Rubens Barbosa: Ano começa sob tensão, ameaças à paz e risco de guerras
Esforços diplomáticos estão fracassando, impotentes diante dos interesses políticos, econômicos e militares de um número crescente de países. Para embaixador, situação global de 2024 cria incertezas para a vida normal nos países afetados, desorganiza o tráfego marítimo e os mercados agrícolas e de energia
Esforços diplomáticos estão fracassando, impotentes diante dos interesses políticos, econômicos e militares de um número crescente de países. Para embaixador, situação global de 2024 cria incertezas para a vida normal nos países afetados, desorganiza o tráfego marítimo e os mercados agrícolas e de energia
Por Rubens Barbosa*
Em termos de guerra e paz, o ano de 2024 começa em uma situação global como não se via há muito tempo. Guerras na Europa, no Oriente Médio e na África criam incertezas para a vida normal nos países afetados, desorganizam o tráfego marítimo e os mercados agrícolas e de energia.
Os esforços diplomáticos estão fracassando, impotentes diante dos interesses políticos, econômicos e militares de um número crescente de países. Na frente multilateral, cada vez mais, fica evidenciado o enfraquecimento da organização responsável pelo acompanhamento da paz e da segurança mundial. A ONU foi sendo gradualmente marginalizada e impotente desde as crises no Iraque, no Afeganistão e na Síria. Agora, nem sequer consegue aprovar decisões que contrariem os interesses dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, como estamos vendo nas guerras da Ucrânia e de Gaza.
As guerras que haviam quase desaparecido, ganharam impulso desde 2012, com os conflitos na Líbia, na Siria e no Iêmen. Segundo estudos do Instituto de Estudos para a Paz de Estocolmo, 2024 nasce com 55 conflitos localizados envolvendo 38 países.
Desses conflitos, 11 devem ser acompanhados mais de perto pelo potencial de gerar crises adicionais e afetar grande número de pessoas: Gaza e guerra no Oriente Médio ampliada, Rússia-Ucrânia, Arábia Saudita e Iêmen, Mianmar, Etiópia, Sahel, Sudão, Haiti, Armênia Azerbaijão, EUA-China.
As guerras na Europa (ataque da Rússia) na Ucrânia e no Oriente Médio (Israel contra Hamas) se prolongam há mais de dois anos e mais de três meses, respectivamente, sem um fim à vista e com grande repercussão global.
A ameaça de o conflito em Gaza escalar e se tornar uma guerra regional mais ampla tem crescido com o ataque de Israel a Beirute para matar um líder do Hamas, com o ataque terrorista no Irã, e com os atos de pirataria no Mar Vermelho. O maior risco é o envolvimento do Líbano, com uma resposta mais violenta contra Israel por parte do Hezbollah.
A guerra entre a Armênia e o Azerbaijão pelo território de Nagorno Karabah, se estende por muitos anos e, depois de a Armênia ter desistido da região contestada, mais de 100 mil armênios deixaram a região. Desenvolvimentos recentes, inclusive novas disputas territoriais entre os dois países, voltam a preocupar.
No Iêmen, a guerra entre os imenitas, apoiados pela Arábia Saudita, e os houthis, apoiados pelo Irã, também se estende desde 2015, com uma crise humanitária prolongada. O conflito coloca em risco a navegabilidade no Mar Vermelho pelos ataques a navios de transporte de mercadorias.
Na Etiópia, em Mianmar e no Sudão o conflito é de natureza doméstica com grupos étnicos e religiosos em luta. O Sudão talvez seja o país com maior número de vítimas.
Na região de Sahel, faixa entre o deserto do Saara e as savanas ao sul, muito pobres, sucessivos golpes de Estado, na Guiné, no Mali, no Níger e no Chade colocam em choque grupos de militares. Todos contra a presença da França, potencial colonial.
No Haiti, desde a morte do presidente Jovenel Moise, a dominação de gangues criminosas instaurou o pânico na população com a ausência do Estado. Tropas do Quênia foram autorizadas pela ONU para tentar controlar a situação a partir do início de 2024.
Finalmente, as tensões entre os EUA e a China, crescentes nos últimos anos em virtude da disputa pela hegemonia comercial, econômica e tecnológica no século XXI e da questão de Taiwan, aparentemente ganharam uma contenção administrada, depois do encontro em novembro entre Biden e Xi Jinping. A nenhum dos dois países interessa agora uma escalada nas tensões em virtude das eleições presidenciais nos EUA e das questões econômicas internas na China.
É bom lembrar que há outros conflitos potenciais: Venezuela-Guiana, Coreia do Norte-Coreia do Sul, Mar do Sul da China, ataques a livre navegação no Mar Vermelho e a questão China-Taiwan.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
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Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional