Bloqueio ao X gera desinformação, que ameaça a imagem do Brasil
A narrativa de censura, propagada em grande parte pela mídia e por figuras influentes, distorce os motivos e o contexto da medida, criando uma percepção de que o Brasil não é uma nação comprometida com o Estado de direito
Na guerra, a primeira vítima é a verdade. Na disputa jurídica entre a Justiça brasileira e Elon Musk, dono do Twitter/X, quem começou vencendo foi a desinformação, e uma das primeiras ameaças é contra a imagem internacional do Brasil.
O bloqueio ao X tem sido alvo de desinformação global, impactando negativamente a forma como se pensa sobre o país no cenário internacional. A narrativa de censura, propagada em grande parte pela mídia e por figuras influentes, distorce os motivos e o contexto da medida, criando uma percepção de que o Brasil não é uma nação comprometida com o Estado de direito. Para mitigar esses efeitos, é necessário que o Brasil adote uma postura transparente e engajada no diálogo global sobre a regulação digital, demonstrando seu compromisso tanto com a liberdade de expressão quanto com a proteção de sua sociedade contra os perigos da desinformação.
Pouco depois da decisão de Alexandre de Moraes, ratificada pelo Supremo Tribunal Federal, a própria imprensa brasileira começou a publicar comentários (pouco embasados) sobre os possíveis impactos do bloqueio à rede social.
No Estadão, Solano de Camargo, presidente de comissão da OAB-SP, argumentou que a postura do STF prejudica a imagem do Brasil no cenário jurídico global e expõe o país ao ridículo internacional. Na Bloomberg, o investidor Bill Ackman criticou o bloqueio do X e disse que a medida afeta a imagem do país para investidores. Em nenhum dos dois casos havia muita evidência para justificar a avaliação.
O bloqueio à rede social realmente ampliou a visibilidade do país na imprensa estrangeira, conforme revelado pelo Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil), que avalia a forma como o Brasil é retratado no exterior. A cobertura dos principais veículos, de forma geral, foi muito correta e equilibrada, se prendendo aos fatos evitando um tom que pudesse influenciar na forma como o país é visto no exterior. Inicialmente, as análises sobre o caso nessa imprensa tradicional colocaram o Brasil no centro de uma disputa global complexa sobre os limites da liberdade de expressão, a regulamentação das redes sociais e a defesa da democracia.
Mas o debate público tem se expandido e parece permeado pela polarização ideológica. Há pouco espaço para nuances entre quem se sente representado por Musk e acha que o Brasil virou uma ditadura e quem vê no bilionário uma ameaça global que precisa ser parado por qualquer meio.
E a reputação do Brasil fica pressionada entre essas duas visões simplistas propagadas em cima de muita desinformação. O que se vê na discussão internacional sobre o caso é a proliferação de análises equivocadas, vazias, que mostram desconhecimento e preconceito sobre o Brasil. Muitos ignoram os detalhes do processo, generalizam a medida como sendo de um governo monolítico, e não avaliam o que diz a lei brasileira.
Em muitos casos, a narrativa internacional distorce os motivos que levaram ao bloqueio. Veículos de comunicação e comentaristas internacionais, especialmente nos Estados Unidos, apresentam o episódio como uma medida autoritária, ignorando o contexto legal e a responsabilidade das plataformas digitais na manutenção de um ambiente digital saudável.
Um artigo publicado no site americano de política The Hill, por exemplo, trata o caso como uma medida sem base, diz que o Brasil se juntou a um clube formado por Rússia, China, Coreia do Norte, Irã e Paquistão, e que o objetivo do bloqueio é “matar a voz do adversário e aniquilar o pensamento divergente”. O texto ignora a separação de poderes no país e que o governo não teve envolvimento na decisão da Justiça, diz que o país tem um regime autoritário e que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um defensor da censura e dos censores.
De forma parecida, o empresário e apresentador de TV Kevin O’Leary deu uma entrevista ao canal Fox Business em que tratou o bloqueio como uma decisão do governo Lula, e disse que a repercussão negativa da medida faria com que ela fosse revista.
A interpretação do bloqueio como censura também foi amplamente disseminada nas redes sociais, alimentando a desinformação. Influenciadores e até políticos internacionais sugerem que a medida era uma tentativa de silenciar críticas a Lula.
Mesmo veículos importantes pareceram escorregar na avaliação. A revista The Economist avaliou o caso brasileiro dentro de um movimento global de restrição à liberdade de expressão. O artigo diz que a decisão americana de bloquear o TikTok seria justificada, por se tratar de uma rede controlada pela China, mas que o bloqueio ao X no Brasil seria um caso de “tentativa de censurar e punir expressão que deveria estar dentro da lei”. A visão revela dois pesos e duas medidas para a análise de cada país e ignora que Musk tem influência geopolítica global e interesses políticos que talvez não devam ser vistos como muito diferentes dos de um governo estrangeiro.
Uma avaliação superficial da cobertura do caso no exterior revela ainda uma separação geográfica no tom usado nas análises. Nos Estados Unidos, há um movimento mais próximo da defesa de Musk e da liberdade de expressão sem limites, ainda que se reconheça que o X enfrenta problemas de desinformação. Na Europa, a cobertura tende a ser mais favorável à decisão da Justiça brasileira, com ênfase na necessidade de regular as grandes plataformas digitais para garantir a legalidade.
Essa divergência de opiniões reflete os diferentes contextos culturais e políticos em cada região, destacando que a governança global da internet é um tema complexo, que merece um debate amplo.
Mais do que a decisão do STF contra o X, é essa distorção dos fatos que afeta diretamente a imagem internacional do Brasil, especialmente nos campos da política, dass relações diplomáticas e no ambiente de negócios. Em um mundo globalizado, a percepção de um país é fundamental para atrair investimentos e fortalecer parcerias internacionais. Quando o Brasil é retratado como uma nação que não respeita a liberdade de expressão, isso de fato pode afastar empresas e investidores preocupados com a segurança jurídica e a estabilidade política.
O país precisa trabalhar para desfazer a desinformação e recuperar sua imagem, mostrando que é uma democracia onde as leis existem e devem ser cumpridas. Para isso, é importante adotar uma abordagem transparente e proativa em relação à regulação digital, e fazer um esforço para mostrar como funcionam a política e a Justiça no país.
Goste-se ou não de Alexandre de Moraes, de Elon Musk, de Lula e do X, concorde-se ou não com o bloqueio das redes sociais e com suas justificativas, é importante deixar claro que existe lei e existem processos jurídicos no Brasil, e que o país não é uma república de bananas.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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