Apresentação
O fechamento desta edição aconteceu no final de setembro, mês em que a agência de classificação de risco S&P retirou o grau de investimento do Brasil, o governo apresentou o orçamento para 2016 com um déficit de R$ 30,5 bilhões e anunciou pacote de corte de gastos de R$ 26 bilhões, juntamente com a ameaça de ressuscitar a CPMF (o famigerado imposto sobre movimentações financeiras). Setembro também foi um mês em que as palavras crise e impeachment frequentaram o noticiário como há muito tempo não se via. Crise econômica e política, recessão, previsão de novo aumento de impostos, queda nas vendas e no emprego, PIB do Brasil em que já não cabem os gastos do governo.
Estas páginas foram construídas neste contexto e em meio a uma escalada de fatos que envelhecem rapidamente as notícias do dia, da semana e do mês. Os artigos da edição foram escritos por brilhantes economistas e por um respeitado jornalista da área de jornalismo investigativo.
José Roberto de Toledo (diretor do Estadão Dados) explica por que é necessária uma reforma política, diante de pulverização partidária, crise de representatividade do sistema político, encarecimento progressivo das campanhas eleitorais, perpetuação das oligarquias, influência crescente do capital no resultado das eleições e nas decisões do Congresso Nacional. Marcos Lisboa (Insper), Marcos Mendes (consultor legislativo do Senado Federal), Bernard Appy (diretor do Centro de Cidadania Fiscal) e Sérgio Lazzarini (Insper) são os autores do artigo “Os desafios para sair da crise”. Mansueto Almeida (funcionário de carreira do Ipea, atualmente em licença) analisa a rigidez do gasto público e indica soluções. Fabio Giambiagi (Ipea) aponta as razões para se mudar o contrato social que rege as regras de aposentadoria e de concessão de pensões. Naercio Menezes Filho (Insper) analisa o problema da educação e o que fazer para melhorá-la. Samuel Pessoa (FGV) e Bernard Appy (Centro de Cidadania Fiscal) discutem, respectivamente, o esgotamento fiscal e a necessidade de reforma no sistema tributário nacional.
O leitor de Interesse Nacional recebe uma edição com muitos dados, análises e sugestões para uma nova agenda de reformas estruturais, sem as quais será difícil, para qualquer governo, levar o Brasil de volta ao crescimento sustentável em níveis mais elevados. Diante da gravidade do quadro atual, o Conselho Editorial decidiu pela primeira vez, nos oito anos da revista, publicar um manifesto pedindo mudanças urgentes.
Manifesto
Os anos de modernização do Estado brasileiro e de inclusão de parcela significativa da população na economia de mercado, no período 1990 a 2015, ficaram para trás. A crise politica, econômica e ética acelera a hora da verdade para o Brasil, visto que não se veem saída e recuperação sem medidas estruturais de médio e longo prazos. O programa mínimo que a seriedade da crise atual exige é passar o Brasil a limpo e mudar o que tem de ser mudado, dentro dos princípios democráticos.
O Brasil enfrenta uma situação de extrema gravidade sem uma liderança política, empresarial e dos trabalhadores que expresse os anseios de todos por uma economia estável, um regime político funcional, que represente a maioria da população, e uma sociedade mais justa. O grau alarmante de corrupção, facilitado pela interferência e pela ineficiência do Estado todo poderoso, contamina a vida política e econômica do país e clama pelo fim da impunidade. Perdeu-se o sentido de autoridade e de garantia de segurança ao cidadão.
A retirada do grau de investimento do Brasil é a consequência da falta de rumo e da incompetência do governo na condução da política econômica, que fez o país mergulhar na recessão.
O desequilíbrio econômico, o crescimento do déficit público, da inflação e do desemprego e o gigantismo do Estado impõem a prioridade conjuntural do ajuste fiscal. O problema, contudo, é estrutural e torna urgente a discussão sobre a agenda de reformas microeconômicas, iniciada, mas interrompida. A perda da competitividade e do dinamismo do comércio exterior torna urgente a mudança da agenda interna com uma visão de médio e longo prazos.
A ausência de liderança efetiva no Executivo, no Legislativo e no Judiciário agrava o quadro nacional e exige de todos os que se preocupam com o futuro do Brasil um esforço para promover um debate que chame a atenção para as mudanças que a sociedade brasileira terá de enfrentar e aceitar e a necessidade de restaurar o crescimento e de aumentar o emprego.
Qualquer que seja o governo em Brasília, essa nova agenda se imporá. O custo de ignorá-la será o caminho do Brasil, no médio prazo, para uma Argentina, uma Venezuela ou, no pior cenário, uma Grécia. O país perderá a capacidade de honrar seus compromissos, pelo nível cada vez maior da dívida, em especial da previdência social, o que levará a índices muito baixos de crescimento e ao caos com o desemprego chegando a níveis impensáveis, com graves custos sociais.
O preço do imobilismo será maior do que o custo das mudanças necessárias para restabelecer as condições de governabilidade do país. Não se pode deixar de contar com um Estado eficiente, efetivo e comprometido com o interesse público, em especial com os interesses dos segmentos mais pobres da população. Será inevitável o reexame do papel do Estado e o grau de sua interferência na vida de todos nós e das empresas.
O cidadão comum tem de aprender a defender seus direitos e a participar de forma democrática na solução dos problemas que se acumulam e que parecem sem solução. A população anestesiada pela crise em todos os níveis tem de despertar e exercer seus direitos de cidadania.
A nova agenda não se limita à economia. A simplificação e a desburocratização dos procedimentos que envolvem a relação do cidadão com o Estado têm de voltar a ser prioridade. A reforma dos processos nos julgamentos civis, criminais e trabalhistas beneficiará a sociedade como um todo, sempre preservando o direito de defesa e o devido cumprimento da lei.
Nesse quadro de incertezas e grandes riscos, a defesa do interesse nacional impõe a discussão de uma agenda renovada, que venha a examinar medidas duras, mas realistas, que farão a economia retornar a um rumo de estabilidade e de crescimento. Esse é o primeiro passo.
A tarefa é urgente. O Brasil não pode esperar. O mundo não vai aguardar o Brasil.