A marcha da insensatez
Escalada retórica e dificuldade de negociações para a paz ampliam risco de confrontos em nível global. Tensão entre Rússia e Ucrânia (com apoio da Otan) tem evoluído, e troca de ameaças entre Israel e o Hezbollah torna situação volátil também no Oriente Médio, criando um cenário propício à preocupação internacional
O presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, deu uma longa entrevista ao sumário suíço Weltwoche na qual ele afirmou que “em três ou quatro meses o mundo estará envolvido em uma nova guerra”, e que seu país está se preparando para esse cenário, acumulando estoques de petróleo, trigo e açúcar.
Seguem, em resumo, os comentários do presidente sérvio:
- A escalada retórica na guerra de Ucrânia está aumentando rapidamente e, se as grandes potências não fizerem nada logo, estaremos caminhando para um tremendo desastre;
- se todos pensarem que Putin está blefando, significa que o Ocidente não tem outros instrumentos;
- sou sempre muito cauteloso quando analiso a disposição e os futuros movimentos de Putin;
- a situação fica ainda mais complicada porque todos estão falando de guerra, ninguém está preocupado com a paz, palavra quase proibida;
- acho estranho que ninguém está tentando terminar a guerra;
- há a teoria pela qual o Ocidente poderá derrotar Putin facilmente e para isso estão deixando a Rússia esgotar seus recursos na Ucrânia para então entrar na Ucrânia e no território russo, que deixará de existir como existe hoje, e Putin será deposto.
Vucic acrescenta ainda que quando se analisa a atitude dos EUA e da Otan, verifica-se que eles não podem se dar ao luxo de aceitar a derrota da guerra na Ucrânia porque a posição deles se deterioraria fortemente do ponto de vista geopolítico, o que dificilmente poderia ser recuperado.
A Otan está criando três bases militares junto com a Ucrânia na Polônia, na Eslováquia e na Romênia, preparando uma ofensiva contra a Rússia. O presidente da Hungria, Viktor Orbán, fez comentários públicos na mesma linha, acrescentando estar sendo pressionado pela Otan para aderir, mas que se recusou a endossar essas ações.
Dadas as muito boas relações de Vucic com Vladimir Putin e com Moscou, o que essa entrevista pode significar? Estaria ele antecipando o que está sendo discutido secretamente na Rússia e talvez interpretando o ultimato que a Rússia deu à Otan, especialmente depois da autorização da transferência de F-16 ucranianos para as bases da Otan na Romênia e na Polônia, e da autorização para a Ucrânia utilizar no território russo armas de ataque americanas e europeias?
Nos últimos dias, novos elementos tornam mais rígidas as posições ocidentais e da Rússia. Putin se diz disposto a conversar e apresentou proposta com dois pontos: incorporação definitiva dos territórios ocupados na Ucrânia e a Crimeia (o que claramente é inaceitável para o governo de Kiev) e a desmilitarização da Ucrânia, o que implica em abrir mão de ingressar na Otan.
Por outro lado, a proposta de Zelensky (com dez pontos) foi aceita na Conferência da Suíça e endossada por 89 países com questões inaceitáveis pela Rússia (com lista de exigências sem concessões à Rússia, críticas a Moscou e o não emprego de armas nucleares.
Os EUA assinaram acordo de cooperação militar com a Ucrânia com validade de dez anos, talvez um meio de evitar mudanças na política de apoio à Ucrânia, se Trump for eleito.
A sugestão da China, apoiada pelo Brasil, de que Rússia e Ucrânia comecem a conversar sobre a perspectiva de paz, tem pouca probabilidade de avançar.
A Conferência de paz sobre a Ucrânia realizada na Suíça contou com mais de cem países, mas 11 (entre eles o Brasil, a Índia, a Arabia Saudita) deixaram de assinar o comunicado final com a proposta da Ucrânia, o que indica visões diferentes do problema e um enfraquecimento da proposta.
A China, ausente do encontro, mencionou que somente a presença da Rússia e da Ucrânia em reunião do Conselho de Segurança da ONU poderia fazer avançar o processo de negociação. Pouco antes, na reunião do G7, o conflito na Ucrânia foi a questão central do encontro. Os países membros, principais economias ocidentais, foram unânimes no apoio à Ucrânia e decidiram conceder empréstimo ao país de US$50 bilhões para os próximos dez anos, com a utilização dos juros das reservas russas, congeladas nos EUA e na Europa.
O grande risco de escalada no conflito na Ucrânia, implícito na entrevista de Vucic, é a reação russa aos ataques ao seu território pela Ucrânia com equipamentos e munição ocidentais, além do treinamento e o uso de bases da Otan pelos aviões ucranianos. Sem falar no uso (Putin chamou de roubo) das reservas russas para empréstimo à Ucrânia.
Nesta semana, registrou-se uma escalada na retórica nuclear com o pronunciamento do secretário-geral da Otan sobre o aumento de artefatos nucleares ativados para responder às ameaças russas. Deve ser notada igualmente a visita de Putin à Coreia do Norte, que também possui armas nucleares, ampliando a cooperação na área de segurança.
O que aconteceria se a Otan atacasse a Rússia e Putin empregasse armas nucleares táticas ou atacasse essas bases na Polônia, na Eslováquia e na Romênia? Poderia haver reação dos EUA, da França, do Reino Unido às vésperas de eleições gerais? Como os eleitores reagiram à perspectiva de uma guerra generalizada na Europa? Dada a rigidez das posições, dificilmente as negociações para a suspensão das hostilidades avançarão nos próximos meses. Caso Trump vença nos EUA, a posição russa se fortalecerá, e os europeus da Otan terão de decidir o futuro da Ucrânia.
Por outro lado, a guerra em Gaza ameaça expandir-se com a escalada da confrontação entre Israel e o Hezbollah, podendo levar a guerra para o território do Líbano, com consequências imprevisíveis. O líder do Hezbollah diz estar preparado para invadir Israel pela Galiléia. Israel diz estar pronto para uma “guerra total” contra o Hezbollah, que implicaria a destruição de parte do Líbano e o possível envolvimento do Irã.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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