Rubens Barbosa: Cúpula UE-Celac perde oportunidade de avançar cooperação entre as regiões
Desde o começo, havia pouca expectativa quanto aos resultados finais do encontro de cúpula. Para embaixador, comunicado final apenas reforçou e reiterou compromissos passados, como o objetivo de alcançar um acordo comercial entre o Mercosul e a UE
Desde o começo, havia pouca expectativa quanto aos resultados finais do encontro de cúpula. Para embaixador, comunicado final apenas reforçou e reiterou compromissos passados, como o objetivo de alcançar um acordo comercial entre o Mercosul e a UE
Por Rubens Barbosa*
A Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) é um bloco regional intergovernamental composto por 33 países cujo objetivo é ampliar um projeto de integração regional e discutir a solução de problemas comuns a todos os seus membros. O grupo foi criado no México em 2010 e teve sua primeira cúpula no Brasil. O grupo substituiu o Grupo do Rio e da Cúpula da América Latina e do Caribe (CALC).
O Brasil voltou a integrar o grupo em janeiro deste ano, com o início do terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva. Em janeiro de 2020, o então chanceler Ernesto Araújo anunciou que o país deixava oficialmente a Celac, a pedido do então presidente Jair Bolsonaro. A partir da Celac, os países da América Latina e Caribe também têm feito intervenções conjuntas e estratégicas na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e outras comissões.
Nesta semana, depois de oito anos, foi realizada a cúpula da Celac com a União Europeia (UE) em Bruxelas, na Bélgica, com a presença de 33 países latino-americanos e 27 europeus. O encontro mostrou um renovado interesse europeu pela região. A nova geopolítica, com as dificuldades criadas pela guerra da Rússia na Ucrânia e com as tensões econômicas e comerciais com a China, além da preocupação com a crescente presença chinesa na região, levou a UE a buscar estreitar a cooperação com a América Latina.
Nesse contexto, a presidente da Comissão Europeia anunciou investimentos de R$243 bilhões na América Latina e Caribe. Representantes do setor privado e de bancos de financiamento também estiveram presentes no evento.
Os principais temas discutidos foram mudança do clima e transição justa e sustentável; comércio e desenvolvimento sustentável; inclusão social; transição digital inclusiva e justa; segurança cidadã e combate ao crime organizado; transição energética; reforma da arquitetura financeira internacional; recuperação econômica pós-pandemia da Covid-19. O ponto de discordância mais grave foi o veto dos países latino-americanos, como um bloco, em relação à participação virtual do presidente ucraniano, Zelensky, convidado pela Presidência da UE, e a redação do comunicado final sobre a guerra na Ucrânia.
Em paralelo a cúpula, ocorreu encontro de alguns presidentes (Brasil, França, Colômbia e UE) com representantes do governo e da oposição venezuelana. Segundo se noticiou, foi transmitido aos representantes governamentais de Caracas que as relações com a Venezuela só poderiam ser normalizadas após um acordo com a oposição para a realização de uma eleição transparente.
Lula voltou a afirmar que a solução para a Venezuela deve vir de seu povo e voltou a aludir ao fato de que a Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. De qualquer forma, foram criadas condições para a retomada das negociações entre governo e oposição, apesar das recentes medidas restritivas contra possíveis candidatos da oposição na eleição presidencial de 2024.
Do ponto de vista do Brasil, os principais aspectos discutidos foram a reiteração de que o acordo Mercosul-UE seja examinado sem ameaças, a necessidade de apoio ao combate ao desmatamento da Amazônia, o fortalecimento do Conselho de Segurança das Nações Unidas, incapaz de discutir o fim da guerra na Ucrânia, e a regulamentação das plataformas digitais.
Lula manteve ainda encontros bilaterais com chefes de Estado da Europa e da América Latina. Em reunião paralela à cúpula, o Mercosul e a UE “reafirmaram sua determinação em trabalhar para a conclusão do acordo entre a UE e o Mercosul até ao final de 2023 e resolver todas as pendências, de acordo com as prioridades e preocupações de cada parte”, segundo comunicado divulgado pela Comissão Europeia após a reunião entre as partes.
No comunicado final de dez páginas, registrou-se o compromisso de “renovar e fortalecer mais” as relações entre ambos lados do Atlântico, “fundadas nos valores e interesses compartilhados” e nos “fortes laços econômicos, sociais e culturais”. Outro ponto reforçado é que a cooperação e o relacionamento deverá “levar em consideração as diferenças nos nossos níveis de desenvolvimento econômico e social”.
Foi ressaltado que os valores compartilhados nos quais nossa parceria é baseada continuam intocáveis: sociedades resilientes, inclusivas e democráticas, a promoção e respeito a todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, o Estado de Direito, democracia, incluindo eleições livres, justas, inclusivas, transparentes e críveis, e liberdade da imprensa”.
O documento, que reforça também a necessidade de respeito aos direitos humanos e ao combate à discriminação, “reconhece e lamenta profundamente o sofrimento imensurável infligido a milhões de homens, mulheres e crianças como resultado do tráfico transatlântico de pessoas escravizadas”.
Como era de esperar, os países expressaram profunda preocupação com a guerra atual contra a Ucrânia, que continua a causar “imenso sofrimento humano e exacerba fragilidades existentes na economia global, impedindo o crescimento, aumentando a inflação, interrompendo cadeias de suprimento, aumentando a insegurança energética e alimentando e elevando o risco de estabilidade financeira”, diz o texto, em que as nações dizem apoiar a “necessidade de uma paz justa e sustentável”. Nenhuma palavra de condenação à Rússia ou de apoio à Ucrânia.
Havia pouca expectativa quanto aos resultados finais do encontro de cúpula, o que foi confirmado pelo comunicado final. Perdeu-se mais uma oportunidade de avançar uma agenda concreta de cooperação econômica e comercial entre as duas regiões.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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