Notice: Function _load_textdomain_just_in_time was called incorrectly. Translation loading for the wordpress-seo domain was triggered too early. This is usually an indicator for some code in the plugin or theme running too early. Translations should be loaded at the init action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/storage/c/6b/bd/interessenaciona1/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114
Interesse Nacional
21 junho 2024

A marcha da insensatez

Escalada retórica e dificuldade de negociações para a paz ampliam risco de confrontos em nível global. Tensão entre Rússia e Ucrânia (com apoio da Otan) tem evoluído, e troca de ameaças entre Israel e o Hezbollah torna situação volátil também no Oriente Médio, criando um cenário propício à preocupação internacional

Os presidentes da Sérvia, Aleksandar Vucic, e da Rússia, Vladimir Putin, durante encontro em Moscou (Foto: Presidência da RússiaWikimedia Commons)

O presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, deu uma longa entrevista ao sumário suíço Weltwoche na qual ele afirmou que “em três ou quatro meses o mundo estará envolvido em uma nova guerra”, e que seu país está se preparando para esse cenário, acumulando estoques de petróleo, trigo e açúcar.  

Seguem, em resumo, os comentários do presidente sérvio: 

  • A escalada retórica na guerra de Ucrânia está aumentando rapidamente e, se as grandes potências não fizerem nada logo, estaremos caminhando para um tremendo desastre; 
  • se todos pensarem que Putin está blefando, significa que o Ocidente não tem outros instrumentos; 
  • sou sempre muito cauteloso quando analiso a disposição e os futuros movimentos de Putin;
  • a situação fica ainda mais complicada porque todos estão falando de guerra, ninguém está preocupado com a paz, palavra quase proibida; 
  • acho estranho que ninguém está tentando terminar a guerra; 
  • há a teoria pela qual o Ocidente poderá derrotar Putin facilmente e para isso estão deixando a Rússia esgotar seus recursos na Ucrânia para então entrar na Ucrânia e no território russo, que deixará de existir como existe hoje, e Putin será deposto. 

Vucic acrescenta ainda que quando se analisa a atitude dos EUA e da Otan, verifica-se que eles não podem se dar ao luxo de aceitar a derrota da guerra na Ucrânia porque a posição deles se deterioraria fortemente do ponto de vista geopolítico, o que dificilmente poderia ser recuperado. 

A Otan está criando três bases militares junto com a Ucrânia na Polônia, na Eslováquia e na Romênia, preparando uma ofensiva contra a Rússia. O presidente da Hungria, Viktor Orbán, fez comentários públicos na mesma linha, acrescentando estar sendo pressionado pela Otan para aderir, mas que se recusou a endossar essas ações.

Dadas as muito boas relações de Vucic com Vladimir Putin e com Moscou, o que essa entrevista pode significar? Estaria ele antecipando o que está sendo discutido secretamente na Rússia e talvez interpretando o ultimato que a Rússia deu à Otan, especialmente depois da autorização da transferência de F-16 ucranianos para as bases da Otan na Romênia e na Polônia, e da autorização para a Ucrânia utilizar no território russo armas de ataque americanas e europeias?

‘Nos últimos dias, novos elementos tornam mais rígidas as posições ocidentais e da Rússia’

Nos últimos dias, novos elementos tornam mais rígidas as posições ocidentais e da Rússia. Putin se diz disposto a conversar e apresentou proposta com dois pontos: incorporação definitiva dos territórios ocupados na Ucrânia e a Crimeia (o que claramente é inaceitável para o governo de Kiev) e a desmilitarização da Ucrânia, o que implica em abrir mão de ingressar na Otan. 

Por outro lado, a proposta de Zelensky (com dez pontos) foi aceita na Conferência da Suíça e endossada por 89 países com questões inaceitáveis pela Rússia (com lista de exigências sem concessões à Rússia, críticas a Moscou e o não emprego de armas nucleares. 

Os EUA assinaram acordo de cooperação militar com a Ucrânia com validade de dez anos, talvez um meio de evitar mudanças na política de apoio à Ucrânia, se Trump for eleito. 

‘A sugestão da China, apoiada pelo Brasil, de que Rússia e Ucrânia comecem a conversar sobre a perspectiva de paz, tem pouca probabilidade de avançar’

A sugestão da China, apoiada pelo Brasil, de que Rússia e Ucrânia comecem a conversar sobre a perspectiva de paz, tem pouca probabilidade de avançar.

A Conferência de paz sobre a Ucrânia realizada na Suíça contou com mais de cem países, mas 11 (entre eles o Brasil, a Índia, a Arabia Saudita) deixaram de assinar o comunicado final com a proposta da Ucrânia, o que indica visões diferentes do problema e um enfraquecimento da proposta. 

A China, ausente do encontro, mencionou que somente a presença da Rússia e da Ucrânia em reunião do Conselho de Segurança da ONU poderia fazer avançar o processo de negociação. Pouco antes, na reunião do G7, o conflito na Ucrânia foi a questão central do encontro. Os países membros, principais economias ocidentais, foram unânimes no apoio à Ucrânia e decidiram conceder empréstimo ao país de US$50 bilhões para os próximos dez anos, com a utilização dos juros das reservas russas, congeladas nos EUA e na Europa. 

‘O grande risco de escalada no conflito na Ucrânia é a reação russa aos ataques ao seu território pela Ucrânia com equipamentos e munição ocidentais’

O grande risco de escalada no conflito na Ucrânia, implícito na entrevista de Vucic, é a reação russa aos ataques ao seu território pela Ucrânia com equipamentos e munição ocidentais, além do treinamento e o uso de bases da Otan pelos aviões ucranianos. Sem falar no uso (Putin chamou de roubo) das reservas russas para empréstimo à Ucrânia.

Nesta semana, registrou-se uma escalada na retórica nuclear com o pronunciamento do secretário-geral da Otan sobre o aumento de artefatos nucleares ativados para responder às ameaças russas. Deve ser notada igualmente a visita de Putin à Coreia do Norte, que também possui armas nucleares, ampliando a cooperação na área de segurança. 

‘Caso Trump vença nos EUA, a posição russa se fortalecerá, e os europeus da Otan terão de decidir o futuro da Ucrânia’

O que aconteceria se a Otan atacasse a Rússia e Putin empregasse armas nucleares táticas ou atacasse essas bases na Polônia, na Eslováquia e na Romênia? Poderia haver reação dos EUA, da França, do Reino Unido às vésperas de eleições gerais? Como os eleitores reagiram à perspectiva de uma guerra generalizada na Europa? Dada a rigidez das posições, dificilmente as negociações para a suspensão das hostilidades avançarão nos próximos meses. Caso Trump vença nos EUA, a posição russa se fortalecerá, e os europeus da Otan terão de decidir o futuro da Ucrânia.

Por outro lado, a guerra em Gaza ameaça expandir-se com a escalada da confrontação entre Israel e o Hezbollah, podendo levar a guerra para o território do Líbano, com consequências imprevisíveis. O líder do Hezbollah diz estar preparado para invadir Israel pela Galiléia. Israel diz estar pronto para uma “guerra total” contra o Hezbollah, que implicaria a destruição de parte do Líbano e o possível envolvimento do Irã.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter