30 maio 2024

Estudo revela maior apoio global à parceria China-Rússia do que aos EUA

Alinhamento global é relevante para o Brasil e indica que a aposta do governo Lula em uma suposta multipolaridade da geopolítica (o que é questionado por muitos especialistas), pode fazer sentido

Os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, durante encontro em Moscou (Foto: Presidência da Rússia/Wikimedia Commons)

A crescente polarização geopolítica e a rivalidade entre Estados Unidos, de um lado, China e Rússia do outro, têm colocado pressão sobre os demais países do mundo em relação a um alinhamento no que alguns analistas já chamam de “nova Guerra Fria”. Com as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, tem ficado mais evidente a formação de um bloco contra a hegemonia americana, que vem sendo tratado como parte do chamado ”Sul Global”. 

Este tipo de pressão é evidente no caso do Brasil nos últimos anos, em que muitos comentaristas mesmo dentro do país apontam para uma maior aproximação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva com os interesses autocráticos do Sul Global, representado pela parceria sino-russa, do que com o Ocidente democrático, representado pelos norte-americanos. A avaliação, entretanto, tem partido mais de impressões anedóticas do que de estudos sistemáticos a respeito das alianças da política externa brasileira.

‘Pesquisa indica que há evidências de que a governança global está realmente se tornando cada vez mais “multipolar” graças à aliança entre a China e a Rússia’

Sem se debruçar especificamente sobre o Brasil, um estudo recente indicou que há evidências de que a governança global está realmente se tornando cada vez mais “multipolar” graças à aliança entre a China e a Rússia. Segundo a pesquisa global, realizada a partir de dados de votações na Assembleia Geral da ONU, Pequim e Moscou têm ganhado terreno em detrimento da influência tradicional dos Estados Unidos.

Os dados foram revelados no artigo acadêmico Bloc Politics at the UN: How Other States Behave When the United States and China–Russia Disagree publicado pela Global Studies Quarterly no final do ano passado. O estudo foi realizado pelos pesquisadores Dmitriy Nurullayev, da Universidade do Arizona, e Mihaela Papa, da Universidade Tufts.

Para entender como os países se posicionam em relação a essas grandes potências em disputa global, eles analisaram os padrões de votação na ONU ao longo de 30 anos. Os resultados indicam que as posições de China e Rússia recebem um apoio global significativamente maior do que as dos EUA. Países membros do G77, da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e do Brics tendem a votar de acordo com a aliança sino-russa.

‘Os países alinharam-se com as posições dos EUA apenas 14% das vezes. Em contraste o G77 apoiaram os EUA em apenas 6% das resoluções, enquanto os o Brics e a SCO se alinharam aos americanos em apenas 5% das resoluções’

A análise revelou que, em média, os países alinharam-se com as posições dos EUA apenas 14% das vezes. Em contraste, países do G77 apoiaram os EUA em apenas 6% das resoluções, enquanto os não-membros do G77 o fizeram em 33% das vezes. Os países do Brics e da SCO mostraram um alinhamento ainda menor com os EUA, apoiando suas posições em apenas 5% das resoluções.

Por outro lado, os membros da Otan mostraram-se os mais alinhados com os EUA, apoiando suas posições em 37% das resoluções gerais. No entanto, mesmo dentro da Otan, muitos estados ainda votaram mais frequentemente de acordo com as posições sino-russas do que com as dos EUA, destacando a complexidade das alianças internacionais contemporâneas.

Apesar do evidente favorecimento das posições do Sul Global, os dados indicam uma crescente fragmentação na ONU ao longo do tempo.

‘China e Rússia têm fortalecido sua parceria na governança global para alcançar objetivos comuns, desafiando a hegemonia dos Estados Unidos e promovendo um mundo “multipolar”’

Este perfil de alinhamento reflete um movimento realizado nas últimas décadas em que China e Rússia têm fortalecido sua parceria na governança global para alcançar objetivos comuns, desafiando a hegemonia dos Estados Unidos. Desde o fim da Guerra Fria, os dois países têm trabalhado em colaboração para promover um mundo “multipolar”. Desde 2022, esse alinhamento foi formalizado como uma parceria “sem limites”, reforçando ainda mais seus laços.

Esse maior alinhamento com o bloco de oposição aos EUA sugere que a influência americana no mundo está diminuindo, o que levanta questões sobre a eficácia das estratégias de alianças formais dos EUA e a necessidade de explorar novas formas de fortalecer suas relações internacionais.

Este perfil de alinhamento internacional também é relevante para o Brasil. Por um lado, indica que a aposta do governo Lula em uma suposta multipolaridade da geopolítica (o que é questionado por muitos especialistas), pode fazer sentido. Com o enfraquecimento da influência americana, a aproximação com o bloco sino-russo não seria um movimento isolado do Brasil, e poderia criar um bloco com muitos países sob a bandeira do “Sul Global”. 

Por outro lado, a crescente polarização pode colocar em xeque a estratégia brasileira de colocar o Estado como “neutro” nas disputas globais e jogar o Brasil de vez no colo da aliança sino-russa em oposição aos EUA, o que poderia se tornar um risco para os interesses do país.

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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