Retirada de embaixador de Israel reconfigura relação bilateral e dinâmica geopolítica na região
Brasil busca reafirmar sua identidade histórica como mediador e promotor da paz, e reposicionamento está inserido em um movimento maior de suporte concreto à causa palestina e repúdio às ações israelenses
A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de retirar o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, não apenas sinaliza uma alteração nas relações diplomáticas entre Brasil e Israel, mas também evidencia um realinhamento estratégico da política externa brasileira no que tange o conflito israelense-palestino. Essa medida é mais do que uma simples mudança de pessoal; ela reflete uma resposta direta às recentes ações militares de Israel, que têm sido amplamente criticadas pela comunidade internacional devido à severidade e ao alto número de vítimas civis palestinas.
Esse gesto diplomático ocorre em um contexto em que o Brasil, sob a liderança de Lula, busca reafirmar seu compromisso com os direitos humanos e a legalidade internacional. A retirada do embaixador é parte de uma série de eventos que inclui declarações públicas de repúdio às ações israelenses e uma postura mais assertiva em fóruns internacionais. Este reposicionamento brasileiro está inserido em um movimento maior, que busca não apenas criticar as políticas específicas de Israel, mas também oferecer suporte concreto à causa palestina.
Além disso, a decisão de não nomear um novo embaixador e deixar a embaixada sob a liderança de um chefe de negócios é um sinal da importância que o governo brasileiro atualmente atribui à moderação nas relações com Israel, enquanto enfatiza sua insatisfação com as políticas israelenses em Gaza. Este passo, considerado drástico por alguns analistas, busca provocar uma reflexão por parte de Israel sobre suas ações e, idealmente, motivar uma reavaliação de suas políticas no território palestino.
Essa mudança diplomática também pode ser vista como parte de uma estratégia brasileira de reforçar sua posição nos debates globais sobre paz e segurança, alinhando-se com nações que têm defendido uma solução mais equitativa para o conflito israelense-palestino. Com isso, o Brasil busca reafirmar sua identidade histórica como mediador e promotor da paz.
As relações entre Brasil e Israel, historicamente marcadas por flutuações, têm sido influenciadas por mudanças nas administrações políticas e pelos contínuos desdobramentos nos cenários geopolíticos globais. A recente decisão do presidente Lula de diminuir o nível da representação diplomática do Brasil em Israel após o ataque aéreo em Rafah — que culminou na morte de 45 civis e deixou mais de 200 feridos —, exemplifica uma resposta vigorosa e direta do Brasil contra o que foi amplamente percebido como uma transgressão grave dos direitos humanos por parte de Israel. O bombardeio também violou uma decisão anterior da Corte Internacional de Justiça, intensificando assim a reação adversa da comunidade internacional em relação às ações israelenses.
Este incidente específico reforça a crescente percepção de que as ações de Israel em Gaza ultrapassam os limites aceitáveis do comportamento nacional em um cenário global que preza pelos direitos humanos e pela lei internacional. Como resultado, a postura adotada por Lula sinaliza um alinhamento com a pressão internacional que vem se intensificando contra Israel. Um exemplo marcante deste crescente isolamento internacional de Israel é a decisão do México de juntar-se ao processo legal iniciado pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça. Este processo judicial acusa Israel de violar a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio.
O compromisso do Brasil com a causa palestina e o reconhecimento formal do Estado palestino tem raízes na política externa brasileira, especialmente durante a administração de Lula. Esta política foi inicialmente estabelecida durante o segundo mandato do petista, em 2010, marcando uma era de apoio explícito à autodeterminação palestina. Naquela época, a decisão brasileira de reconhecer o Estado palestino não apenas representou uma posição moral e ética, mas também influenciou outros países da América Latina a seguir o mesmo caminho.
Este apoio do Brasil ao Estado palestino também é uma manifestação de sua visão de que a paz duradoura no Oriente Médio depende fundamentalmente da existência de dois Estados para dois povos. Ao celebrar o reconhecimento por parte de Espanha, Irlanda e Noruega, Lula não só reafirma a posição brasileira, mas também alinha o Brasil com uma comunidade internacional que vê a necessidade de um Estado palestino como essencial para a estabilidade e a paz regionais.
A decisão de reduzir o nível diplomático em Israel é uma mensagem clara de que o Brasil não apoiará ações que considere contrárias aos princípios de direitos humanos e justiça internacional. Isto poderá ter implicações significativas para as futuras interações bilaterais. O Brasil, sendo uma das maiores economias emergentes e um líder reconhecido na América Latina, desempenha um papel crucial na moldagem de normas e políticas internacionais na região.
Além disso, o apoio explícito do Brasil aos palestinos pode ser visto como parte de uma estratégia mais ampla para reforçar seu papel como um ator global que pode influenciar positivamente as resoluções de conflitos e as negociações de paz. Por outro lado, esta postura pode levar a uma resposta de Israel e de seus aliados, especialmente os Estados Unidos, que tradicionalmente têm visto qualquer crítica às políticas israelenses como um desafio à sua própria política externa. Isto poderia resultar em reações diplomáticas ou até econômicas que buscam repreender ou pressionar o Brasil a moderar sua postura.
A retirada do embaixador brasileiro de Israel não é apenas um gesto diplomático, mas um reflexo de uma política externa que busca alinhar suas ações com seus valores declarados de justiça e direitos humanos. Enquanto o Brasil enfrenta seus próprios desafios internos e externos, essa decisão reafirma seu compromisso com uma ordem global mais equitativa e justa. A medida, embora simbólica, tem o potencial de reconfigurar significativamente as relações Brasil-Israel e, possivelmente, a dinâmica geopolítica mais ampla no Oriente Médio.
Karina Stange Calandrin é colunista da Interesse Nacional, professora de relações internacionais no Ibmec-SP e na Uniso, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutora em relações internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional