressalva, porém, que a “velha ordem” não se esfumará no ar da noite para o dia. Se as oportunidades estão aí, caberá ao Brasil aproveitá-las, sem ilusões ou bravatas, mas com políticas econômicas e política externa consistentes com o objetivo de sentar-se à mesa dos grandes como um sócio de peso.


Nas Américas e no Caribe, a questão “do momento”, ao menos do ponto de vista político, é a reintegração ou não de Cuba à Organização dos Estados Americanos (OEA), embora rigorosamente falando sua condição de membro nunca tenha sido suprimida, mas apenas suspensa. Na assembléia de Honduras, deu-se o fato histórico da revogação da suspensão, mas condicionou-se a reintegração plena de Cuba ao seu eventual compromisso com os princípios da Carta Democrática da OEA. Dada essa condição, como se comporta- rá de agora em diante o Brasil, que teve papel decisivo no acordo para a revogação da suspensão de Cuba? Tema para Paulo Roberto de Almeida, intelectual e diplomata que, entre outras coisas, serviu na embaixada brasileira em Washington.


Visto em seu conjunto, este número, acre- ditamos, confirma o compromisso da revista com o pluralismo, a relevância e a qualidade de temas e autores. E adiciona um pouco da temperatura da conjuntura, sem perder a perspectiva do longo prazo. Por assim dizer, está quente, mas não pelando.

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